ONU: fome atinge mais de 820 milhões de pessoas no mundo
Novo relatório lançado por cinco agências da ONU indica que situação é mais preocupante na África; especialista da FAO cita países como Angola e Moçambique por progressos, mas destaca que cenário ainda preocupa.
Após décadas de declínio constante, a tendência da fome no mundo, que é medida pela prevalência da desnutrição, foi revertida em 2015. Nos últimos três anos, as taxas permaneceram praticamente inalteradas em um nível ligeiramente abaixo de 11%.
No entanto, o número de pessoas atingidas pela fome aumentou lentamente. Como resultado, mais de 820 milhões de pessoas no mundo ainda passavam fome em 2018, ressaltando o imenso desafio de atingir a meta do Fome Zero até 2030.
Relatório
Os dados constam no relatório o Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Mundo em 2019, lançado nesta segunda-feira por cinco agências da ONU.
Falando à ONU News de Roma, a especialista em segurança alimentar e nutrição da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, a FAO, Anne Kepple, explicou que este ano o relatório também introduziu um segundo indicador para fazer o monitoramento da fome e o acesso aos alimentos no contexto da agência 2030.
“Esse indicador analisa a prevalência da insegurança alimentar moderada ou grave, baseada na escala de experiência de insegurança alimentar. Esse indicador vai além da fome, e fornece uma estimativa do número de pessoas sem acesso estável a alimentos nutritivos e suficientes durante todo o ano. Quando consideramos o número de pessoas com insegurança alimentar severa, ou seja, as pessoas que passam fome, junto com as pessoas com insegurança alimentar moderada, a FAO estima que o número chegue a 2 bilhões de pessoas no mundo.
África
De acordo com o relatório, a situação é mais preocupante na África. A região tem as maiores taxas de fome do mundo e apresenta índices que continuam crescendo lentamente, mas constantemente em quase todas as sub-regiões.
El hambre sigue creciendo en América Latina y el Caribe.
— FAO Américas (@FAOAmericas) July 15, 2019
Hoy afecta a 42,5 millones de personas, el 6,5% de la población
Y por cada persona con hambre, + de seis sufren sobrepeso
Revisa el nuevo informe de la ONU #SOFI2019 #HambreCero https://t.co/NjuebIUOkt pic.twitter.com/qmfVzJxrHS
Na África Oriental, em particular, cerca de um terço da população, 30,8%, está subnutrida. Além do clima e do conflito, a desaceleração e a retração da economia estão impulsionando o crescimento.
Desde 2011, quase metade dos países onde a fome crescente ocorreu devido a desacelerações econômicas ou estagnação foram na África.
Ásia
O estudo aponta também que o maior número de pessoas subnutridas, mais de 500 milhões, vive na Ásia, principalmente nos países do sul da Ásia.
Juntos, a África e a Ásia têm a maior parcela de todas as formas de desnutrição, sendo responsáveis por mais de nove entre 10 crianças com atraso no crescimento e mais de nove entre 10 crianças com debilitação em todo o mundo.
Menores com debilitação são aqueles que sofrem de desnutrição aguda, marcados pelo fato de estarem abaixo do peso para sua altura.
No sul da Ásia e na África Subsaariana, uma em cada três crianças é raquítica.
Principais fatos e números
- Número de pessoas com fome no mundo em 2018: 821,6 milhões (ou uma em 9 pessoas)
- na Ásia: 513,9 milhões
- na África: 256,1 milhões
- na América Latina e no Caribe: 42,5 milhões
- Número de insegurança alimentar moderada ou grave: 2 bilhões (26,4%)
- Bebês que nasceram abaixo do peso: 20,5 milhões (um em sete)
- Crianças menores de cinco anos afetadas por estatura baixa (baixa estatura para idade): 148,9 milhões (21,9%)
- Crianças menores de 5 anos afetadas por “desperdício” (peso baixo em relação à altura): 49,5 milhões (7,3%)
- Crianças com menos de cinco anos que estão acima do peso (alto peso por altura): 40 milhões (5,9%)
Lusófonos
Kepple destacou que países como Angola e Moçambique apresentaram melhoras nos índices.
“Nos últimos 12 anos, vamos dizer, a prevalência da subalimentação em Angola caiu pela metade, de 55% para 25% da população e em Moçambique também, a prevalência da subalimentação caiu nesse mesmo período, de 37% para 28%. Ou seja, em ambos os países a tendência é positiva, porém, a situação continua preocupante. Em Cabo Verde e no Brasil a situação é melhor. Em Cabo Verde a fome atingiu 13% da população e menos de 2,5% da população no Brasil.”
Obesidade
O relatório também traz esse ano um alerta sobre o sobrepeso e a obesidade, que continuam a aumentar em todas as regiões, particularmente entre crianças em idade escolar e adultos. Em 2018, a estimativa é de que 40 milhões de crianças menores de cinco anos estavam acima do peso.
Levando em consideração os dados apontados pelo estudo, Kepple acredita que os desafios são grandes, mas que o alcance da Fome Zero até 2030 não é impossível.
“De fato precisamos redobrar as forças no combate à fome, mas é possível sim. Não que seja simples em face aos desafios colocados pelas mudanças climáticas, os conflitos no mundo e os desequilíbrios de poder e as desigualdades. Mas é preciso elucidar e resolver as causas básicas da fome. São necessárias políticas e transformações estruturais pró-pobre, que protejam e empoderem as populações menos abastecidas e mais vulneráveis.
Para Kepple, é preciso reconhecer que “todos se beneficiam de uma sociedade sem fome, todos prosperam”.
O lançamento do relatório foi feito pela FAO, a Organização Mundial da Saúde, OMS, a Agência da ONU para Refugiados, Acnur, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, o Programa Mundial de Alimentação, PMA, e o Escritório das Nações Unidas de Assistência Humanitária, Ocha.