Situação humanitária e de segurança na Venezuela preocupa alta comissária da ONU BR

Michelle Bachelet, responsável pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos, cita crise econômica, violência, hiperinflação e diz que apenas uma minoria com acesso à moeda estrangeira consegue comprar alimentos.
A alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, fez esta quarta-feira uma atualização sobre a situação na Venezuela.
Falando em Genebra, Bachelet falou sobre investigações em curso, situação humanitária e disse estar preocupada com questões eleitorais, de liberdade, violência e migração.
A situação socioeconômica continua afetando os direitos econômicos e sociais dos venezuelanos. Segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, Cepal, a economia contraiu 25,5% em 2019. Desde 2013, o Produto Interno Bruto, PIB, caiu 62,2%.
Nos últimos meses, houve uma melhoria na distribuição de alimentos, mas apenas uma minoria da população, com acesso a moeda estrangeira, pode pagar os preços dos alimentos devido à hiperinflação.
O governo decretou recentemente um aumento de 375% no salário mínimo, mas o poder de compra em termos da cesta básica caiu 72,5% desde o início de 2019. Atualmente, o salário mínimo cobre apenas 3,5% da cesta básica.
Bachelet afirmou que “os riscos para meninas, meninos e adolescentes são preocupantes” em relação à educação e saúde.
No Hospital Pediátrico J.M. de los Rios, por exemplo, morreram três meninas no departamento de hematologia e um menino no departamento de oncologia no mês passado. Das 39 meninas e meninos que precisam de transplante de medula óssea, 15 estão em estado crítico.
Durante o mês de novembro, a Caritas informou que nas paróquias mais pobres de 19 estados do país, 11,9% dos meninos e meninas que recebem assistência apresentaram sinais de desnutrição aguda, um aumento de 56% em comparação com 2018. A Caritas também informou que 48,5% das grávidas tratadas tinham problemas de nutrição.
Segundo o Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais, mais de 16,4 mil protestos foram registrados este ano. Cerca de 4,4 mil nos últimos três meses. A maioria destas manifestações são lideradas por profissionais de educação, saúde e indústria, protestando contra más condições de trabalho e falta de condições básicas em escolas e hospitais.
O Observatório Venezuelano de Violência estimou uma taxa de 60,3 mortes violentas por 100 mil habitantes de janeiro a novembro de 2019. Bachelet disse que esse valor representa uma queda desde 2018, mas continua sendo um dos índices mais altos da região.
A alta comissária reiterou sua preocupação com os níveis de violência que, nos últimos meses, também afetaram líderes políticos locais,
Desde agosto, o Escritório da ONU documentou várias alegações de assassinatos extrajudiciais, principalmente de jovens, por membros das Forças Especiais de Ação, Faes, durante operações de segurança realizadas em bairros marginalizados.
Recentemente, o Procurador-Geral da Venezuela anunciou que, desde agosto de 2017, 770 funcionários foram acusados de violações dos direitos humanos. Nesse momento, 393 já foram detidos e 131 condenados.
A Plataforma de Coordenação para Refugiados e Migrantes da Venezuela estima que 4,7 milhões de venezuelanos fugiram do país. Até o final de 2020, o número deve chegar a 6,5 milhões.
Bachelet afirmou estar “preocupada com o aumento da migração irregular devido, em parte, ao aumento de requisitos de entrada em alguns países de trânsito e destino, bem como dificuldades que os venezuelanos enfrentam para obter sua documentação de viagem.”
Nos últimos meses, as autoridades venezuelanas aumentaram os custos de emissão de passaportes em 70%, um custo equivalente a 54 salários mínimos. Houve um aumento no uso de rotas mais perigosas e na exposição de pessoas ao contrabando e tráfico de pessoas.
Segundo o Escritório de Bachelet, entre abril e junho desse ano, 102 migrantes que estavam indo para as ilhas do Caribe em três barcos desapareceram, embora os motivos não sejam claros. Até o momento, o paradeiro de 32 mulheres, dez adolescentes, 3 crianças e 46 homens é desconhecido.
Michelle Bachelet também destacou restrições às liberdades públicas, que limitam o espaço civil e democrático.
Antes das manifestações da oposição de 16 de novembro, foram registrados atos de intimidação nas redes sociais contra alguns jornalistas. As organizações não-governamentais também continuam enfrentando restrições.
Em 2020, a Venezuela realiza eleições. Bachelet disse que “é crucial garantir liberdades públicas fundamentais para criar as condições necessárias para eleições livres, imparciais, credíveis, transparentes e pacíficas.”
A alta comissária repetiu o seu apelo a todos os atores políticos do país para “retomar as negociações, alcançar uma solução para a crise política e econômica e dar novamente esperança à população.”
Em 20 de setembro, O Escritório da ONU de Direitos Humanos assinou uma Carta de Entendimento com o Governo da Venezuela, que prolonga a cooperação por um período renovável de um ano. Dois agentes de direitos humanos continuarão no país, com acesso a todos os locais, inclusive centros de detenção.
Nos últimos meses, o Escritório também coletou informações dos sistemas de justiça, segurança e penitenciária, com o objetivo de prestar assistência técnica na prevenção da tortura, investigações de assassinatos extrajudiciais e a situação dos centros de detenção preventiva.
Bachelet disse que aprecia a disponibilidade das autoridades para rever as investigações sobre suspeitas de assassinatos extrajudiciais durante os protestos de 2017.
Nos últimos três meses, os especialistas da ONU realizaram nove visitas a centros de detenção, realizando entrevistas confidenciais com mais de 70 indivíduos. Durante esse mesmo período, foram documentados 118 casos que precisam ser revistos de forma urgente, devido a questões de saúde, atrasos judiciais ou conclusão de sentenças.
Bachelet destacou a libertação de 28 pessoas que tinham sido detidas por motivos políticos e pediu que as autoridades a libertem todas as pessoas detidas pelos mesmos motivos.
Em dezembro, começou o julgamento pela tentativa de assassinato do presidente Nicolás Maduro, com 14 homens e 3 mulheres sendo julgados. A alta comissária pediu que o sistema judiciário garanta o direito a um julgamento justo, incluindo o direito a defesa.