
Em despedida, Graziano diz que “todo o tempo acreditou que podemos erradicar a fome no mundo"
Brasileiro deixa a direção da FAO no final de julho; chefe da agência da ONU descreve “momento muito difícil” no sistema das Nações Unidas e faz apelo para acabar com o que chama de “ataque às organizações multilaterais”.
O diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO, deverá viver no Chile após deixar o cargo no final deste mês.
Em entrevista de despedida à ONU News, em Nova Iorque, José Graziano da Silva, falou da marca que gostaria de deixar para a posteridade.

Fome Zero
“Todo mundo gosta de ser lembrado pelas coisas boas que fez, ou acha que fez. Eu gostaria de ser lembrado como a pessoa que todo o tempo acreditou que podemos erradicar a fome no mundo. Uma pessoa que, vamos dizer, empurrou o tema da Fome Zero.”
Graziano passará o cargo para o chinês Qu Dongyu, que foi eleito em junho.
O brasileiro lidera a agência desde junho de 2011, quando foi escolhido para dirigir a FAO por três anos e meio. Antes, Graziano representou a agência da ONU na América Latina e no Caribe.
Cooperação
Em 2015, o ex-ministro da Segurança Alimentar do Brasil foi reeleito no segundo e último mandato de quatro anos como chefe da FAO. Prestes a deixar o cargo, Graziano fala de um momento desafiante na cooperação multilateral, com efeitos no combate à fome.
“Nós estamos passando um momento muito difícil, o sistema das Nações Unidas, com esse ataque às organizações multilaterais, à redução dos recursos financeiros. O mundo precisa das organizações internacionais. Pensar que os problemas que nós temos, do clima, dos conflitos, de obter uma produção mais saudável, possa ser alcançada a nível do país, é uma ilusão. Nós precisamos desses grandes acordos, nós precisamos impulsar a cooperação internacional. Então, eu deixo aqui uma mensagem de apelo para os países serem mais ativos em sustentar o sistema das Nações Unidas”

Quando assumiu a chefia da FAO, a estimativa é de que existiriam 600 milhões de famintos nessa época. Hoje, esse número é de 820 milhões, perante desafios como obesidade, conflito e crises na economia que limitam o acesso aos alimentos.
“Dois bilhões de pessoas no mundo têm alguma forma de insegurança alimentar. Não apenas a forma severa que é a fome, mas além dos 820 milhões que passam fome, temos mais quase 1,2 bilhão que têm formas moderadas de insegurança alimentar. O que são estas formas moderadas? A insegurança dos que não têm emprego e não sabem se vão ter dinheiro para comer. A insegurança dos que ganham muito mal e não sabem se terão dinheiro até o final da semana para comer.”
Pós-guerra
Nas Nações Unidas, Graziano disse que a grande batalha desde que assumiu a liderança da FAO, em 2012, foi redimensionar a agência criada no pós-Segunda Guerra Mundial, em 1945, para erradicar a fome.
“Havia muita fome por falta de produção de alimentos, por falta de alimentação. E houve um grande passo com a revolução verde que aumentou tremendamente e produção de alimentos no mundo e evitou fomes na Ásia, sobre tudo, Índia, Paquistão, mas, começou a produzir mais alimentos do que necessário. Nós começamos a jogar fora os alimentos que produzíamos em grande parte. E a FAO continuou empurrando a produção. Continuou dizendo que precisava produzir mais. Então, reorientar a FAO para olhar mais para o acesso dos alimentos e não apenas para a produção. Mais o lado do consumidor, a qualidade nutricional dos produtos, foi a grande guinada que eu acho que a FAO deu nesses últimos anos.”
Graziano mencionou ainda que uma das principais soluções para as questões de nutrição no momento é melhorar os sistemas alimentares. Para ele, existe uma falha, onde as pessoas pensam que “estão bem alimentadas, mas não estão” e que esta é uma “verdadeira epidemia”.
