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Entrevista: Ana Catarina Mendes, ministra adjunta em Portugal BR

Vice-chefe da pasta de Assuntos Parlamentares de Portugal, Ana Catarina Mendes esteve nas Nações Unidas para participar do Fórum de Revisão sobre Migração Internacional

Temos a noção de que partir, deixar as suas raízes, construir o seu mundo noutro espaço geográfico é uma coisa difícil, mas que pode ser transformada numa coisa boa

Ana Catarina Mendes , Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares de Portugal

Governo de Portugal
Vice-chefe da pasta de Assuntos Parlamentares de Portugal, Ana Catarina Mendes esteve nas Nações Unidas para participar do Fórum de Revisão sobre Migração Internacional

Entrevista: Ana Catarina Mendes, ministra adjunta em Portugal

Migrantes e refugiados

Ana Catarina Mendes, da pasta de Assuntos Parlamentares, esteve nas Nações Unidas para participar do Fórum de Revisão sobre Migração Internacional, que analisa os progressos do Pacto Global sobre Migração Segura, Ordenada e Regular. Esta é a primeira revisão do documento, endossado pela Assembleia Geral em 2018. Advogada, ela venceu sua primeira eleição como deputada da Assembleia da República aos 25 anos de idade e desempenhou oito mandatos até assumir o posto como ministra adjunta. Ana Catarina Mendes conversou com Monica Villela Grayley, da ONU News, sobre como Portugal tem respondido ao crescento fluxo migratório na Europa e no mundo.

ON: E a gente fala de números, 600 mil dentro de uma população de quase 11 milhões. É uma faixa importante da população. Mas quem é esse migrante, Ministra? Se pudéssemos descrevê-lo, quem é essa pessoa?

ACM: São pessoas que fogem de seus países por esta ou aquela razão e que procuram em Portugal um porto seguro e um porto de abrigo. E, de facto, nós temos a capacidade, porque somos assim porque fomos um país de emigrantes, porque temos a noção de que partir, deixar as suas raízes, construir o seu mundo noutro espaço geográfico é uma coisa difícil, mas que pode ser transformada numa coisa boa porque estes imigrantes são imigrantes que trazem cultura, capacidade de investir no país, capacidade de se integrar no país.

Se queremos um Estado social forte, este Estado social tem que estar ao serviço de todas as pessoas, e também das comunidades migrantes e ver hoje o retorno. Se nós olharmos cinco anos antes, 5% dos migrantes eram contribuintes líquidos para a segurança social, hoje temos 9%. São pessoas que num ano particularmente exigente como foi o ano de 2021, da pandemia, contribuíram significativamente para a sustentabilidade da segurança social também, por isso mesmo porque estão integrados.

São pessoas que hoje veem nos acordos de mobilidade laboral, e que por isso aqui procuram no nosso país procuram o trabalho e nós facilitamos muito, quer na regularização das renovações das autorizações de residência, quer na atribuição do número de segurança social para que possam estar integrados no mercado de trabalho.

Eu diria que são pessoas que trazem isto: diversidade cultural, diversidade econômica, capacidade de integração e de fazermos uma sociedade inclusiva e mais igual.

Portugal aposta na íntegraçao de migrantes

 

ON: E agora vamos falar dos ucranianos que nós vimos chegar a Portugal e sendo bem recebidos. Como eles estão se integrando? Existem planos para abrigar mais ucranianos ainda este ano?

 ACM: Nós tivemos um grande desafio. Todos nós. O mundo. A Europa teve um desafio muito grande. Nós estamos a falar de um fluxo migratório de mais de 5 milhões de pessoas. Num espaço de dois meses, Portugal teve a capacidade de receber cinco vezes mais o número de refugiados que tínhamos recebido nos últimos cinco anos. São mais de 37 mil refugiados ucranianos em Portugal. Pôs-nos à prova e deixou-nos desafios para o futuro. Melhoramos a forma como recebemos, como integramos, agilizamos procedimentos. Melhoramos o relacionamento destas populações com os serviços públicos. Neste momento, quer o número de contribuinte, o número de segurança social, o número de utente de saúde para terem acesso ao mercado de trabalho, à escola, à habitação, à saúde. Foi possível agilizar num tempo muito curto todos estes procedimentos. E hoje, as pessoas estão regularizadas em Portugal. Temos cerca de 4,1 mil pessoas, crianças, que já estão a frequentar as escolas, o ensino básico e o ensino secundário. Dos 37 mil, temos 2 mil contratos de trabalho já celebrados com estas pessoas deslocadas da Ucrânia. Estamos a encontrar respostas para a habitação que é um desafio que todos temos como país. Mas para quem cá chega e para quem cá vive, estamos a tentar encontrar estas respostas. Temos conseguido dar as respostas nas prestações sociais. As pessoas fugiram sem nada e chegaram sem nada, muitas delas, e por isso já estamos a falar de cerca de 4 mil pessoas com prestações sociais, o que também é uma resposta significativa naquilo que é o acolhimento. Portugal está, como sempre esteve, disponível para receber todos os que queiram cá chegar, tentando encontrar as melhores respostas na saúde, na educação, na habitação, no mercado de trabalho.

