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Ação para ajudar crianças recrutadas por grupos terroristas

Alexandra Martins, diretora do Programa Mundial sobre a Violência contra as Crianças do Unodc, em entrevista à ONU news.
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Alexandra Martins, diretora do Programa Mundial sobre a Violência contra as Crianças do Unodc, em entrevista à ONU news.

Ação para ajudar crianças recrutadas por grupos terroristas

Paz e segurança

Neste Destaque ONU News Especial, a diretora do Programa Mundial sobre a Violência contra Crianças da Unodc, Alexandra Martins, explica o plano de ação para ajudar crianças que são recrutadas por grupos terroristas.  A estratégia do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, Unodc, está a ser elaborada em conjunto com os governos dos países e entidades da sociedade civil.

Quais os principais objetivos do plano de trabalho para ajudar as crianças recrutadas por grupos terroristas?

O Unodc tem trabalhado nessa área ajudando países em relação a como lidar com o tema de crianças e adolescentes envolvidos com grupos terroristas. Esse trabalho nós iniciamos em 2015 e hoje é um dia muito importante com o lançamento do road map que apresenta os pontos principais, os princípios da nossa abordagem em relação à abordagem que nós adoptamos para a execução desse trabalho e que ressalta três áreas importantes que estão incluídas nesse roadmap que é, em primeiro lugar, a importância que os países invistam muito mais recursos, tempo e atenção na prevenção para que as crianças não tenham a possibilidade de estar envolvidas. O que é que é necessário em relação a isso? A prevenção não é somente investir em medidas duras em medidas que vão, por exemplo, reduzir a idade da inimputabilidade criminal ou medidas que vão encarcerar essas crianças. A prevenção significa dar outras oportunidades para que essas crianças não sejam vítimas desses grupos terroristas, portanto, as áreas de prevenção incluem tanto  o sistema de justiça penal e o seu reforçamento, a capacidade desse sistema de ter um sistema, que a gente chama em inglês de accountability, para punir quem recruta   crianças e, por outro lado, em criar as condições para que as crianças tenham acesso a educação, tenham acesso a saúde, que os programas tenham a capacidade de envolver comunidades e famílias para criar as condições para que as crianças tenham outras alternativas, além de se unirem a esses grupos terroristas. Então, a prevenção é a primeira área. A segunda área fundamental, que é o pilar dessa nossa intervenção nesse âmbito é a reabilitação e reintegração destas crianças. É de toda a forma um dos desafios maiores que os países do mundo todo enfrentam e eu gostaria de ressaltar que as crianças envolvidas com o terrorismo não é um fenómeno tão diferente do das crianças envolvidas com grupos armados. Nós conhecemos esse fenómeno em países da América Latina, que não são afetados por terrorismo como são ouros países da África e da Ásia. Então é um fenómeno gravíssimo de vitimização dessas crianças, elas são vítimas da instrumentalização d grupos criminais, que nós chamamos de grupos armados, podem ser grupos de crime organizado. Da América Latina que conhecemos também, podem ser os traficantes de seres humanos. Neste momento histórico a atenção da comunidade internacional está em relação a grupos de crime organizado que são denominados de terroristas. Então, existe uma atenção imensa da comunidade internacional para isso, mas eu acho que é importante ressaltar que o fenômeno não é um fenómeno novo. A instrumentalização de crianças existe por grupos criminosos historicamente. E finalmente, a terceira área de intervenção do nosso trabalho é a área do tratamento. Quando essa criança está em contato com autoridades ou com o sistema de justiça, é importante que esse tratamento nos dê a possibilidade de que essa criança assuma um papel fundamental para ser um membro da comunidade e para possa desenvolver o seu potencial no máximo.

Ataques de grupos armados a civis provocaram centenas de mortes e deslocaram centenas de milhares
Unicef/Bullen Chol
Ataques de grupos armados a civis provocaram centenas de mortes e deslocaram centenas de milhares

 

Há capacidade de reintegrar essas crianças na sociedade?

