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Exclusiva: Manuel Serifo Nhamadjo

Exclusiva: Manuel Serifo Nhamadjo

Acompanhe a transcrição da entrevista do presidente de transição da Guiné-Bissau, Manuel Serifo Nhamadjo, à Rádio ONU.

Rádio ONU: Presidente, qual é a mensagem que a Guiné-Bissau vai trazer para a Assembleia Geral esse ano, tendo em vista que o ano passado o país não pôde falar?

Manuel Serifo Nhamadjo: Em primeiro lugar agradeço esta oportunidade para poder dizer algumas palavras sobre o meu país. Vamos falar um pouco do país para partilhar com todos os presentes aquilo que aconteceu, o que está a ser feito e quais são as perspectivas a médio e longo prazos, porque a curto prazo, já se sabe que estamos a preparar as eleições para que possamos terminar o ciclo de transição. Essa é a mensagem, no fundo, que vamos transmitir na Assembleia Geral.

RO: E o que é que espera das Nações Unidas nesse momento tão especial para o seu país?

MSN: Das Nações Unidas como o fórum internacional mais importante, espero solidariedade, sempre, o apoio para que possamos de facto cimentar os alicerces que estão a ser lançados com a transição, para que o país não volte nunca mais a ter problemas desse género. Foram vários anos de sobressaltos, mas eu acredito que com a vontade dos guineenses e com o apoio da comunidade internacional, com as Nações Unidas à frente, poderemos ultrapassar todos os mal entendidos e o reencontro da família guineense será uma realidade.

RO: Presidente Manuel Serifo Nhamadjo, o seu país se prepara para realizar eleições, mas ainda há desafios. Gostaríamos que o senhor citasse quais são esses maiores desafios ecomo pretende ultrapassá-los para que as eleições marcadas para 24 de Novembro sejam realizadas?

MSN: Os desafios são muitos, mas resumo a dois, sendo aqueles que no discurso vamos fazer questão de realçar, que é a pobreza a e instabilidade. Portanto, esses dois males têm de ser banidos da nossa sociedade.Para que isso possa ser banido é preciso todos os guineenses. Vamos pedir apoio para que possamos lutar para que possamos lutar contra esses dois grandes males.

RO: Mas esses males especificamente não atrapalham a realização da eleição nesse momento, a realização não seria mais técnica?

MSN: Sim, as eleições neste momento dependem essencialmente do apoio financeiro, porque já foi marcada a data e aguarda-se simplesmente o apoio internacional para que possamos iniciar o recenseamento, sem o qual as eleições não poderão ter lugar. Portanto é importante e imperativo que a comunidade internacional nos apoie na realização de um recenseamento fiável para que as eleições possam decorrer num ambiente de tranquilidade.

RO: Presidente, nós conversávamos com o seu colega, também ex-presidente de Timor Leste, José Ramos Horta, prémio nobel da paz e agora representante do Secretário-geral ali na Guiné-Bissau, e ele falava de um dos aspectos que a comunidade internacional agora está esperando é relativo ao preço das eleições, porque as eleições poderiam custar entre US$ 10 milhões e 15 milhões e isso seria segundo ele talvez um pouco mais caro do que eleições europeias. É isso que a comunidade internacional ainda está calculando e então pode-se justificar esse preço?

MSN: Eu não sei se isso é mais alguns países da Europa, a verdade é que nós chegamos à conclusão que é preciso ter cadernos eleitorais fiáveis e para isso temos de fazer um recenseamento que corresponde a essas expectativas e o recenseamento irá dar os instrumentos necessários à Comissão Nacional de Eleições para a realização das mesmas. A assistência que nós pedimos foi o envio de dois técnicos para a Guiné, que trabalharam com os nossos técnicos para apuramento do custo. Não sei com que base foram feitos os cálculos, mas a verdade é que chegaram à conclusão de que com a aquisição dos kits, a realização no terreno do recenseamento, a organização das eleições e a partipação do Supremo Tribunal de Justiça para validação ronda os US$ 19 milhões. Não sei se nos outros países é mais ou menos caro, mas também hoje em dia nos outros países organizados, o que se faz é a actualização do recenseamento, não é a feitura de um recenseamento de raiz, como nós estamos a querer fazer, portanto os custos necessariamente serão diferentes.

RO: E o recenseamento de que o presidente fala é contar os eleitores, não é isso?

MSN: É contar os eleitores, dar o cartão, contar os fiáveis, incluindo identificação e fotografia para que não haja a possibilidade de um eleitor votar duas, três, quatro vezescomo aconteceu no passado. Por isso esses documentos devem ser feitos com toda a seriedade. Depois de recolhidos todos esses dados, nas futuras eleições irão só atualizar, por isso será um custo inferior. Portanto, nunca se deve confundir a atualização das eleições com um recenseamento de raiz. São duas coisas diferentes, não sei em que quadro ele falou dos custos.

