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Mia Couto: sem esperar por solidariede, moçambicanos “estão produzindo o seu próprio futuro” 

O escritor moçambicano Mia Couto
Foto: Emídio Josine
O escritor moçambicano Mia Couto

Mia Couto: sem esperar por solidariede, moçambicanos “estão produzindo o seu próprio futuro” 

Ajuda humanitária

Em entrevista à ONU News, escritor diz que homens e mulheres do país começaram a reconstruir suas vidas depois do ciclone, mas lembra que a tragédia “tem uma escala que Moçambique, sozinho, não consegue suportar”;  acompanhe aqui a cobertura especial da ONU News. 

Depois do ciclone Idai, o escritor Mia Couto diz que os moçambicanos “não estão à espera que chegue a solidariedade” e começaram a reconstruir as suas vidas.  Foi na  Beira, a segunda maior cidade moçambicana, onde começou a história do conceituado autor e vencedor do Prêmio Camões.

Mia Couto nasceu, estudou e começou a escrever na cidade que foi mais arrasada pelo desastre até  ao fim da adolescência quando se mudou para a capital de Moçambique, antes chamada Lourenço Marques e agora Maputo.  

Resposta 

Segundo os últimos dados do governo, o número de mortes confirmadas no país subiu para 493. Mais de 1,5 mil pessoas ficaram feridas e cerca de 169 mil famílias foram afetadas pela tempestade. 

Aruminda segura o irnão, António, em um campo para deslocados em Dondo, Moçambique
Aruminda segura o irnão, António, em um campo para deslocados em Dondo, Moçambique, by Unicef/DE WET

Em entrevista à ONU News, o moçambicano lembrou a resposta que tem visto ao desastre nos últimos dias.  

“Quando sou entrevistado, perguntam-me sempre se a ajuda está a correr bem. É verdade que, num caso destes, Moçambique precisa de ajuda. Esta tragédia tem uma escala que Moçambique, sozinho, não consegue suportar. Mas o que me entristece é que nunca ninguém me pergunta como é que os beirenses, como é que as pessoas de Sofala, de Zambeze, de Inhambane, de Tete, etc, estão reagindo, estão atuando. Não estão à espera que chegue a solidariedade. Estão atuando, são gente que está produzindo o seu próprio futuro. Todos os amigos que eu tenho estão reconstruindo as suas casas como podem, as suas vidas como conseguem.” 

O escritor diz que “Moçambique tem uma história longa de coisas que são menos boas”, mas que “sempre houve esta escola de resposta a partir de dentro, Moçambique foi solidário com Moçambique.” Para ele, “isso é uma grande esperança.  

Solidariedade 

As Nações Unidas lançaram na segunda-feira um apelo humanitário de urgência de US$ 282 milhões para Moçambique para os próximos três meses. Cerca de 1,7 milhão de pessoas precisam urgentemente de ajuda alimentar. 

Moçambicanas e seus filhos deslocados pelo ciclone e cheias na cidade da Beira, em Moçambique
Ocha/Rita Maingi
Moçambicanas e seus filhos deslocados pelo ciclone e cheias na cidade da Beira, em Moçambique
Moçambicanas e seus filhos deslocados pelo ciclone e cheias na cidade da Beira, em Moçambique, by Ocha/Rita Maingi

 

 

 

 

 

 

Sobre este momento de solidariedade, Mia Couto diz que “é uma renovação daquilo que nos liga profundamente, para além da distância, para além das diferenças.” Algo “que nos faz pensar que nós realmente vivemos e somos gente que é próxima e cuja dor nunca é alheia, nunca é de um outro.”  

O escritor diz que o centro do desastre ser a sua terra natal, Beira, é algo que o deixa “mais amargo, mais doído, mais magoado.” 

“Porque ali está a minha infância, ali está a minha adolescência. Saí da Beira quando tinha 17 anos e só saí porque lá não havia universidade. Vim estudar para Lourenço Marques, hoje Maputo. Foi a Beira que me fez ser quem sou. Foi a Beira que me fez sonhar. Foi a Beira que me contou histórias, as primeiras histórias. Foi a Beira que me fez escritor. Portanto, acho que tenho um carinho profundo, como se aquela cidade não fosse um lugar, mas fosse uma parte de mim próprio.”  

Cecilia Borges carrega o filho, Fernandino Armindo, na Beira, Moçambique.

Mulheres e crianças 

Mia Couto diz que não precisa de deixar uma mensagem de esperança para os moçambicanos, porque a recebeu quando os jornalistas nacionais e internacionais entrevistaram mulheres e crianças depois do desastre.  

“Esperavam que houvesse só um discurso de lágrimas e de choro e de lamento e, muitas vezes, a mensagem era digna, de quem não estava derrotado, de quem estava de pé, lutando, e acho que essa é a grande mensagem que nos dão. Em vez de ser eu a dar uma mensagem de esperança às crianças e às mulheres, acho que é ao contrário, são eles a dar uma mensagem de esperança a mim.” 

Mulheres e crianças são consideradas os grupos mais vulneráveis neste momento. Segundo o Fundo de População das Nações Unidas, Unfpa, uma das suas grandes prioridades é a situação de 67 mil mulheres grávidas que foram afetadas pelo ciclone.  

Do total da população afetada de 1,85 milhão, estima-se que 67 mil são mulheres grávidas. Nos próximos três meses, devem nascer 19 mil crianças. Mais de 3 mil mulheres podem estar em risco de vida com emergências relacionadas à gravidez. 

PMA diz que "necessidades são imensas" em Moçambique, pós ciclone