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ONG vencedora de prêmio da Unesco relata trabalho educacional na Amazônia BR

Virgílio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável.

Um dos grandes desafios que nós temos é segurar o êxodo dos jovens e adolescentes no interior da floresta rumo à cidade

Virgílio Viana , superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável.

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Virgílio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável.

ONG vencedora de prêmio da Unesco relata trabalho educacional na Amazônia

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Superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável, Virgílio Viana, falou à ONU News sobre projeto de educação em 581 comunidades remotas da floresta amazônica, que foi premiado pela Unesco; lema da organização é que a floresta “vale mais em pé do que derrubada”.

A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, premiou a Fundação Amazonas Sustentável, com sede em Manaus, pelo seu trabalho na área de conservação ambiental. O Prêmio Unesco-Japão sobre Educação para o Desenvolvimento Sustentável também foi entregue as iniciativas Camphill Trust de Botsuana e a Cidade de Hamburgo, na Alemanha. A entrega da distinção será em 15 de novembro, em Paris, e cada um vai receber US$ 50 mil, o equivalente a mais de R$ 200 mil. A Fundação brasileira foi escolhida pela Unesco por realizar um “projeto imaginativo de educação relevante para o desenvolvimento sustentável em comunidades remotas da Amazônia. ” O superintendente-geral da Fundação, Virgílio Viana, falou à ONU News, de Manaus, sobre as ações com escolas municipais e estaduais.
 

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Os estudantes aprendem sobre conservação ambiental, qualidade de vida e rendas geradas pela floresta.
Os estudantes aprendem sobre conservação ambiental, qualidade de vida e rendas geradas pela floresta. Foto: FAS/Rodolfo Pongelupe

ONU News: Parabéns pelo prêmio. O que significa esta distinção neste momento para a Fundação Amazônia Sustentável, Professor Virgílio Viana?

Virgílio Viana: Este prêmio tem uma importância simbólica muito grande porque nós temos há muitos anos trabalhado com a redução do desmatamento e com a melhoria da qualidade de vida dos guardiões da floresta. E uma das estratégias principais nossas é o investimento em pessoas por meio das atividades relacionadas  à educação. Então, nós temos diversos programas que trabalham desde crianças muitos jovens e até pessoas adolescentes, adultas e até a terceira idade, mas sempre com este viés de educação.

A nossa perspectiva é que o caboclo, o índio é inteligente, tem um grande conhecimento e o que nós precisamos fazer é criar uma ponte ideológico para este saber tradicional e o conhecimento científico contemporâneo. Isto é o que nos guia nas ações de educação e, portanto, o reconhecimento deste prêmio pela Unesco, para nós é extremamente gratificante e o que nos anima a seguir nesta jornada. E que não é uma jornada fácil especialmente nas comunidades mais remotas da Amazônia, que é onde nós atuamos.

Fundação Amazonas Sustentável já implementou o programa em 581 comunidades remotas.
FAS/Bruno Kelly
Fundação Amazonas Sustentável já implementou o programa em 581 comunidades remotas.

O que nós temos conseguido hoje, é levar a educação de qualidade tanto no nível fundamento e médio, em parceria com os governos municipais e estaduais, e também agora, a educação técnica no nível pós-médio e também no nível universitário lá no meio da floresta.

ON: Mas quais são as maiores dificuldades que os senhores enfrentam? O sr. já falou, obviamente, logística, mas também de mentalidade, de dificuldades políticas, de convencimento, uma vez que o processo educacional é um processo a longo prazo?

VV: A principal dificuldade é que quem cuida da floresta tem uma invisibilidade porque são pessoas localizadas em poucas comunidades pequenas e dispersas. E isto, para a maior parte dos governos tem uma importância pequena porque são poucos votos e custa muito caro. Então, as escolas dessas comunidades isoladas são normalmente abandonadas, têm recursos muito piores do que aquelas situadas em áreas urbanas. E este é o principal desafio: fazer com que consigamos levamos uma educação de qualidade sem substituir o estado, pelo contrário, apoiando ações tanto do governo estadual tanto dos municípios, que são os responsáveis diretos pela educação pública no Brasil. Então, o nosso desafio é fazer com que esta educação melhore do ponto de vista da qualidade, daquilo que é acertado, mas principalmente que ela seja relevante para a história de vida das pessoas. Um dos grandes desafios que nós temos é segurar o êxodo dos jovens e adolescentes no interior da floresta rumo à cidade. Este êxodo se dá, principalmente, pela falta do acesso à educação. E o que nós temos conseguido hoje, é levar a educação de qualidade tanto no nível fundamento e médio, em parceria com os governos municipais e estaduais, e também agora, a educação técnica no nível pós-médio e também no nível universitário lá no meio da floresta. E com isso, criar perspectivas para os jovens se tornarem empreendedores dos produtos da biodiversidade da Amazônia, virarem profissionais na área de educação, saúde etc, ou seja, criar um horizonte, uma possibilidade de sonhar, construir um futuro pra esses jovens nas comunidades onde nasceram, nos locais onde fizeram a sua história. E com isso manter todo o processo de manutenção da cultura, que é transmitida de uma maneira oral, entre gerações, e essa cultura é riquíssima do ponto de vista do conhecimento da ecologia, dos usos, dos recursos florestais, da pesca, etc.

Incêndio na floresta Amazônia no Brasil.
17ª Brigada de Infantaria de Selva/Rondônia
Incêndio na floresta Amazônia no Brasil.

 

ON: Professor, minha última pergunta: os senhores acabam de passar, nessa região, por um momento difícil com os incêndios florestais. Como está a situação, no momento, e como está o moral das comunidades ribeirinhas?

VV: Olha, nós tivemos um contexto extremamente preocupante que é o aumento das queimadas na Amazônia. E estas queimadas estão relacionadas a um fenômeno ambiental e a um contexto político-institucional. Do ponto de vista ambiental, a floresta está sofrendo já os impactos do aquecimento global e se tornando mais vulnerável a incêndios florestais, e isso é a dimensão, digamos, ambiental do problema. Depois, nós temos outra dimensão que é a política do governo federal, que tem dados sinais para diferentes agentes econômicos no sentido de flexibilizar a ação de garimpeiros e daqueles que fazem o desmatamento na Amazônia. E isso mal ou bem interpretado e aí é um debate sobre um problema de comunicação ou não, mas de fato é que (isso) foi percebido aqui na ponta, para quem mora na Amazônia, como se fosse uma certa licenciosidade para ações de desmatamento. E a resposta disso foi um aumento muito significativo nas taxas de desmatamento e na convicção desses agentes que são responsáveis por desmatamento ilegal, que é uma atividade predominantemente criminosa, uma vez que ela é feita às margens da lei. No caso da comunidade, onde nós atuamos, nós temos um resultado extremamente positivo. Neste ano, enquanto o incêndio da Amazônia aumentou em 90%, nós tivemos uma redução das taxas de incêndio florestais de 33%. Então enquanto houve um aumento de 90% dos incêndios na Amazônia, como um todo, nós tivemos uma redução. Isto mostra que ações de educação, de empreendedorismo, de geração de renda capazes de fazer a floresta valer mais em pé que derrubada, surtem efeito, dão certo. O que nós precisamos é ampliar a escala dessas ações e desenvolver parcerias entre doadores privados e governos locais para fazer com que isto gere não apenas melhor conservação da natureza, mas também redução da pobreza e das desigualdades sociais.