Perspectiva Global Reportagens Humanas

Oscar Niemeyer: A última entrevista à Rádio ONU

Oscar Niemeyer: A última entrevista à Rádio ONU

Em março de 2009, ligamos para o único arquiteto sobrevivente do grupo dos 11 que desenharam a sede das Nações Unidas para ouvir a opinião dele sobre a reforma do edifício. Fomos recebidos, calorosamente, primeiro por dona Vera, esposa de Oscar Niemeyer, que passou o telefone ao arquiteto. Era a nossa terceira conversa, em menos de dois anos, sobre os planos de renovação do prédio, que levou  mais de 60 anos com as instalações originais.

Com a gentileza de sempre, Niemeyer falou conosco sobre o papel da arquitetura no século 21, recordou seu tempo em Nova York, mas preferiu não entrar em detalhes sobre a reforma. “Aí, teria que conhecer o projeto. Não dá para dizer assim.”  No fim, prestou um brinde à vida: Eu digo a você com franqueza: eu acho que a vida é mais importante que a arquitetura. É a gente fazer o mundo melhor. Eu acho que a arquitetura é uma profissão. É isso.” 

Praça

Rádio ONU: Dr. Oscar Niemeyer, em primeiro lugar, muito obrigada por falar conosco aqui na Rádio ONU. É sempre um prazer ouvi-lo.

Oscar Niemeyer: Muito obrigado.

RO: Não. Nós que agradecemos. Eu gostaria de começar perguntando ao sr., que participou ativivamente da construção deste prédio, sobre a sua opinião sobre os trabalhos de reforma da sede da ONU em Nova York.

ON: O que eu posso dizer é que o meu trabalho foi escolhido. Aí o Corbusier me procurou, pedindo se podia trazer a Grande Assembleia, que eu tinha botado no canto, para criar a Praça das Nações Unidas, para o centro do terreno. Eu era jovem. Ele era importante, eu concordei. Então apresentamos o projeto definitivo. Mas foi muito ruim porque a praça que eu tinha previsto desapareceu. E o prédio, como os outros que ele tinha feito, está grudado no prédio alto. Eu acho que foi muito ruim.

Mudança

RO: E o sr. chegou a conversar com ele sobre esta mudança de última hora. Como é que ele reagiu?

ON: Não. Ele ficou irritadíssimo porque não foi escolhido. Marcou um encontro comigo no dia seguinte e pediu pra fazer essa mudança. Eu era jovem, tinha preocupação, sentia que ele estava muito irritado, muito chateado, e concordei com a mudança. Foi muito ruim porque o meu prédio criava a praça das Nações Unidas. E o prédio grande com a Assembleia grudada não é bom.

RO: Não é bom porque, dr. Oscar?

ON: Porque não há razão para ter um prédio grudado no outro.

RO: Haveria, por exemplo, mais espaço com o seu projeto inicial para as pessoas poderem caminhar...

Obra

ON: No projeto meu, a Assembleia não estava ali. Estava no canto do terreno.

Oscar Niemeyer Eu tinha criado a praça das Nações Unidas. Mas foi... O que que eu vou fazer. Passou-se um tempo, um dia eu almocei com ele, e ele me disse “Você foi generoso.” Eu fiquei pensando: ele está se lembrando daquela manhã que ele pediu para mudar isso, e eu concordei. Mas eu não estou arrependido não. Afinal, realmente, eu fui gentil com ele.  Mas no interesse da obra, eu não devia ter concordado.

RO: Quem não deveria ter concordado?

ON: Eu. Eu não devia ter aceito de mudar a posição da Grande Assembleia.

RO: Agora, nesta proposta do senhor, a praça seria arborizada?

Grande Escultura

ON: Não. Era uma praça monumental. Tinha uma grande escultura. E o prédio da Grande Assembleia ficava no canto do terreno. Mas isso já passou também. O prédio está feito. É coisa do passado, né? Não me arrependo porque eu fui gentil com ele. Ele tinha sido mestre.

