Perspectiva Global Reportagens Humanas

Guterres diz que mundo precisa de ação antes que seja tarde demais

O secretário-geral António Guterres visita os bairros residenciais de Irpin, em Kyiv, na Ucrânia
ONU/Eskinder Debebe
O secretário-geral António Guterres visita os bairros residenciais de Irpin, em Kyiv, na Ucrânia

Guterres diz que mundo precisa de ação antes que seja tarde demais

Assuntos da ONU

Secretário-geral da ONU discursou aos países-membros da organização sobre suas prioridades para 2023; para ele, está na hora de corrigir o rumo que está levando o planeta ao colapso; líder das Nações Unidas também lembrou vítimas do terremoto desta segunda-feira.

As prioridades do secretário-geral das Nações Unidas para este novo ano foram o tema de uma reunião com os países-membros, nesta segunda-feira, em Nova Iorque.

O secretário-geral pediu ação imediata frente aos desafios atuais como guerras, emergência climática, divisões e pobreza extrema, entre outros. Ele iniciou a sessão prestando um tributo às vítimas do terremoto, desta segunda-feira, na Turquia e na Síria, que matou pelo menos 2 mil pessoas.

Fase mais perigosa que a humanidade já esteve

Em seu discurso, o líder da ONU citou o relógio do juízo final, criado há 76 anos por cientistas atômicos, alertando que a humanidade está perto de uma catástrofe global e da autodestruição. António Guterres lembrou que o relógio nunca esteve tão perto da meia-noite, considerada a hora mais obscura da humanidade, e “quando o mundo termina”.

Mesmo ressaltando que o relógio é um despertador simbólico, ele acredita que é hora de o mundo acordar e corrigir seu rumo.

Ao falar dos desafios, ele disse que as divisões geopolíticas, por exemplo, minam a solidariedade e a confiança globais.

Afegã no distrito em Cabul, Afeganistão. Talibã suspendeu o acesso às universidades para mulheres
© Unicef/Mohammad Haya Burhan
Afegã no distrito em Cabul, Afeganistão. Talibã suspendeu o acesso às universidades para mulheres

Sete direitos e os conflitos

O líder das Nações Unidas propôs aos membros da ONU, um roteiro baseado em sete direitos para sair do impasse: direito à paz, direitos sociais e econômicos e direito ao desenvolvimento, a um ambiente limpo, saudável e sustentável, respeito à diversidade e à universalidade dos direitos culturais, o direito à plena igualdade de gênero, direito civil e político e os direitos das gerações futuras.

Ao citar invasão russa à Ucrânia, o chefe da ONU alertou para as chances de uma nova escalada e derramamento de sangue. Ele pediu mais engajamento pela paz em todos os lugares. E lembrou que em Israel e nos Territórios Palestinos, a solução de dois Estados vivendo pacificamente e lado a lado, “está cada vez mais distante.”

Ele lembrou do caso do Afeganistão, “onde os direitos de mulheres e meninas estão sendo pisoteados e os ataques terroristas mortais continuam”.

Na região africana do Sahel, a segurança se deteriora a um ritmo alarmante. Já em Mianmar, surgem novos ciclos de violência. Ao descrever a situação no Haiti, Guterres disse que as gangues mantêm todo o país como refém.

O secretário-geral lembrou de outros 2 bilhões de pessoas que vivem em países afetados por conflitos e crises humanitárias.

Risco de guerra nuclear

Ao citar a Carta da ONU, ele disse que se todos cumprissem suas obrigações como membros, o direito à paz estaria garantido. Guterres afirmou que é preciso retornar o tema do desarmamento e controle de armas ao cerne do debate sobre eliminação de armas atômicas. Segundo ele, o mundo corre hoje o maior risco de uma guerra nuclear.

Com o aumento da pobreza e da fome, os países em desenvolvimento se afogando em dívidas e as redes de seguridade social desgastadas, entre outros sinais, o secretário-geral pediu uma “transformação radical” da arquitetura financeira global.

