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Robert Mugabe – O último discurso na ONU

Robert Mugabe discursa na Assembleia Geral da ONU pela última vez em setembro de 2017
Foto ONU/Cia Pak
Robert Mugabe discursa na Assembleia Geral da ONU pela última vez em setembro de 2017

Robert Mugabe – O último discurso na ONU

Assuntos da ONU

O ex-presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, morreu esta sexta-feira, aos 95 anos, vítima de doença em Singapura. Em seu último discurso na 72ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, o ex-líder zimbabueano destacou a necessidade de cooperação mais profunda e de reformas no sistema internacional para abordar as diferenças entre ricos e pobres.*

Sua excelência, Miroslav Lajcák, presidente da 72ª Sessão,

Suas majestades,

Excelências, chefes de Estado e de governo,

Sua excelência, senhor António Guterres, secretário-geral da ONU,

Senhoras e senhores,

Camaradas e amigos.

Senhor presidente,

Desejo parabenizá-lo por sua eleição como presidente da 72ª Sessão da Assembleia Geral, e seu antecessor, Senhor. Thomson, por seu compromisso e esforço para acelerar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

Senhor presidente,

Você não poderia ter escolhido um tema melhor e mais relevante, considerando os tempos em que vivemos. A busca e manutenção da paz e a promoção do desenvolvimento, em solidariedade, estão no centro da missão das Nações Unidas e de todo o seu sistema.

Desde a assinatura da Carta das Nações Unidas, há 72 anos, e nas convenções, resoluções e declarações adotadas ao longo de décadas, os Estados-membros têm procurado concretizar a insaciável esperança humana de paz, justiça e progresso.

Senhor presidente,

A atual agenda global de desenvolvimento é diferente de maneira significativa de todas as que a precederam. É ambiciosa, revolucionária, transformadora, universal e abrange todas as facetas da vida humana. Para ter sucesso, esta agenda exige uma mudança de paradigma radical e sem precedentes, em todas as esferas da vida humana.

Senhor presidente,

Não podemos parar ou reverter a destruição contínua de nosso habitat natural ou o aumento da temperatura da atmosfera global, sem uma mudança nos padrões atuais de produção e consumo. Isso está confirmado com provas científicas. Não podemos parar ou reverter o crescente hiato entre ricos e pobres nas nossas nações sem uma cooperação internacional mais profunda e uma reforma genuína do sistema internacional. O sistema atual está estruturado, de forma inerente, para enriquecer alguns e empobrecer muitos. Não pode, por isso, cumprir o objetivo principal de aspiração e a palavra de ordem da Agenda 2030: não deixar ninguém para trás.

Senhor presidente,

Para nós, em África, o sistema atual perpetua uma injustiça histórica, que não pode mais ser justificada. A Agenda 2030 é um vinho novo e pedimos um novo odre [saco feito de pele para transporte de líquidos] para não estragar o novo vinho. É por isso que reitero o apoio inabalável do meu país à reforma da Posição Comum Africana sobre o Conselho de Segurança, conhecida como Consenso de Ezulwini.

Senhor presidente,

A esmagadora maioria de nós aceitou que é preciso reformar o sistema atual para melhorar, mas não para destruí-lo. No entanto, as negociações e o processo destinados a produzir as reformas são minuciosamente lentos. Ficamos pensando, de forma justificada, se aqueles que têm poder, e às vezes abusam desse poder e dos privilégios da atual estrutura, são interlocutores sinceros nessas discussões.

Senhor presidente,

É axiomático que colhemos o que plantamos. No entanto, por alguma lógica estranha, esperamos colher a paz quando investimos e gastamos muito, em tesouro e tecnologia, em guerra.

De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, os gastos militares globais em 2016 totalizaram aproximadamente US$1,6 trilhão. No mesmo ano, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a Assistência ao Desenvolvimento no Exterior totalizou aproximadamente US$ 142,6 bilhões.

Esses mega investimentos em armas cada vez mais letais e em máquinas de guerra mais sofisticadas não resultaram em maior paz ou segurança. Em vez disso, testemunhamos sofrimento e miséria dilacerantes e aumentamos os movimentos de massa de pessoas que fogem de guerras e conflitos armados. Esta tendência, senhor presidente, deve ser interrompida, para o benefício da humanidade.

