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O que é e por que é importante a Iniciativa Grãos do Mar Negro BR

Carregamentos monitorados pela Iniciativa começaram a zarpar dos portos ucranianos e turcos em 1 de agosto
Ocha/Levent Kulu
Carregamentos monitorados pela Iniciativa começaram a zarpar dos portos ucranianos e turcos em 1 de agosto

O que é e por que é importante a Iniciativa Grãos do Mar Negro

Assuntos da ONU

Exportação de grãos e insumos agrícolas da Ucrânia e da Rússia para o mundo já influencia na queda do preço dos alimentos, aliviando inflação especialmente para os mais vulneráveis. Neste artigo, explicamos o que é o acordo, como funciona e o que já foi alcançado até o momento.

Desde o início da invasão à Ucrânia, as exportações de grãos do país assim como alimentos e fertilizantes da Rússia foram visivelmente afetadas. A interrupção do fornecimento elevou o preço da comida no mundo e contribuiu para uma crise alimentar mundial.

A Iniciativa Grãos do Mar Negro, promovida por Nações Unidas e por Turquia, foi criada para reintroduzir exportações vitais de alimentos e fertilizantes da Ucrânia e da Rússia para o resto do mundo. Entenda nesse guia como o mecanismo tem funcionado.

Chefe da ONU observa o SSI Invincible 2 na Turquia. Navio transportou da Ucrânia a maior carga de grãos já exportada sob a Iniciativa de Grãos do Mar Negro
ONU/Mark Garten
Chefe da ONU observa o SSI Invincible 2 na Turquia. Navio transportou da Ucrânia a maior carga de grãos já exportada sob a Iniciativa de Grãos do Mar Negro

Um acordo para retomar a circulação dos insumos agrícolas

Um dos maiores exportadores de grão do mundo, a Ucrânia produz normalmente 45 milhões de toneladas de grãos e cereais, anualmente, para o mercado global. Mas após a invasão russa, no fim de fevereiro de 2022, montanhas de quantidades de grãos foram armazenadas, sem possibilidade de transporte seguro para e dos portos ucranianos.

Por causa disso, o preço dos alimentos subiu assim como o custo da energia elétrica. Isso lançou vários países em desenvolvimento a não poder cumprir com o pagamento de suas dívidas externas, e elevou o número pessoas numa situação de insegurança alimentar e fome.

Graças a um acordo firmado por Rússia, Turquia e Ucrânia com o apoio da ONU, a Iniciativa Grãos do Mar Negro foi oficializada numa cerimônia na cidade turca de Istambul.

O acordo permitia retomar as exportações de grãos e outros alimentos e fertilizantes incluindo amoníaco. A iniciativa inclui um corredor humanitário marítimo de três portos-chave na Ucrânia: Chornomorsk, Odessa e Yuzhny/Pivdennyi para o resto do mundo.

Para implementar o acordo, um Centro de Coordenação Conjunta, JCC na sigla em inglês, formado por representantes-sêniores da Rússia, da Turquia, da Ucrânia e das Nações Unidas.

Com base nos procedimentos emitidos pelo JCC, as embarcações interessadas em participar da iniciativa devem se submeter à inspeção de Istambul para assegurar que estão sem carregamento, e a partir daí navegarem pelo corredor humanitário marítimo até os portos ucranianos onde serão abastecidos. Os navios no caminho de volta também são inspecionados na área de revisão no litoral de Istambul.

Navio sai do porto de Odesa após a autorização do Centro de Coordenação Conjunta, estabelecido no âmbito da Iniciativa de Grãos do Mar Negro
Ocha/Saviano Abreu
Navio sai do porto de Odesa após a autorização do Centro de Coordenação Conjunta, estabelecido no âmbito da Iniciativa de Grãos do Mar Negro

Milhões de toneladas estão deixando a Ucrânia

Carregamentos monitorados pela Iniciativa começaram a zarpar dos portos ucranianos e turcos em 1 de agosto. Até o fim do mês passado, mais de 100 embarcações, carregadas com mais de 1 milhão de toneladas de grãos e outros alimentos, deixaram a Ucrânia. Até meados deste mês a JCC já havia listado mais de 3 milhões de toneladas saídas da Ucrânia. Estima-se que até o fim deste mês, um total de 5 milhões e toneladas tenham sido entregues.
Segundo dados da ONU, 51% de carregamento até agora foram milho, 25% de trigo e 11% de produtos derivados de girassol. O total de cevada é de 5% e o de soja e feijões 1%.

