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“A educação está sob ataque”, diz especialista sobre crianças e conflitos armados

Um aluno usa uma régua no quadro negro em sala de aula, numa escola pública em Kaya, região Centro-Norte, Burkina Faso
Unicef/UNI443917/Cisse
Um aluno usa uma régua no quadro negro em sala de aula, numa escola pública em Kaya, região Centro-Norte, Burkina Faso

“A educação está sob ataque”, diz especialista sobre crianças e conflitos armados

Cultura e educação

Ataques a escolas e hospitais aumentaram 112% em 2022; dados apresentados pela representante especial sobre Crianças e Conflitos Armados, Virginia Gamba, revelam desrespeito às leis da guerra e ataques intencionais para acabar com a possibilidade de acesso ao ensino para milhares de menores.

A educação está sob ataque. Esta é a conclusão da representante especial da ONU para Crianças e Conflitos Armados, Virginia Gamba, ao comentar o aumento exponencial de casos em que escolas se tornam alvos militares. 

Após apresentar seu relatório anual na reunião da 3ª Comissão da Assembleia Geral, nesta quinta-feira, ela conversou com a ONU News e explicou as principais preocupações por trás desse dado. 

“A educação está sob ataque”, diz especialista sobre crianças e conflitos armados

Destruição da possibilidade de estudar

Segundo Gamba, o aumento de ataques a escolas é marcado por duas tendências. A primeira é de que “os governos estão usando recursos militares sem observar adequadamente as leis internacionais e humanitárias.”

Ela ressaltou que, em média, este tipo de violação é cometido em 80% dos casos por grupos armados e 20% por governos. Porém, em 2022, quase 50% dos ataques foram realizados por forças do Estado. 

A segunda tendência tem a ver com a atuação de “grupos armados particularmente violentos e muitas vezes identificados como terroristas pelas Nações Unidas.” 

De acordo com Gamba, essas forças “miram nas escolas para destruir a possibilidade de educação, pois o que estão tentando fazer é recrutar pessoas ignorantes.”

Reflexos em Moçambique e no Haiti

Ela afirma que esta dinâmica tem sido observada em países como Moçambique e Haiti e na região do Sahel, onde é notável o foco em impedir a educação das meninas, acabando com a possibilidade de que elas frequentem escolas. 

A representante especial destacou a situação no Haiti, onde grupos criminosos desencadearam uma onda de violência. Segundo ela, esses atores precisam de gente nova para realizar suas ações, por isso “atacam escolas de propósito e então sequestram as crianças para colocá-las à força em suas fileiras.”

Gamba citou casos bem-sucedidos onde medidas simples como triagem de idade foram suficientes para impedir o recrutamento de milhares de crianças. Além disso, ela mencionou iniciativas de seu escritório na República Centro-Africana e no Sudão do Sul, onde mais de 6 mil crianças foram libertadas de grupos armados após a implementação de planos de ação negociados com as partes em conflito.

Estudantes em Anbar, no Iraque, deixam uma sala de aula danificada pelo conflito
Unicef/Khuzaie
Estudantes em Anbar, no Iraque, deixam uma sala de aula danificada pelo conflito

Grupos extremistas dependem de crianças

No entanto, a representante especial afirmou que uma pequena proporção de grupos armados extremamente violentos e que atuam além das fronteiras “nunca irão se envolver com as Nações Unidas para acabar com as violações contra crianças, pois não podem existir sem elas.”

Gamba destaca que estes grupos “têm como premissa principal sequestrar, recrutar à força e abusar dessas crianças que depois se tornam o centro da força de combate.”

Como exemplos ela mencionou o denominado Estado Islâmico no Iraque e no Levante, Isil, e suas filiais na África Ocidental e no Sahel, o Al-Shabaab e o Boko Haram. 

Com exceção desses grupos, Gamba relata que é possível interagir com partes em conflito para estabelecer melhores proteções para crianças, e que este tema é um poderoso denominador comum para construção de confiança e diálogo.