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Fome é usada como uma tática de guerra, afirma chefe humanitário da ONU BR

Relatório conclui que choques climáticos frequentes continuam a causar fome aguda
© 2021 UNRWA Photo by Mohamed Hinnawi
Relatório conclui que choques climáticos frequentes continuam a causar fome aguda

Fome é usada como uma tática de guerra, afirma chefe humanitário da ONU

Ajuda humanitária

Sessão do Conselho de Segurança para debater fome e conflito teve participação de três altos representantes da ONU; subsecretário-geral Martin Griffiths destacou que conflitos seguem um padrão que força civis para fome; PMA pede solução política; FAO destaca efeitos do colapso financeiro no Afeganistão.

Representantes da ONU falaram ao Conselho de Segurança nesta quinta-feira para destacar o efeito dos conflitos no aumento da fome em todo o mundo. A reunião foi solicitada pelas Missões do Brasil e da Irlanda.

O subsecretário-geral para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, foi o primeiro a falar e lembrou que, além de paz e segurança, o órgão da ONU se comprometeu a abordar questões de fome e insegurança alimentar induzidos por conflitos.

Uma família compartilha uma refeição no Iêmen com alimentos fornecidos pelo programa mensal de assistência alimentar do PMA
© WFP/Saleh Hayyan
Uma família compartilha uma refeição no Iêmen com alimentos fornecidos pelo programa mensal de assistência alimentar do PMA

Fome como tática de guerra

Segundo o chefe humanitário, os países em situação mais alarmante de fome são Etiópia, Nigéria, Sudão do Sul e Iêmen. As quatro nações estão na fase 5, a mais alta da classificação utilizada pela ONU para monitorar a insegurança alimentar.

Ele ainda citou a piora na situação do Afeganistão e Somália.

Griffiths avalia que o aumento do sofrimento causado pela fome tem impacto direto e indireto de conflitos e enxerga um padrão nos acontecimentos: civis são atacados e deslocados, perdem suas fontes de subsistência, e a violência interrompe os mercados, a produção de comida e a geração de renda.

O resultado é a fome, que o subsecretário-geral classifica como uma “tática de guerra”.

Além dos conflitos, os países citados por Griffiths também sofrem com o impacto das mudanças climáticas.

FAO e parceiros entregaram 262 toneladas de fertilizantes à região de Tigray, na Etiópia, para ajudar na produção de alimentos.
© FAO/Michael Tewelde
FAO e parceiros entregaram 262 toneladas de fertilizantes à região de Tigray, na Etiópia, para ajudar na produção de alimentos.

Agravamento da fome e financiamento para ajuda humanitária

O diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos, PMA, voltou a alertar para o aprofundamento da fome em diversos lugares do mundo até o final deste ano e em 2023. Mesmo com a Iniciativa de Grãos do Mar Negro avançando, David Beasley avalia que sem soluções políticas, o problema deve persistir e se agravar.

Ele citou o exemplo da região do Tigray, na Etiópia, onde uma trégua humanitária permitiu o acesso da ajuda a cerca de 5 milhões de pessoas. No entanto, uma nova onda de violência ameaça esses ganhos.

Segundo Beasley, a última temporada agrícola foi abaixo do esperado e os dados do PMA apontam que a fome piorou ao norte da Etiópia, com 89% da população em insegurança alimentar e quase metade sem acesso a alimentos. 

Um menino de 12 anos, que não vai à escola, vende bananas na província de Uruzgan, no oeste do Afeganistão
© Unicef
Um menino de 12 anos, que não vai à escola, vende bananas na província de Uruzgan, no oeste do Afeganistão

Dificuldades econômicas

O economista chefe da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO, destacou que interrupções na cadeia de suprimentos, perda de meios de subsistência, rendas menores e altos níveis de dívida afetam as opções econômicas para pessoas que vivem em conflitos ou outros cenários de crise.

Máximo Torero citou os efeitos econômicos no Afeganistão, que deixam muitos cidadãos em situação de vulnerabilidade que deve piorar à medida que o inverno se aproxima.

Os representantes da ONU citaram a urgência de ampliar os fundos para resposta nesses países. Segundo o chefe do PMA, nos 82 países em que a agência atua, 345 milhões de pessoas estão a caminho da inanição. Ele afirma que este é um número recorde, sendo 2,5 vezes maior que antes da pandemia de Covid-19.

Beasley ainda destaca o aumento de preços e a falta de financiamento, que diminui o número de pessoas recebendo ajuda da ONU. 

Confira outros dados citados pelos líderes das Nações Unidas sobre a situação de fome nestes países:

PMA distribui biscoitos altamente energéticos para refugiados da Etiópia no Sudão do Sul
©WFP
PMA distribui biscoitos altamente energéticos para refugiados da Etiópia no Sudão do Sul

Iêmen

  • 7 anos de conflito armado
  • 19 milhões de pessoas, ou 60% da população, em insegurança alimentar aguda
  • 160 mil em situação de calamidade
  • 538 mil crianças malnutridas
  • Preço dos alimentos subiram 70% no norte do Iêmen e 40% ao sul desde o ano passado

Sudão do Sul

  • Um dos lugares mais perigosos para trabalhadores humanitários: 319 incidentes violentos foram registrados no último ano. Entre 2021 e 2022, dez humanitários foram mortos.
  • 63% da população, 7,7 milhões de pessoas, devem estar em situação grave de insegurança alimentar neste ano
  • 87 mil pessoas podem entrar em situação de calamidade

Etiópia

  • 13 milhões de pessoas dependem de ajuda humanitária
  • 89% das pessoas no Tigray estão em insegurança alimentar. Dessas, metade está em situação severa.
  • 29% das crianças com menos de 5 anos estão malnutridas

Nigéria

  • Região nordeste é a mais preocupante, com 4,1 milhões de pessoas em altos níveis de insegurança alimentar
  • 500 mil pessoas que sofrem com a falta de alimentos não foram alcançadas pela ajuda humanitária por conta da violência
  • 1,4 milhão de crianças com menos de cinco anos podem sofrer de má nutrição, sendo que 300 mil podem morrer sem tratamento urgente