RO: Vamos falar um pouco da cooperação com outros países de língua portuguesa, dentro do contexto da Cplp, o próprio Brasil, que aqui lidera a estratégia de consolidação da paz, Cabo Verde, Angola, São Tomé e Príncipe, qual é a cooperação com esses países? Eu queria que o senhor falasse um pouco de cada um.

MSN: Nós sempre tivemos boas relações no quadro da Cplp, até ao acontecimento de 12 de Abril. Com esse acontecimento, compreende-se que há um mal estar, mas eu acredito que com o tempo as pessoas irão retomar as relações e logo que terminemos o período de transição, a comunidade Cplp estará de novo de mãos dadas com a Guiné-Bissau. Eu reconheço que o Brasil  foi sempre um país que se prontificou em dar apoio e certamente continuará, assimcomo os outros. Aliás, Cabo Verde é um país de relações históricas muito sólidas, não são esses pequenos incidentes que vão criar problemas ou que vão pôr em causa essa nossa relação histórica. E São Tomé a mesma coisa, e falando de São Tomé, fala-se de Angola, de Moçambique, são todos países irmãos, com quem temos uma cumplicidade histórica. É impensável dizer que teremos problemas de maior, há um incidente que deve ser analisado e situado no seu momento e contexto para que depois das eleições o país se reecontre com todos esses países irmãos para o desenvolvimento que todos desejamos.

RO: Pelo que o senhor fala, então está confiante na realização de 24 de novembro?

MSN: Não tanto como antes porque o período está-se a tornar cada vez mais curto. A nossa esperança é que se tivessemos dinheiro hoje, podíamos trabalhar no quadro das forças políticas para encurtar as datas que a lei nos impõe, para que o 24 não fosse uma data a adiar. Mas até ao momento em que estamos a falar, não temos ainda garantias financeiras sólidas para iniciar o recenseamento que é uma condição sine qua non para as eleições. Por isso estamos a aguardar e é esse apelo que vou fazer na Assembleia Geral.

RO: Como as coisas se colocam até agora, essa garantia não vem da comunidade internacional por que?

MSN: Há vários que já estão a manifestar a disponibilidade de contribuir, mas ainda não conseguimos ter nas nossas institu ições responsáveis pelo processo o dinheiro em si para a aquisição dos kits, para o financiamento do recenseamento e a CNE também precisa de recursos para poder reorganizar a máquina e estar em condições. Tecnicamente está, mas financeiramente falta muito.

RO: Este sistema do Brasil, por exemplo, de urna eletrônica. O Brasil poderia ajudar com isso? Até porque seria mais rápido para apurar os votos.

MSN: Sim, o Brasil poderia ajudar bastante. Só que o presidente Ramos Horta esteve lá, eu não sei o que é que se evoluiu e acredito que também que dentro desta comunidade Cplp, da posição que tem em relação aos acontecimentos de 12 (de abril) poderá contribuir para esse recuo na participação do Brasil. Não sei, não sei...

RO: Vamos falar de um tema muito importante para o seu país que foi mencionado em discursos de ex-presidentes guineenses entrevistados pela Rádio ONU como João Bernardo Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá de que o tráfico de drogas é um flagelo para o país. Como é que a comunidade internacional pode ajudar a combater o problema e o que a Guiné-Bissau pode fazer dentro do país para resolver isso?

MSN: Eu subscrevo a afirmação dos presidentes Nino Vieira e Malam Bacai Sanhá. Não acredito que um país sozinho possa combater o tráfico de drogas, tem que ser articulado com a subregião. E muitas das vezes, esta prática aproveita os países com fragilidade para poder utilizá-lo como uma porta de entrada. E a Guiné-Bissau com as dificuldades que tem e ainda mais agravada com os sucessivos conflitos terá muita dificuldade para sozinha fazer face a isso. Por isso, nós podemos dizer que estamos dispostos a combater dentro de uma estratégia comum da subregião. Para que a subregião, por exemplo da Cedeao possa erradicar este mal. Mas a Guiné-Bissau sozinha não terá condição.

RO: Mas no caso, o sr. gostaria que a Cedeao liderasse este processo?

MSN: Nós temos uma organização subregional que pode liderar. E cada país participar de como for definida e de acordo com sua estratégia de segurança interna.

RO: E países como Estados Unidos, e os da União Europeia poderiam ajudar de uma certa forma?

MSN: Com certeza. Eu acredito que se todas as potências mundiais envolverem no combate porque reparem é sabido onde é que as drogas são produzidas e onde é que é consumida. Há dois pontos essenciais que já estão identificados. Agora a passagem não deve ser tida como causador de todos os males. Nós somos infelizmente uma estrada para o produtor levar ao consumidor. Se nós conseguirmos juntar esforços e combater na produção e desencorajar o consumo, certamente não haverá passagem por nossos países por isso é uma luta que tem que associar todas as forças. Os países desenvolvidos têm mais tecnologia para interceptar estes traficantes e ajudar os países vítimas, neste caso o meu país, de apetrechá-los de meios para combater este mal.

