Ativistas afegãos vivem “medo, ameaças, intensa insegurança e desespero”
Depoimentos de uma centena de defensores de direitos humanos chegaram à relatora da ONU sobre o tema; inquérito em áreas urbanas e rurais destaca privação de liberdades fundamentais, mortes e perseguição; especialista lança mensagem à comunidade internacional chamando a atenção para retrocesso nos direitos de mulheres.
A relatora especial* da ONU para defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor, disse que no Afeganistão o grupo vive “em clima de medo, ameaças, intensa insegurança e desespero crescentes”.
Em publicação lançada nesta terça-feira, em Genebra, a especialista das Nações Unidas pediu uma resposta urgente e coordenada da comunidade internacional perante o que considera uma ameaça “muito real”.
Setores proibidos
Mary Lawlor divulgou relatos de ativistas que recebem ameaças diretas, incluindo associadas a gênero contra mulheres, além de espancamentos, prisões, desaparecimentos forçados e mortes.
O clima de medo constante é vivido por quem registre crimes de guerra, defensores, em particular das áreas criminal e de direitos culturais ou setores proibidos, como música, além de integrantes de grupos minoritários.
Nas redes sociais, “alguns deles apagaram seu histórico de dados online para evitar a identificação”. A relatora destacou que o Talibã recorre a outras formas para encontrá-los como um que “foi identificado por um ferimento na perna”.
Cerca de 100 defensores dos direitos humanos submeteram testemunhos de forma virtual, incluindo residentes em províncias rurais, detalhando táticas específicas usadas contra eles.
Num dos casos, o Talibã invadiu escritórios de organizações de direitos humanos e da sociedade civil em busca de nomes, endereços e contatos de quem trabalhava lá.
Anonimato
Muitos ativistas bem conhecidos em suas comunidades locais, em particular nas áreas rurais, optam pelo anonimato. Mesmo assim, são obrigados a mudar constantemente de residência.
A especialista revelou ainda que a maioria perdeu sua fonte de rendimento, o que “limita ainda mais suas opções para encontrar segurança.”
Ao solicitar apoio internacional, Mary Lawlor disse que é necessário agir de imediato sobre as preocupações dos ativistas locais, incluindo com “um plano urgente para a evacuação dos defensores que estejam em alto risco com suas famílias”.
Lawlor explicou que há 20 anos estas pessoas lutam pelo avanço dos direitos humanos em suas cidades e vilas, mas muitos agora dizem se sentir abandonados.
A relatora pediu aos países que apoiaram o trabalho nas últimas duas décadas para fazerem mais, fornecerem vistos, documentos de viagem e rotas de asilo para as centenas de ativistas deixados para trás e em risco.
Cadáveres
Num dos depoimentos, uma defensora dos direitos humanos no oeste afegão diz “não existir liberdade de associação, nem reuniões, nem liberdade de expressão”.
O relato afirma que entre cinco e 10 pessoas seriam presas por dia e que familiares dos defensores “têm medo de serem reconhecidos”.
Ela destaca que vários outros também são perseguidos e mortos. Os familiares não reconhecem os cadáveres encontrados por estarem com medo e os defensores dos direitos humanos não foram priorizados nos esforços de evacuação.
No Sul, a liberdade de expressão é muito limitada. A mídia não pode operar livremente e os ativistas não podem levantar suas vozes agora, porque serão ameaçados se o fizerem.
Ameaça
Outro testemunho destaca ainda que “não se pode esperar que o Talibã cumpra sua palavra” por falta de prestação de contas. Depois de defensores de direitos humanos terem sido “a face pública do movimento”, agora estão em risco. As mulheres são as vítimas do processo e têm um “futuro aparentemente sombrio.”
Outro depoimento relata a libertação de mais de 38 mil presos com “problemas com defensores dos direitos humanos e trabalhadores de justiça e do Estado de direito.” Estes são vistos como “uma ameaça direta aos defensores dos direitos humanos.”
*Os relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário pelo seu trabalho.