Ele ressalta que isso exigirá novo compromisso e determinação, inclusive para abordar as terríveis desigualdades e injustiças expostas pela pandemia de Covid-19 e a resposta à crise global.

Para Guterres, os bancos multilaterais de desenvolvimento, em particular, devem mudar seu modelo de negócios e alavancar seus fundos para atrair mais capital privado que pode ser investido para ajudar os países em desenvolvimento a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS, antes de 2030.

De acordo com a ONU, o mundo ainda tem mais de 12,7 mil armas nucleares.
CND/Henry Kenyon
De acordo com a ONU, o mundo ainda tem mais de 12,7 mil armas nucleares.

Desenvolvimento sustentável em perigo

Este ano, a ONU realiza a Cúpula dos Países Menos Desenvolvidos.

Com os ODS “desaparecendo no espelho retrovisor”, os países devem chegar à cúpula com referências claras sobre o combate à pobreza e a exclusão e sobre o avanço da igualdade de gênero.

O secretário-geral alerta que, no entanto, o mundo deve se unir agora para mobilizar recursos, para que as economias em desenvolvimento tenham liquidez para investir em educação, saúde universal, preparação para pandemias, trabalho decente e proteção social.

“Ajuste de contas” da ação climática

Como o direito ao desenvolvimento é aliado ao direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável, Guterres disse que “devemos acabar com a guerra impiedosa, implacável e sem sentido contra a natureza”.

Para ele, “2023 é um ano de ajuste de contas” e deve ser um ano de ação climática revolucionária.

Com os países ultrapassando o limite de 1,5º.C de aumento da temperatura global, ele alerta que o foco deve estar nas prioridades urgentes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e alcançar a justiça climática.

Usinas de combustíveis fósseis são um dos maiores emissores de gases de efeito estufa que causam mudanças climáticas.
© Unsplash/Nik Shuliahin
Usinas de combustíveis fósseis são um dos maiores emissores de gases de efeito estufa que causam mudanças climáticas.

Mudança para a energia verde

O chefe das Nações Unidas disse ainda que as emissões globais devem ser reduzidas pela metade nesta década, inclusive por meio de “ações muito mais ambiciosas” na mudança de combustíveis fósseis para energia renovável, especialmente no grupo de nações industrializadas do G20.

Além disso, empresas, cidades, regiões e instituições financeiras que se comprometeram com emissões líquidas zero de carbono devem apresentar seus planos de transição, com metas críveis e ambiciosas, até setembro.

Guterres disse que se produtores de combustíveis fósseis e seus facilitadores que lutam para expandir a produção e “obter lucros monstruosos não podem definir um curso confiável para net-zero, com metas de 2025 e 2030 cobrindo todas as suas operações, não deveriam estar no negócio”.

Cumprir as promessas da COP27

Como a ação climática é impossível sem financiamento, o secretário-geral fez um apelo aos países mais ricos para que, no mínimo, cumpram as promessas feitas na Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, COP27, no Egito no ano passado.

Esses compromissos incluem o estabelecimento de um fundo para lidar com perdas e danos, dobrando o financiamento de adaptação e avançando nos planos de sistemas de alerta precoce globalmente nos próximos cinco anos.

Em dezembro, o secretário-geral convocará uma Cúpula de Ambição Climática em setembro, antes da conferência COP28 nos Emirados Árabes Unidos.

Jovens ativistas da sociedade civil enviando uma mensagem aos negociadores no centro de conferências COP27 enquanto a conversa se prolongava em Sharm el-Sheikh, Egito.
Kiara Worth
Jovens ativistas da sociedade civil enviando uma mensagem aos negociadores no centro de conferências COP27 enquanto a conversa se prolongava em Sharm el-Sheikh, Egito.

Diversidade sob ataque

Voltando à sua quarta prioridade, Guterres falou sobre como o respeito pela diversidade e a universalidade dos direitos culturais estão sob ataque, como evidenciado em parte pelo aumento do antissemitismo, fanatismo anti-islamismo, perseguição de cristãos, racismo e ideologia de supremacia branca.