RO: Agora, presidente, existe dentro da própria Guiné-Bissau alguma coisa que pode ser feita?  Quando é que este problema passou a existir no país? Dá para dizer quando isso começou?

MSN: Não. É difícil. É difícil. Para ser sincero, eu tenho dúvidas se o meu país neste momento esteja a facilitar este tráfico. Houve um período que se aprisionou cerca de 600 kg em 2008, 2009. E com esse aprisionamento fez com que todos mundo se despertasse com a Guiné-Bissau. Mas de 2008 a esta data, as prisões que foram feitas comparativamente a outros países que o fazem, é insignificante. Bom, há acusações, mas ninguém consegue provar que efetivamente há este ou aquele que está envolvido. E para que possamos banir de vez estas tentativas é preciso restruturar os nossos serviços, criar equipamentos necessários para o combate eficiente.

RO: Antes das suas considerações finais, eu gostaria de perguntar ao senhor pessoalmente, uma vez que o sr. tem uma carreira bastante consolidada na política, foi porta-voz do Parlamento. Como o sr. pretende fazer depois das eleições na sua carreira política, uma vez que existe uma dinâmica diferente entre o que o sr. fazia antes e agora como presidente de transição. O que o sr. pretende fazer no futuro?

MSN: Obrigado. Eu fui sempre parlamentar cerca de 18 anos, desde as primeiras eleições multipartidárias, eu fui eleito e continuei durante as quatro legislaturas até o 12 de abril. Agora, quando fui chamado a esta missão porque a nossa Constituição diz que na ausência do presidente da República quem assume é o presidente do Parlamento. Calhou-me desta vez estar à frente do Parlamento por interinidade por causa do falecimento do presidente Malam quando o presidente do Parlamento subiu para presidente interino. Eu fui então confrontado como todos estes problemas. De repente, dirigir uma nação que não estava nos meus planos. Embora tenha participado numas eleições anteriormente, mas eu não estava preparado para de repente entrar na gestão do país nestas condições. E gerir a transição implica muita coisa: gerir incompreensões, gerir problemas, gerir várias forças ao mesmo tempo. Devo dizer que aprendi bastante. Agora, quanto ao futuro, costumo dizer que isso só a Deus pertence. Mas eu gostaria de estar muito tranquilo para poder contribuir para o meu país sempre que for possível. É o que vou fazer se Deus me permitir.

RO: Qual seria a maior lição que o sr. aprendeu saindo de legislador para ser presidente?

MSN: A maior lição é gerir incompreensões. Eu fui confrontado com seis grupos de interesse. De repente, tinha que arranjar solução. Nestes seis grupos estava o meu partido o Paigc estava revoltado com a situação. Eu tinha o PRS, um partido da oposição com estruturas muito bem consolidadas em vários pontos do país com interesses próprios. Tinha o terceiro grupo com vários partidos, cerca de 22 partidos, que tinham também um interesse. A sociedade civil como quarto grupo, as forças armadas e a comunidade internacional, que caiu numa incompreensão completa com o que aconteceu. E concilicar estes seis grupos para um objetivo comum que é um governo de inclusão, uma gestão de transição conjunta para preparar as eleições foi sendo uma das maiores experiências. Foi difícil. Mas graças a Deus, estamos a encaminhar as eleições.

RO: Então ficou com saudades do Parlamento? Pode voltar?

MSN: Sempre, eu disse várias vezes que preferia mil vezes estar no Parlamento, do que estar a gerir o país nessas condições. Porque no Parlamento debatem-se ideias, temos mais tempo livre e não estamos à mercê de tantas incompreensões, porque hoje, com o 12 de abril muitos viam em mim uma pessoa que assaltou o poder. Mas o tempo acabou por demonstrar que não foi esse o caso, eu fui lá porque por inerência das funções parlamentares, teria de ir, se eu recusasse seria o maior traidor da pátria, ao não contribuir para o meu país no momento em que mais precisava de mim. Por isso, estou tranquilo, mas estou com muita saudade do Parlamento.

RO: Mais alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar a essa entrevista?

Gostaria de pedir a toda à comunidade internacional a maior compreensão, solidariedade sempre com o meu país, e aos guineenses tentem definitivamente na diversidade fazermos a sinergia necessária para tirarmos o nosso país da situação em que está, porque se o país estiver bem, todos nós estaremos bem. O importante é que cada um de nós respeite a opinião contrária do outro, para juntos podermos consolidar a estabilidade que é tão importante para o nosso país.