O nosso trabalho nos mostra que é a possibilidade de reabilitar e de reintegrar qualquer criança que foi envolvida, tanto com grupos terroristas, como com grupos criminosos, como grupos armados, isso é possível. O que é necessário é que esse trabalho de reabilitação seja feito com seriedade. Existe um âmbito individual, ou seja, é importante que existam planos de ação individualizados para aquela criança e que respondam às necessidades e ao contexto daquele indivíduo, este plano de ação, a trajetória das crianças envolvidas com esses grupos não é somente uma trajetória individual. É importante que a família e a comunidade se sintam seguras para apoiar a trajetória de reabilitação e de reintegração dessa criança e é importante que a sociedade em geral apoie, então, o elemento de segurança pública nos processos de reintegração dessas crianças é fundamental. O que nós queremos passar com o nosso trabalho é que não existe uma dicotomia entre segurança pública e a proteção da criança e do adolescente. Ambas as esferas estão, querem alcançar o mesmo objetivo que é a promoção de paz e de desenvolvimento das nossas comunidades.

Desde 2012, grupos armados não estatais no nordeste da Nigéria recrutaram e utilizaram crianças como combatentes e não combatentes.
Foto ONU: Eskinder Debebe
Desde 2012, grupos armados não estatais no nordeste da Nigéria recrutaram e utilizaram crianças como combatentes e não combatentes.

 

Qual a estimativa de crianças que possam estra nesta situação?

É uma pergunta muito interessante porque não há dados. Não há dados, o que sabemos é que pela natureza transnacional do terrorismo o fenômeno é mundial. O fenómeno afeta todas as regiões do mundo, alguns países menos, outros países mais. Mas o número de crianças, o que nós sabemos com o trabalho que temos desenvolvido é que a tendência de adotar abordagens punitivas e não reabilitativas está levando a um problema mais sério que é o do aumento do número de crianças que acabam em detenção, algumas vezes essas crianças estavam associadas com esses grupos terroristas sem nunca praticar nenhum crime. Essas crianças estão negligenciadas e esquecidas em centros de detenção e, muito provavelmente, serão uma causa perdida para a sociedade. Então é importante prestar atenção na gravidade desse fenómeno porque os números crescem. Não há dados específicos em relação ao número de crianças.

 

A cooperação com os governos é muito importante?

Absolutamente. Esse é um fenômeno muito complexo. É um fenômeno onde existem diversos regimes normativos internacionais que se aplicam, então é muito complexo. Para que um governo esteja em consonância com a legislação internacional é importante, em primeiro lugar, que exista uma legislação em conformidade. Essa legislação terá de ser traduzida em políticas públicas, ou seja, há necessidade de investimento em relação à prevenção, à reabilitação, à reintegração e ao tratamento adequado dessas crianças. Para que o tratamento seja adequado precisamos de recursos, então eu preciso de um arcaboiço normativo e político que me dê as condições e a possibilidade para começar de operar. Mas eu preciso de instituições e dos atores não só do sistema de justiça, mas do sistema de proteção e do sistema de segurança pública que estejam capacitados e que tenham os instrumentos para lidar não são com a criança vítima destes grupos terroristas mas principalmente com a sociedade que tem medo do terrorismo. O grande problema dessa luta do terrorismo e que nós estamos guiados pelo medo. Nós não sabemos amanhã quem será a próxima vítima e onde será a próxima vitimas. Então estamos entrando na ótica dos terroristas e utilizando a mesma tática para lidar com o problema. O que está acontecendo agora à maioria dos países, se você presta atenção na tendência mundial, é de adotar abordagens punitivas e há evidências que demonstram que abordagens punitivas a esse problema não trazem a solução. É um ciclo vicioso que vai piorar a situação e por essa razão há necessidade que exista uma intervenção o quanto antes.     

Unodc prepara um plano de ação para ajudar crianças recrutadas por grupos terroristas