Ao mesmo tempo, minorias étnicas e religiosas, refugiados, migrantes, indígenas e a comunidade Lgbtqi+ são cada vez mais alvo de ódio, tanto online quanto offline.

Enquanto isso, muitas pessoas em posições de poder estão lucrando caricaturando a diversidade como uma ameaça, semeando divisão e ódio, enquanto as plataformas de mídia social usam algoritmos que amplificam ideias tóxicas e canalizam visões extremistas para a normalidade.

Lutando contra o ódio online

O secretário-geral destacou o compromisso da ONU em proteger os direitos culturais e a diversidade, inclusive por meio de programas sobre o Holocausto e o genocídio contra os tutsis em Ruanda, assim como sua Estratégia e Plano de Ação contra o discurso de ódio.

Ele pediu a “ação de todos com influência na disseminação de desinformação na internet, governos, reguladores, formuladores de políticas, empresas de tecnologia, mídia, sociedade civil”.

Com metade da humanidade “retida pelo abuso de direitos humanos mais difundido de nosso tempo”, o chefe da ONU destacou o direito à plena igualdade de gênero.

Ele enfatizou especialmente a situação das mulheres e meninas no Afeganistão, agora “exiladas em seu próprio país” devido a leis que as proíbem da vida pública.

Para ele, a discriminação de gênero é global, e as coisas estão piorando.

Representação feminina na ONU

Guterres disse que a igualdade de gênero é fundamentalmente uma questão de poder, e o patriarcado está se reafirmando, mas a ONU está lutando e defendendo os direitos de mulheres e meninas em todos os lugares, inclusive dentro da organização.

O secretário-geral também prometeu “dobrar” o apoio a medidas para uma maior igualdade de gênero, incluindo cotas para fechar lacunas na representação feminina, em eleições, salas de diretoria corporativa e negociações de paz.

Segundo ele, enquanto isso, os direitos civis e políticos que são a base das sociedades inclusivas também estão ameaçados, pois a democracia está em retrocesso.

Guterres disse que “a pandemia foi usada como pretexto para uma pandemia de violações de direitos civis e políticos”, alertando que o espaço cívico “está desaparecendo diante de nossos olhos”.

Nações Unidas estimam que seriam necessários 20 anos para se alcançar a paridade de gênero nas tropas de paz
Capitão Tumaini Bigambo
Nações Unidas estimam que seriam necessários 20 anos para se alcançar a paridade de gênero nas tropas de paz

Ataques contra a mídia

Ele informou sobre ameaças como leis repressivas que restringem a liberdade de expressão, novas tecnologias que servem de disfarce para controlar a liberdade de reunião ou mesmo de movimento e o aumento de ataques contra a mídia.

Por meio do Chamado à Ação do Secretário-Geral para os Direitos Humanos, a ONU está trabalhando para promover as liberdades fundamentais, promover a participação da sociedade civil e proteger o espaço cívico em todo o mundo.

Guterres acrescentou que a ONU está fortalecendo o apoio a leis e políticas que protejam o direito à participação e o direito à liberdade de expressão, incluindo uma mídia livre e independente”.

Defendendo os jovens

O secretário-geral enfatizou que as ameaças que minam os direitos hoje também terão um impacto nas gerações futuras, que muitas vezes são percebidas apenas como uma reflexão tardia.

Ele expressou esperança de que a Cúpula do Futuro, marcada para o próximo ano, traga esses direitos para o primeiro plano da discussão global.

Para Guterres, “não há eleitorado maior para defender esse futuro do que os jovens  e o novo Escritório da Juventude da ONU que entrará em funcionamento, este ano, foi projetado para fortalecer nosso trabalho”.

De acordo com o chefe das Nações Unidas, esses esforços também são uma oportunidade para impulsionar a ação global e construir uma ONU adequada para uma nova era.