Brasil deve reconsiderar plano para comemorar o aniversário do golpe militar, afirma relator da ONU
Presidente do Brasil pediu para marcar neste final de semana o 55º aniversário do golpe que resultou em uma ditadura de 1964 a 1985; especialista da ONU alerta para “tentativas de revisar a história e justificar ou relevar graves violações de direitos humanos”.
O Brasil deve reconsiderar os planos para comemorar o aniversário de um golpe militar que resultou em graves violações de direitos humanos durante duas décadas, afirmou um relator da ONU*.
Em nota publicada esta sexta-feira, o relator especial sobre a promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição disse que “tentativas de revisar a história e justificar ou relevar graves violações de direitos humanos devem ser claramente rejeitadas por todas as autoridades e pela sociedade como um todo.”
Violações
O apelo de Fabián Salvioli é uma reação à ordem do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, ao Ministério da Defesa para marcar neste final de semana o 55º aniversário do golpe que resultou em uma ditadura de 1964 a 1985.
Como formalmente reconhecido pelo Estado brasileiro, esse período foi marcado por um regime de restrições aos direitos fundamentais e violenta repressão sistemática.
Segundo a Comissão Nacional da Verdade, mais de 8 mil indígenas e pelo menos 434 suspeitos de serem dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram forçadamente.
Estima-se também que dezenas de milhares de pessoas foram arbitrariamente detidas e torturadas. No entanto, uma lei de anistia promulgada pela ditadura militar impediu a responsabilização pelos abusos.
Memória
O relator afirmou que “comemorar o aniversário de um regime que trouxe tamanho sofrimento à população brasileira é imoral e inadmissível em uma sociedade baseada no estado de direito.” Segundo ele, “as autoridades têm a obrigação de garantir que tais crimes horrendos nunca sejam esquecidos, distorcidos ou deixados impunes.”
Salvioli afirmou que "qualquer ação que possa justificar ou relevar graves violações de direitos humanos durante a ditadura reforçaria ainda mais a impunidade que os perpetradores desfrutam no Brasil.” Essa escolha também “dificultaria esforços para impedir qualquer repetição de tais violações e enfraqueceriam a confiança da sociedade nas instituições públicas e no estado de direito".
O relator especial destacou o direito das brasileiras e brasileiros de conhecer a verdade sobre estes crimes e as circunstâncias em que eles aconteceram. Além disso, o Estado tem o dever de preservar as evidências de tal violência, para combater “argumentos revisionistas e negacionistas."
Por fim, Salvioli afirmou que um relato preciso das violações sofridas pelas vítimas constitui parte de seu direito à reparação e satisfação. Ele disse estar "profundamente preocupado que as celebrações planejadas possam levar a um processo de revitimização para aqueles que sofreram".
*Relatores de direitos humanos são independentes da ONU e não recebem salário pela sua atuação.