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Igualdade de gênero está a três séculos de distância BR

Em 2020, o fechamento de escolas e pré-escolas exigiram 672 bilhões de horas adicionais de cuidados infantis não remunerados em todo o mundo.
Vittoria Moretti
Em 2020, o fechamento de escolas e pré-escolas exigiram 672 bilhões de horas adicionais de cuidados infantis não remunerados em todo o mundo.

Igualdade de gênero está a três séculos de distância

Mulheres

Com o progresso atual, relatório da ONU aponta ODS 5 da Agenda 2030 não deve ser alcançado; lacuna na proteção legal e a remoção de leis discriminatórias podem levar até 286 anos para serem fechadas; múltiplas crises e perdas nos direitos de saúde sexual e reprodutivos apagam avanços; estudo revela que Brasil disparidades sociais impactam mais mulheres e meninas.

No ritmo atual de progresso, a plena igualdade de gênero pode levar 300 anos para ser alcançada. O dado foi revelado pelo relatório produzido em conjunto pela ONU Mulheres e o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais, Desa, lançado nesta quarta-feira.

Segundo o levantamento, os desafios globais, como a pandemia de Covid-19 e suas consequências, conflitos violentos, mudanças climáticas e a perda de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres estão exacerbando ainda mais as disparidades de gênero.

No ritmo atual, lacuna na proteção legal e a remoção de leis discriminatórias podem levar até 286 anos para serem fechadas.
© UNOPS/John Rae
No ritmo atual, lacuna na proteção legal e a remoção de leis discriminatórias podem levar até 286 anos para serem fechadas.

Impacto desproporcional das crises em mulheres e meninas

Assim, o relatório aponta que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, para igualdade de gênero, não será alcançado até 2030.

A diretora executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous, afirma que os dados do estudo mostram os resultados das regressões causadas pelas crises globais, tanto em renda como em segurança, educação e saúde. Para ela, quanto mais levar para reverter essa tendência, mais custará a sociedade.

A secretária-geral adjunta para Coordenação de Políticas e Assuntos Interagências do Desa, Maria-Francesca Spatolisano, adiciona que os impactos das crises têm sido desproporcionais em particular mulheres e meninas.

A ONU alerta que, sem uma ação rápida, a falta de proteção jurídica para mulheres vítimas de violência, desigualdade salarial e a impossibilidade de controlar seus bens podem seguir sendo uma realidade para as próximas gerações.

Progresso lento

O relatório aponta que, no ritmo atual de progresso, as lacunas na proteção legal e na remoção de leis discriminatórias podem levar até 286 anos para serem fechadas.

Ainda seriam necessários 140 anos para que as mulheres fossem representadas igualmente em posições de poder e liderança no local de trabalho e pelo menos 40 anos para alcançar a igualdade de representação nos parlamentos nacionais.

Para erradicar o casamento infantil até 2030, o progresso deve ser 17 vezes mais rápido do que o progresso da última década, com as meninas das famílias rurais mais pobres e nas áreas afetadas por conflitos que devem sofrer mais.

Pobreza feminina

O levantamento também aponta para uma inversão preocupante na tendência de redução da pobreza, e o aumento dos preços provavelmente exacerbará o problema.

Até o final de 2022, cerca de 383 milhões de mulheres e meninas viverão em extrema pobreza, com menos de US$ 1,90 por dia, em comparação com 368 milhões de homens e meninos.

Se nada for feito, na África Subsaariana, até 2030, mais mulheres e meninas viverão em extrema pobreza do que hoje.

A invasão da Ucrânia e a guerra em curso estão piorando ainda mais a insegurança alimentar e a fome, especialmente entre mulheres e crianças, limitando a oferta de trigo, fertilizantes e combustível e impulsionando a inflação.

Em 2021, cerca de 38% das famílias chefiadas por mulheres em áreas afetadas pela guerra sofreram com insegurança alimentar moderada ou grave, em comparação com 20% das famílias chefiadas por homens.

Cingaleses lutam para atender necessidades alimentares e nutricionais diante da escassez e dos preços mais altos de alimentos e combustíveis
© WFP/Josh Estey
Cingaleses lutam para atender necessidades alimentares e nutricionais diante da escassez e dos preços mais altos de alimentos e combustíveis

Brasil

Em uma citação sobre o Brasil, o relatório aponta que a disparidade social deixa muitas mulheres e meninas em situação de vulnerabilidade.

Sobre o acesso à energia limpa, o estudo revela que meninas brasileiras em áreas rurais com acesso à eletricidade têm 1,5 vezes mais probabilidade de concluir o ensino fundamental aos 18 anos. Entre as trabalhadoras assalariadas rurais no Brasil, o acesso à eletricidade se correlaciona com um aumento de 59% nos salários.

O acesso à saúde também é destacado: municípios com alta incidência de pobreza e desigualdade e recursos de saúde limitados apresentaram maior mortalidade materna em comparação com municípios com melhor infraestrutura social e de saúde.

 

Destaques do relatório

  • Em 2020, o fechamento de escolas e pré-escolas exigiram 672 bilhões de horas adicionais de cuidados infantis não remunerados em todo o mundo. O estudo estimou que, com a divisão de gênero no trabalho de assistência sendo a mesma de antes da pandemia, as mulheres teriam arcado com 512 bilhões dessas horas.
  • Globalmente, as mulheres perderam cerca de US$ 800 bilhões em renda em 2020 devido à pandemia e, apesar de uma recuperação, a projeção é que a participação feminina nos mercados de trabalho seja menor em 2022 do que era pré-pandemia.
  • Até o final de 2021, havia cerca de 44 milhões de mulheres e meninas deslocadas, maior número já registrado.
  • Hoje, mais de 1,2 bilhão de mulheres e meninas em idade reprodutiva, entre 15 e 49, vivem em países e áreas com algumas restrições ao acesso ao aborto seguro.

Educação de mulheres e meninas

Às vésperas da Cúpula da Educação Transformadora, realizada paralelamente a Assembleia Geral da ONU, o lançamento do relatório aponta que alcançar a educação universal de meninas, embora não seja suficiente por si só, melhoraria significativamente essa perspectiva.

Cada ano adicional de escolaridade pode aumentar os ganhos de uma menina como adulta em até 20%, com impactos adicionais na redução da pobreza, melhor saúde materna, menor mortalidade infantil, maior prevenção do HIV e redução da violência contra as mulheres.

O relatório mostra que a cooperação, parcerias e investimentos na agenda de igualdade de gênero, inclusive por meio do aumento do financiamento global e nacional, são essenciais para corrigir o curso e colocar a igualdade de gênero de volta nos trilhos.