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Relatório sobre a China cita “graves violações de direitos humanos” em Xinjiang BR

Michelle Bachelet esteve na região de Xinjiang e conversou com vários funcionários
Ohchr
Michelle Bachelet esteve na região de Xinjiang e conversou com vários funcionários

Relatório sobre a China cita “graves violações de direitos humanos” em Xinjiang

Paz e segurança

Abusos aos princípios fundamentais de indivíduos e grupos podem ser considerados crimes contra a humanidade, segundo escritório da ONU;  China nega ter havido qualquer “violação de direitos em grande escala”;  documento analisou alegações recebidas há cinco anos envolvendo uigures e outras comunidades de maioria muçulmana da região autônoma. 

Um novo relatório aponta “graves violações” dos direitos humanos” cometidos contra a minoria  uigur e “outras comunidades predominantemente muçulmanas” na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, na China.

O documento foi publicado na quarta-feira pelo Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, na sequência da visita realizada em maio pela alta comissária Michelle Bachelet. 

Detenção 

A publicação afirma que os relatos  de “padrões de tortura ou maus-tratos, incluindo tratamento médico forçado e condições adversas de detenção, são críveis, assim como as alegações de incidentes individuais de violência sexual e de gênero”.

O relatório destaca que a dimensão das detenções arbitrárias contra uigures e outros, no contexto de “restrições e privações mais gerais de direitos fundamentais, usufruídos individual e coletivamente, podem ser considerados crimes internacionais, em crimes particulares contra a humanidade”.

Na China, Bachelet encontrou-se com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi.
Foto: © OHCHR
Na China, Bachelet encontrou-se com o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi.

O fundamento para a elaboração foi  “uma revisão rigorosa do material documental postos à disposição do escritório, com sua credibilidade avaliada de acordo com a metodologia padrão de direitos humanos.”

Nesse procedimento “foi dada especial atenção às leis, políticas, dados e declarações do próprio governo”. O escritório também solicitou “informações e se engajou em diálogos e trocas técnicas com a China durante todo o processo.”

Governo da China

A publicação que foi feita no último dia do mandato de quatro anos de Michelle Bachelet, assinala que as violações ocorreram no contexto de afirmações do governo chinês de que teria terroristas entre a minoria uigur como alvos de uma estratégia contra o extremismo. A atuação envolve a utilização dos chamados Centros de Educação e Formação Profissional, Vetcs,  ou campos de reeducação.

Os autores do documento consideram que a política implementada pelo governo nos últimos anos em Xinjiang levou ao uso de “padrões interligados de restrições severas e indevidas a uma ampla gama de direitos humanos”.

Sobre o sistema Vetc, a China declarou que os teria “reduzido em escopo ou encerrado”. Mas o documento sustenta que “as leis e políticas que os sustentam permanecem em vigor”, o que leva a um aumento de prisões. 

O escritório ressalta que os sistemas de detenção arbitrária e os padrões de abuso a eles associados desde 2017 apresentam “como pano de fundo uma discriminação mais ampla” contra os uigures e outras minorias.

Movimento

As medidas incluem “restrições de longo alcance, arbitrárias e discriminatórias aos direitos humanos e liberdades fundamentais, em violação das leis e padrões internacionais”. As ações incluem restrições à liberdade religiosa e aos direitos à privacidade e movimento.

O relatório indica políticas do governo chinês na região que “transcenderam fronteiras”. as consequências incluem a separação de famílias, o corte de contactos,  adoção de “padrões de intimidação e ameaças” contra a diáspora uigur e, de uma forma mais ampla, aos que se tenham expressado sobre as condições dentro do país.

Para o escritório, o governo chinês “tem a responsabilidade primária de garantir que todas as leis e políticas sejam cumpridas conforme a lei internacional de direitos humanos e investigar prontamente quaisquer alegações de violações de direitos humanos, garantir a responsabilização dos autores e fornecer reparação às vítimas.”