Largo da Esperança, Lisboa
ONU News/Leda Letra
Largo da Esperança, Lisboa

 

ON: Mas os adultos, eles vão poder trabalhar? Tem emprego para todo mundo?

ACM: Nós temos o nosso Instituto de Emprego e Formação Profissional colocou online na sua plataforma 29 mil ofertas de trabalho. Destas 29 mil ofertas de trabalho ainda não foram todas preenchidas, evidentemente. Há 9 mil pessoas que já se dirigiram ao Centro de Emprego e Formação Profissional para encontrarem respostas de trabalho. Há várias coisas a acontecer, desde formação profissional e intensiva até para integrarem no mercado de trabalho. Vamos ver se conseguimos integrar. Mas, verdadeiramente, já temos 2 mil contratos de trabalho celebrados com as pessoas. Há uma coisa muito interessante que é aproveitar o know-how das pessoas também. Designadamente na sua integração, a barreira linguística é uma barreira muito grande. Já havia uma comunidade significativa de pessoas da Ucrânia em Portugal que fazem, neste momento, a ponte com a educação. Há miúdos, por exemplo, numa escola em Portimão, no Algarve, no sul do país, que são hoje tutores dos meninos que chegam para a escola, para os ensinar e para lhes ajudar com a ponte linguística que eles precisam.

Funcionária do Acnur recebe refugiados reassentados originalmente da Síria e do Sudão do Sul no aeroporto de Lisboa, em Portugal
© Acnur/José Ventura
Funcionária do Acnur recebe refugiados reassentados originalmente da Síria e do Sudão do Sul no aeroporto de Lisboa, em Portugal

 

ON: A diáspora ucraniana que já estava lá?

ACM: Sim, a diáspora que já lá estava. Então isso diz muito de  como as pessoas se sentem seguras e se sentem integradas num país como Portugal.

 

ON: Ministra, e quando essa integração, às vezes, é difícil? Por exemplo, a Alemanha absorveu 1 milhão de sírios. E como a senhora falou e com a gente vê no Pacto Global sobre Migração, os migrantes ajudam na economia, impulsionam, são um ativo, são uma força. Mas, e quando essa integração se faz difícil?

ACM: Temos que desbloquear o que se faz difícil. Uma das coisas que pra nós foi difícil durante muito tempo e que felizmente nestes sete anos, nós melhorar, é a burocracia inerente a um processo de integração, de acolhimento, de tornarem as pessoas regulares. Por exemplo, se nós olharmos para os números de regularização das pessoas em plena pandemia e, atualmente, estamos a falar de 187 mil pessoas. Se nós pensarmos que temos que vencer as barreiras que fomos vencendo. Hoje, é possível na hora ter o número de segurança social. E com isso ter um contrato de trabalho, e com isso contribuir para a economia, e com isso contribuir para ter uma habitação, para a interação na escola, e com isso ter acesso aos serviços públicos. Eu julgo que nós temos desafios deste ponto de vista. Os fluxos migratórios são hoje cada vez maiores e as respostas têm que ser cada vez mais na hora.

Refugiados reassentados chegam a Lisboa, em Portugal.
© UNHCR/José Ventura
Refugiados reassentados chegam a Lisboa, em Portugal.

 

ON: E existem mais planos para absorver mais ucranianos ou recebê-los até o final deste ano?

ACM: Sim, claro. Não sabemos de quantos estamos a falar. Diminuiu agora um bocadinho a procura do nosso país. Mas estamos preparados para receber as pessoas. Como estivemos para receber outros fluxos migratórios que fomos recebendo ao longo dos anos.

 

ON: Muito obrigada pela sua entrevista à ONU News.

ACM: Muito obrigada eu.