Moçambique: Desastre natural deixa “todos afetados pelas dificuldades logísticas”
A coordenadora residente das Nações Unidas em Moçambique, Myrta Kaulard, falou à ONU News, de Maputo. A chefe humanitária descreve as ações junto à comunidade internacional após a destruição causada pela tempestade tropical Ana, em 24 de janeiro.
Para a chefe do Sistema das Nações Unidas em Moçambique, Myrta Kaulard, as mortes, os danos à infraestrutura e os serviços interrompidos, que marcaram a última semana, são somente uma parte das preocupações sobre o que deve ser feito, coletivamente e em longo prazo, para mitigar os efeitos das alterações climáticas no país lusófono.
ONU News, ON: Qual é a situação atual após a passagem da tempestade tropical Ana?
Myrta Kaulard, MK: A tempestade tropical Ana entrou em Moçambique pelo sul da província de Nampula, no dia 24. Então, em quatro dias passou direto até oeste, na província da Zambézia. Depois até à província de Tete e seguiu.
O problema da tempestade tropical Ana é que trouxe chuva. Muita chuva e ventos bastante fortes na aérea costeira, mas depois no interior do país. Esta é uma zona onde já tínhamos muita chuva. Também temos muito rios e barragens diferentes e importantes para Moçambique e Zimbabué.
Foi destruída infraestrutura como estradas, pontes, e houve ainda o problema da comunicação por via telefônica. Ainda continua importante para a população para se poder comunicar: não podemos receber informações sobre as necessidades. Houve pessoas deslocadas.
De momento, pensamos simplesmente nos primeiros dados. Mas temos que pensar que estamos todos afetados pelas dificuldades logísticas devido à destruição das estradas. As avaliações estão bastante complicadas por agora, mas foram afetadas pelo menos 45 mil pessoas. Pelo menos 15 perderam a vida, mas pensamos que poderão chegar até meio milhão de pessoas afetadas por este desastre natural.
Temos que acelerar, porque essa é uma condição necessária: apoiar a adaptação ao câmbio climático em Moçambique.
Uma coisa particularmente muito triste, e como Nações Unidas gostaríamos dar a condolências ao país e à população, é a perda de vidas incluindo a de um administrador de um distrito da província e Tete. Ele estava a fazer uma avaliação de danos e a ver como ajudar às pessoas. Isto dá uma ideia de quanto foi forte a água e de quanto foi força dedicação da administração e deste administrador, em particular. Não há ninguém que possa ficar protegido.
A tempestade tropical afetou também todos os serviços básicos usados pelas populações: as escolas e os centros de saúde. Tudo isto de momento está suspenso, por razões óbvias, com todas estas complicações devido à água e ao problema de logística. Mas também temos que pensar que 80% da população vive da sua própria agricultura. Estamos agora na época do cultivo, as culturas estão a crescer e a colheita vai ser no mês de abril mais ou menos. Se estas pessoas perdem suas colheitas e a água fica mais tempo, elas vão perder.
Estas pessoas terão que passar muitos mais meses (sem nada) até a próxima colheita. Isto é um problema de longo e médio prazos, que aumenta a vulnerabilidade e as necessidades humanitárias.
Então, não podemos pensar que, porque até agora o número de pessoas afetadas não é muito alto, as necessidades humanitárias não são. Temos que pensar um pouco mais em quais vão ser as implicações. Também é absolutamente urgente trazer ajuda para poder reconstruir as estradas e as pontes. Sem essa ajuda, porque é um país de baixo rendimento, não podemos deixar as estradas interrompidas. Isto vai aumentar a vulnerabilidade e as necessidades humanitárias das pessoas.
ON: Como a ONU tem apoiado Moçambique a adaptar-se e a mitigar os efeitos?
MK: Para Moçambique, a adaptação a mudanças climáticas é essencial. Moçambique não pode ter um desenvolvimento sustentável sem ter uma adaptação às mudanças climáticas.
Na COP-26, Moçambique participou no ano passado e apresentou sua contribuição nacional. Mas é o documento de estratégia do país pela adaptação ao câmbio climático. Foi elaborado também com o apoio técnico das Nações Unidas. Estamos agora a fazer muita advocacia pela mobilização de recursos pela adaptação de Moçambique para poder financiar a implementação dos planos. É um país com rendimentos baixos e no qual a economia ainda tem que ser desenvolver. É importante que a economia possa se desenvolver de uma maneira adaptada ao câmbio climático.
É um país que já tem um orçamento que tem que enfrentar muitos gastos que normalmente um país não o faz, como a grande crise humanitária no norte do país.
É essencial pelo desenvolvimento de Moçambique ter acesso urgente e amplo a financiamentos pelo câmbio climático. Nisto, as Nações Unidas estão a colaborar com as instituições moçambicanas.
Estamos a fazer muita advocacia, porque precisamos de uma atenção internacional, atenção global, para apoiar Moçambique nisto. Se pudermos ter sucesso, em Moçambique isso será muito positivo, na região e ser positivo para todo o mundo.
Nós colaboramos, como Nações Unidas, ao partilhar conhecimentos e técnicas para construir edifícios resilientes, escolas resilientes, centros de saúde, hospitais e casas das pessoas. Estamos a partilhar conhecimentos com as instituições e populações, porque isso pode ser integrado no sistema de construção do país.
Temos que pensar um pouco mais em quais vão ser as implicações. Também é absolutamente urgente trazer ajuda para poder reconstruir as estradas e as pontes.
Temos agora completada a formulação do plano de desenvolvimento para a colaboração entre instituições moçambicanas e as Nações Unidas. É um plano de cinco anos, de 2022 a 2026. Esta é uma das quatro prioridades estratégicas de apoio e adaptação ao câmbio climático e um apoio ao um uso sustentável dos recursos naturais.
Para nós, esta adaptação é essencial e uma prioridade. Esperamos que esta parte de nosso trabalho possa ser bem financiada pelos parceiros. Que sejamos um veículo, como Nações Unidas, muito importante de diálogo entre os parceiros e as instituições. Para partilhar conhecimentos e apoiar na formulação e na implementação de políticas, seja em nível nacional como em nível local.
Já estamos a trabalhar com administrações locais para se utilizar maneiras inclusivas de planificação dos investimentos na adaptação do clima, que envolvam as pessoas e possam se beneficiar deste diálogo entre instituições e populações.
Fazemos também advocacia, uma das nossas prioridades, e esperamos muito que possa ser uma oportunidade para os parceiros de Moçambique trabalharem juntos e gerar resultados de maneira acelerada. Temos que acelerar, porque essa é uma condição necessária: apoiar a adaptação ao câmbio climático em Moçambique.
É uma questão de desenvolvimento sustentável e uma questão humanitária, porque esta excessiva vulnerabilidade aumenta as necessidades.