Centros de detenção

As recomendações ao governo incluem a tomada de “medidas rápidas” para libertar todos os indivíduos presos arbitrariamente na Região Chinesa Autônoma de Xinjiang, seja em campos ou em qualquer outro centro de detenção.

António Guterres
ONU
António Guterres

 

Outra sugestão é que se informe às famílias sobre o paradeiro de qualquer indivíduo que tenha sido detido, fornecendo localizações exatas. As autoridades devem ainda ajudar a criar “canais seguros de comunicação” e permitir que as famílias se reúnam.

O relatório exorta a China a realizar uma revisão legal completa de suas políticas de segurança nacional e antiterrorismo na região, “para garantir sua total conformidade com a lei internacional vinculante de direitos humanos”. Outro apelo é que o país rejeite quaisquer leis que estejam aquém dos padrões internacionais. 

O escritório da ONU quer uma investigação imediata do governo sobre relatos de violações de direitos humanos em campos e outras instalações de detenção, “incluindo alegações de tortura, violência sexual, maus-tratos, tratamento médico forçado, bem como trabalho forçado e relatos de mortes sob custódia.” 

Política

Em resposta ao relatório, o governo chinês disse que as autoridades da região de Xinjiang operam com base no princípio de que todos são iguais perante a lei, “e a acusação de que sua política é ‘baseada em discriminação’ é infundada”.

Para as autoridades de Pequim, seus esforços de combate ao terrorismo e “desradicalização” na região foram conduzidos de acordo com “o Estado de direito” e  defendem que “de forma alguma se somam à ‘supressão de minorias étnicas’”. 

Sobre a questão dos campos, Pequim respondeu que os Vetcs são “instalações de aprendizagem estabelecidas de acordo com a lei destinada à desradicalização” e não “campos de concentração”. 

O comunicado de Pequim nega que tenha havido  'violação de direitos em grande escala'  declarando que “os direitos e interesses legais dos trabalhadores de todos os grupos étnicos em Xinjiang são protegidos e não existe 'trabalho forçado’”. O documento ressalta não ter havido qualquer “violação de direitos em grande escala”. 

Clareza

O apelo chinês  é que a comunidade internacional  tenha clareza sobre verdade da campanha antiterrorista na região e “ver através das performances desajeitadas e motivos maliciosos das forças anti-China nos EUA e no Ocidente, que tentativa de usar Xinjiang para conter a China”. 

A China quer que em vez disso, a ONU e outras organizações internacionais investiguem “os desastres de direitos humanos causados e vários crimes cometidos pelos EUA e alguns outros países ocidentais, tanto em casa quanto no exterior”. 

Sede do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça
Foto: ONU/ Jean-Marc Ferré
Sede do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça

 

A visita da chefe dos direitos humanos em maio aconteceu a convite do governo chinês. Bachelet teve contacto com a região de Xinjiang e conversou com vários funcionários do governo, organizações da sociedade civil, acadêmicos e líderes comunitários e religiosos. 

Antes da visita aconteceram interações online com entidades com relação a província de Xinjiang, Tibete, Hong Kong e outras partes da China.

Guterres destaca independência do escritório de direitos humanos

Em resposta a perguntas de jornalistas na sede da ONU em Nova York, nesta quinta-feira, o porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, disse que António Guterres leu o relatório que “identifica claramente graves violações de direitos humanos na região de Xinjiang, na China”.

Dujarric disse que o secretário-geral “espera muito que o governo da China leve em consideração as recomendações apresentadas na avaliação”, ao mesmo tempo em que observou que o relatório “também ressalta a importância da independência” do Escritório de Direitos Humanos da ONU.

Em resposta a uma pergunta sobre o que isso significa para as relações futuras, O porta-voz disse que Guterres “valoriza a cooperação sistêmica entre a China e as Nações Unidas em uma série de questões. A China é um parceiro muito valioso e esperamos muito que essa cooperação continue”, e advertiu que é “importante que todos vejam a resposta chinesa” ao relatório detalhado.