Cerca de 1/3 do carregamento é diretamente levada a países de baixa renda

Um total de 25% do carregamento da Ucrânia foi enviado a países de rendas baixa e média baixa. O Egito tem 8%, Índia e Irã 4% cada. Bangladesh, Quênia e Sudão, 2% cada. Líbano, Iêmen, Somália e Djibouti 1%. Tunísia tem menos de 1%.

Isso inclui navios fretados pela ONU e que estão entregando assistência alimentar. O Programa Mundial de Alimentos, PMA, comprou trigo para entregar do Corno da África ao Iêmen. Duas embarcações nas mesmas condições já zarparam da Ucrânia e outros deve partir em breve. O PMA já comprou 120 mil toneladas de trigo para apoiar a resposta humanitária no Chifre da África, no Iêmen e no Afeganistão.

A primeira embarcação atracou no Djibouti em 30 de agosto para poiar a resposta à seca no Chifre da África.

Um segundo navio fretado pelas Nações Unidas com 37,5 mil toneladas de trigo deixou a Ucrânia em 30 de agosto e chegou à Turquia em 3 de setembro. Ali, o trigo será moído para virar farinha, que será carregada num navio diferente que irá ao Iêmen para apoiar a resposta humanitária do PMA no país. Já um terceiro e quatro navios levarão trigo para as operações de auxílio da agência.

Cerca de 25% dos grãos destinados a países de rendas média alta incluindo Turquia, China e Bulgária, e 50% de países de renda alta como Espanha, Países Baixos ou Holanda, Itália, Coreia do Sul, Romênia, Alemanha, França, Grécia Irlanda e Israel.

A ONU ressalta que todos os grãos que saem de portos ucranianos graças à Iniciativa beneficiam pessoas carentes, o que ajuda a acalmar os mercados e a limitar o preço da inflação.

Todos os movimentos de embarcações podem ser conferidos na página da Iniciativa Grãos do Mar Negro, website, que contém dados e números.

Iniciativa Grãos do Mar Negro
JCC
Iniciativa Grãos do Mar Negro

O preço dos alimentos está caindo

Existem fortes sinais de que a Iniciativa está funcionando e fazendo baixar o valor da comida. Durante uma entrevista a jornalistas em meados deste mês, a secretária-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio de Desenvolvimenot, Rebeca Grynspan, e o coordenador da Iniciativa, Amir Abdulla, elogiaram a queda nos preços pelo quinto mês consecutivo. Segundo o Índice de Preço dos Alimentos, a redução foi de quase 14% desde o ápice de março deste ano.

Abdulla explicou que a queda sinaliza que os que estavam escondendo os grãos na esperança de vender o alimento por uma margem maior de lucro, agora estavam comercializando os produtos fazendo aumentar o fornecimento dos mercados e a continuação da queda nos preços.

A chefe da Unctad, que coordena a força-tarefa, para ajudar os países a lidar com os choques causados pela guerra na Ucrânia, afirma que a iniciativa está fazendo uma grande diferença.

Em todo o mundo, 345 milhões de pessoas, em mais de 80 países, estão enfrentando segurança alimentar, enquanto 50 milhões de pessoas em 45 países correm risco de serem lançadas numa situação de fome sem qualquer apoio humanitário.

Em agosto, o chefe do PMA, David Beasley, lembrou que manter os Portos do Mar Negro abertos era a coisa mais importante que se poderia fazer neste momento para ajudar aos famintos do mundo. Ele alertou que a medida não faria a fome desaparecer, mas melhoraria as chances de evitar que a crise global de alimentos piorasse.

Equipe da JCC em Istambul já começou a atuar na renovação
UN News/Nargiz Shekinskaya
Equipe da JCC em Istambul já começou a atuar na renovação

A continuidade da colaboração é crucial para o sucesso da Iniciativa

A ONU está bastante ciente de que manter os carregamentos no mar a partir de portos ucranianos precisará da cooperação da Rússia com a Ucrânia. O coordenador da ONU elogiou o que chamou de “espírito de colaboração” entre as partes envolvidas. Ele também notou o papel importante da Turquia e da ONU para manter o processo em curso. Mesmo assim, ainda não está claro quando a guerra chegará ao fim.

A JCC pode ser renovada além dos 120 dias iniciais após a assinatura do acordo de 22 de julho, caso as partes assim o decidam. A equipe da JCC em Istambul já começou a atuar na renovação. Amir Abdulla está otimista. Para ele, com a mediação da ONU, a continuação da Iniciativa deve ser dada como certa.