RO: Ele foi o seu mestre?

ON: É. Se fosse hoje, eu não aceitava.

RO: Hoje, o que o sr. diria a ele?

ON: Que não. Que o projeto era aquele.

RO: O sr. “bateria o pé”, como a gente diz em português?

ON: É lógico. Meu projeto era aquele. Eu criei a praça. Não vou agora botar o prédio no meio do terreno.

Áreas de Lazer

RO: O sr. acha que se eles tivessem concordado com seu projeto, o prédio estaria hoje em melhores condições?

ON: Ah, muito melhor. Tinha a praça que desapareceu, não é? Mas o projeto dele anterior era sempre a Assembleia no meio do terreno. Ele tinha essa mania: sempre a Assembleia no meio do terreno e pronto.

RO: O sr. uma vez conversou comigo e disse que em vez de crescer para cima, os prédios deveriam crescer para o lado e proporcionar mais áreas de lazer. O sr. continua concordando?

Reforma da Sede

ON: Eu acho que meu projeto estava perfeito.

RO: Dr. Oscar Niemeyer, hoje por exemplo, o prédio tem que ser totalmente reformado. Os arquitetos hoje têm um grande preocupação com as regulações de direito ambiental. Se o sr. estivesse aqui hoje, o que o sr. diria para estes arquitetos que estão fazendo esta reforma da sede?

ON: Eu não diria nada porque eu não gosto do projeto, não é?  Eu não gosto da obra realizada.

RO: Agora em se tratando de uma grande sede de um organização internacional. O que deve ter, o que deve se pensar hoje em dia?

Lembrança

ON: O projeto depende do terreno. Do que tem em volta. Ele tem que se integrar na cidade. Daí é que parte o projeto. É saber o espaço que tem em volta, que tipos de prédio que existem, essa coisa.

RO: No caso das Nações Unidas que tem um terreno que o sr. conhece bem, o que o sr. iria propor.

ON: Eu fico come medo de estar pretensioso, mas eu achava meu projeto muito bom.

RO: Dr. Oscar, e alguma coisa interessante deste tempo que o sr. passou aqui. Porque o sr. como me disse, uma vez, era um arquiteto jovem, cercado de grandes nomes da arquitetura mundial. Alguma lembrança importante de Nova York?

ON: Ah, eu gostei muito do Harrison, do Abramovitz. Foram sempre muito corretos comigo. De modo que o ambiente foi sempre muito favorável.

Serviços na Europa

Oscar Niemeyer RO: E o que o sr. fazia na cidade, quando o sr. não estava trabalhando. Como o sr. se divertia?

ON: Eu estava com a minha mulher. Andava com ela pela cidade, ia ao teatro, ia à livraria. Normal. Gostei muito de Nova York, do povo americano, um ambiente muito... tinha prazer de estar lá, (gostava) principalmente do Harrison que era um sujeito muito correto.

RO: Existe alguma grande obra que o sr. não tenha sido contatado para fazer, mas que gostaria de fazer?

ON: Tenho serviços na Europa, tenho na Espanha, na França, na Argentina. Tenho diversos trabalhos já. De modo que estou muito ocupado até. 

RO: Qual é o seu próximo projeto?

Vida e Profissão

ON: Ah, tenho diversos treinamentos. Teatro Grande Argentina. Tenho na França um projeto. Tenho na Espanha, um conjunto com um museu, um teatro. Eu tenho trabalho demais.

RO: Ou seja, acho que a gente tem que encerrar esta entrevista para o sr. continuar o seu trabalho...

ON: Ah, foi um prazer falar com você. Você não pensa que eu sou pretensioso não, eu contei o que eu sinto.  Eu digo a você com franqueza: eu acho que a vida é mais importante que a arquitetura. É a gente fazer o mundo melhor. Eu acho que a arquitetura é uma profissão. É isso. A gente tem que se interessar pelas outras coisas. Está bom? Muito obrigado!

FIM