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Um arquiteto que amava a vida e queria construir um mundo melhor BR

Um arquiteto que amava a vida e queria construir um mundo melhor

Com a partida de Oscar Niemeyer, a história da construção da sede das Nações Unidas perde o último sobrevivente do seleto grupo de 11 profissionais escolhidos a dedo para projetar um dos edifícios, considerados mais importantes da arquitetura mundial.

Mônica Villela Grayley, da Rádio ONU em Nova York.

A história da construção da sede das Nações Unidas é contada, em detalhes, no documentário  “Worshop for Peace”. O grupo gerenciado pelo arquiteto americano, Wallace K. Harrison, tinha literalmente, nas mãos, a responsabilidade de desenhar o prédio que abrigaria a maior organização internacional do mundo.

Oscar Niemeyer era considerado o caçula do grupo, que tinha como destaque o renomado arquiteto suíço, Le Corbusier, que também havia sido mestre do brasileiro.

Proposta Vitoriosa

Na última entrevista que concedeu à Rádio ONU, cuja maior parte permaneceu inédita até esta quinta-feira, Niemeyer explicou sua apreensão ao descobrir que o seu projeto havia sido escolhido para ser a sede. O que segundo ele, aborreceu o famoso Le Corbusier.

“Ele ficou irritadíssimo porque não foi escolhido, marcou um encontro comigo no dia seguinte e pediu para fazer esta mudança. Eu era jovem, sentia que ele estava muito irritado, muito chateado, e concordei com a mudança. Foi muito ruim porque meu projeto criava a praça das Nações Unidas e o prédio junto com a Assembleia grudada, não é bom.”

Maquete Inicial

Os 11 arquitetos trabalhavam horas a fio para apresentar seus projetos que foram recebendo números. A maquete inicial de Niemeyer, por exemplo, obteve o número 17.

O conceito do brasileiro, que sugeria construção de uma praça monumental no meio do terreno, foi apoiado pela imensa maioria do grupo para surpresa do mestre Le Corbusier, que insistia que seu projeto, o de número 23, era mais adequado às necessidades da futura sede da ONU.

A notícia sobre o sucesso de Niemeyer foi dada ao grupo por Harrison, mas após a argumentação de Le Corbusier, ficou acordado que Niemeyer desenvolveria uma nova maquete aproveitando as ideias do mestre suíço. Deu-se início aí a um novo projeto o de número 32, que incorporava as sugestões de “Corbu”, como era chamado pelos amigos o arquiteto-mestre.

Praça Monumental

Niemeyer queria criar uma praça monumental do meio do terreno, colocando a Assembleia Geral no canto, mas para o mestre do brasileiro, a Assembleia devia estar no centro de tudo. Niemeyer recuou, mas depois de muitos anos, disse que não se arrependeu do gesto gentil que teve para com o mestre.

“Mas o que eu vou fazer, passou-se um tempo, eu almocei com ele, e ele me disse: `Você foi generoso.´ Eu fiquei pensando: ele está se lembrando daquela manhã que ele pediu para mudar isso, e eu concordei. Mas eu não estou arrependido não. Afinal, realmente, eu fui gentil com ele.”

Ainda de acordo com o documentário “Worshop for Peace”, esse não foi o primeiro drama enfrentado por Niemeyer durante o processo de produção do conceito da sede da ONU. Por pertencer ao Partido Comunista, ele teve dificuldades para chegar aos Estados Unidos. A viagem só foi autorizada quando o Secretário-Geral da época, Trygve Lie, interveio dizendo que a ONU era território internacional.

Mas o tempo em Nova York agradou a Niemeyer, como lembrou à Rádio ONU nesta entrevista de 2009, ao falar também do líder do projeto, Wallace K. Harrison, um dos defensores da maquete inicial de Niemeyer.

“Ah, eu gostei muito do Harrison, do Abramovitz. Foram sempre muito corretos comigo. De modo que o ambiente foi sempre muito favorável.

Rádio ONU: E o que o sr. fazia na cidade, quando o sr. não estava trabalhando. Como o sr. se divertia?

Eu estava com a minha mulher. Andava com ela pela cidade, ia ao teatro, ia à livraria. Normal. Gostei muito de Nova York, do povo americano, um ambiente muito... tinha prazer de estar lá, (gostava) principalmente do Harrison que era um sujeito muito correto.”

Como não podia deixar de ser, ao ser perguntado, Niemeyer encerrou a entrevista dando uma aula de arquitetura e uma segunda lição preciosa sobre a vida.

“O projeto depende do terreno. Do que tem em volta. Ele tem que se integrar na cidade. Daí é que parte o projeto. É saber o espaço que tem em volta, que tipos de prédio que existem, essa coisa. Eu digo a você com franqueza: eu acho que a vida é mais importante que a arquitetura. É a gente fazer o mundo melhor. Eu acho que a arquitetura é uma profissão. É isso. A gente tem que se interessar pelas outras coisas. Está bom?”

Nesta quinta-feira, o Secretário-Geral da ONU emitiu uma nota de pesar pela morte do arquiteto. O falecimento de Niemeyer também foi lamentado em comunicado pela diretora-geral da Unesco, Irina Bokova.