Senhor presidente,

Acreditamos que um mundo diferente e melhor é possível. Ao propor e convidar-nos a focar na prevenção, diplomacia preventiva, resolução pacífica de conflitos, construção e manutenção da paz, o secretário-geral está nos apontando nessa direção desejável. Também devemos enfrentar seriamente as causas básicas e multifacetadas e complexas dos conflitos, incluindo pobreza e privação duradouras, acesso desigual a recursos, negação dos direitos à autodeterminação dos povos e interferência nos assuntos internos de outros Estados, entre outras causas.

Senhor presidente,

A contínua negação do direito à autodeterminação para os povos do Saara Ocidental e da Palestina, que vivem sob ocupação colonial e estrangeira, é imoral e uma questão urgente para aqueles que buscam paz e segurança em nossos dias. O Conselho de Segurança assumiu suas responsabilidades na Carta e aprovou várias resoluções. O que falta é a aplicação e implementação dessas resoluções.

Conclamamos o Conselho de Segurança a demonstrar sua autoridade para garantir a realização, sem demora, do referendo de independência no Saara Ocidental. Esperamos que o Conselho de Segurança trabalhe em estreita colaboração com a União Africana, sua parceira comprovada pela paz no continente africano, nesse esforço.

A situação cada vez mais deteriorada e o sofrimento contínuo do povo palestino devem estimular o Conselho de Segurança a esforços renovados e com prazo determinado para produzir a solução de dois estados já definida em várias resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança.

Senhor presidente,

Desenvolvimento e paz são conjugados e não podem ser separados. Meu país adotou a Agenda 2030 como uma abordagem integrada e abrangente para enfrentar os inúmeros e complexos desafios nacionais e globais em solidariedade e em cooperação com outras partes interessadas.

O Zimbábue teve a honra de estar entre alguns outros 40 países que participaram da Revisão Nacional Voluntária no Fórum Político de Alto Nível de 2017, em julho.

Tivemos, e ainda temos, o prazer de compartilhar com outros países nossas experiências e de aprender com outras pessoas suas experiências na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Reconhecemos a necessidade de parcerias benéficas dentro e fora de nossas fronteiras nacionais. Um dos nossos principais parceiros é o sistema das Nações Unidas, com o qual, estou feliz em observar, trabalhamos muito de perto.  Desejo, a este respeito, saudar a iniciativa do secretário-geral para garantir que o apoio das equipes dos países da ONU seja orientado pelas prioridades nacionais. Isso garantirá apropriação nacional e liderança dos processos de desenvolvimento, bem como a sustentabilidade de projetos e programas de desenvolvimento. Isso, senhor presidente, é o que estamos vivendo no Zimbábue.

Senhor presidente,

Meu país é um defensor inflexível do respeito à soberania e independência dos países. Portanto, defendemos e respeitamos fortemente o direito de cada país de tomar decisões no exercício de seus direitos soberanos. Entretanto, não podemos permanecer calados quando essas decisões afetam ou têm o potencial de afetar negativamente nosso próprio bem-estar.

A mudança climática, senhor presidente, é uma realidade presente, assim como seus efeitos e impactos. As mudanças climáticas são globais. Não podemos permanecer calados quando uma grande potência econômica do mundo, ou qualquer outro Estado, decide abandonar o Acordo de Mudança Climática de Paris e, portanto, coloca nossos países em risco adicional dos efeitos das mudanças climáticas, como as secas mais frequentes e severas. É vital que todos participemos, de acordo com as disposições Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, a fim de deter a marcha implacável em direção à destruição daquilo de que depende nossa própria existência.

Senhor presidente,

Ao concluir a minha alocução, vale lembrar que o mundo de hoje, por sua própria interconexão, exige mais e não menos solidariedade; mais e não menos cooperação; mais em não menos multilateralismo. Nós temos trazido cada vez mais questões para a agenda global e para o discurso global. Esse reconhecimento encontrou expressão na Agenda 2030 e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Nossa sobrevivência e progresso exigem solidariedade reforçada, parcerias e cooperação. Este é um chamado ao qual todos devemos responder positiva e ativamente.

O Zimbábue já está fazendo isso.

Obrigado.

*Discurso apresentado à 72ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de outubro de 2017

Assista a íntegra ( vídeo em inglês).

Robert Mugabe – O último discurso na ONU