Perspectiva Global Reportagens Humanas

Mulheres são mais eficazes em comunidades, diz chefe dos boinas-azuis da ONU

Jean-Pierre Lacroix, subsecretário-geral para Operações de Paz, informa os membros do Conselho de Segurança sobre as ameaças à paz e segurança internacionais.

Nós temos que trabalhar para fazer com que o contexto das operações de paz permita que as mulheres se sintam bem-vindas

Jean-Pierre Lacroix , Chefe das Operações de Paz da ONU

UN Photo/Eskinder Debebe
Jean-Pierre Lacroix, subsecretário-geral para Operações de Paz, informa os membros do Conselho de Segurança sobre as ameaças à paz e segurança internacionais.

Mulheres são mais eficazes em comunidades, diz chefe dos boinas-azuis da ONU

Paz e segurança

A participação feminina em temas de manutenção da paz e segurança internacionais é uma pauta constante na ONU. Outubro é o mês da presidência rotativa do Brasil do Conselho de Segurança e terá um debate sobre a agenda de Mulheres, Paz e Segurança com foco na maior presença do grupo nessas ações. 

Neste primeiro Podcast ONU News da segunda temporada, o chefe das Operações de Paz da ONU, Jean-Pierre Lacroix, fala da eficácia da atuação de boinas-azuis mulheres. A conversa aconteceu logo após sua visita à África, em junho. O Brasil comanda milhares de boinas azuis na RD Congo. Angola apoia a busca de paz no país e Portugal está presente no contingente na República Centro-Africana.

ONU News, ON: Ele tem mais de 30 anos de experiência como funcionário do Ministério das Relações Exteriores do seu país, a França. Desde 2017 é o subsecretário-seral do Departamento de Operações de paz, aqui das Nações Unidas. Estamos falando de Jean-Pierre Lacroix, o convidado dessa semana do Podcast ONU News. Quem vai fazer a primeira pergunta para ele é o Eleutério Guevane

Bem-vindo à nossa conversa. Com seu português fresquinho, que ouvimos falar há pouco tempo em Angola, o idioma foi o veículo que usou quando acabou de entrar nesta missão e nos disse: eu quero mais gente do Brasil aqui. Como é que acha que os países língua portuguesa podem ajudá-lo nesta operação?

Jean-Pierre Lacroix, JPL: Eu acho que os países de língua portuguesa têm um compromisso para avançar com o multilateralismo nas Nações Unidas, que é muito forte e resistente. Eles têm também um relacionamento muito intenso com a África, em particular. Por isso, eles têm um potencial para contribuir para as nossas operações de manutenção de paz.  De fato, já temos muitos funcionários e funcionárias uniformizados e civis que estão trabalhando nas nossas operações de manutenção da paz. Por exemplo, o general que comanda a forças da nossa operação de paz na República Democrática do Congo, RD Congo, é um brasileiro. Nós temos também soldados, ou capacetes azuis, de Portugal na República Centro-Africana. Já é uma contribuição muito importante, mas eu acho que tem um potencial para desenvolver mais essa contribuição.

“Países de língua portuguesa têm potencial de impulsionar forças de paz da ONU”

ON: Falou do Brasil intervindo na RD Congo. Angola também está dando apoio político num cenário que se considera um pouco complicado numa das maiores operações de paz em nível global. Para si qual é o desafio para o qual essas forças lusófonas se podem envolver mais?

JPL: É verdade que o cenário na RD Congo é muito complexo e muito perigoso. Com muita violência contra as pessoas, os civis. Infelizmente, isso inclui também a violência sexual.  A resposta é política e operacional, no sentido de que é preciso apoiar os esforços que as organizações regionais estão fazendo. Isso inclui também países como Angola, que tem um papel muito importante, mas nós temos que apoiar ainda as forças regionais já na RD Congo e trabalhar juntos com essas forças. Além disso devemos melhorar o relacionamento com as comunidades locais. Isso é muito importante, porque a Monusco, por exemplo protege mais de 100 mil pessoas num só região da RD Congo que se chama Itúri, no nordeste. Isso implica que nós tenhamos que ter uma relação de confiança com as comunidades. Não é somente usar a força para proteger essas pessoas, mas também ter esse tipo de relação aos que permita prever em vez de reagir, evitando a violência contra esses civis. É um contexto tão difícil, mas isso implica que nós tenhamos que fazer mais esforços políticos no nível da cooperação entre as várias forças que estão na República Democrática do Congo e, certamente, com as autoridades congolesas.

ON: Subsecretário-geral, o senhor falou agora sobre violência sexual. É uma situação de extrema violência de grupos armados etc. Mas qual a diferença que as mulheres neste contexto” E queria que falasse um pouco dessa ultrapassagem que o senhor conseguiu, ainda que tímida, mais com relação ao avanço de mulheres nas forças de paz. Como atrair mais mulheres?

JPL: Eu acho muito importante para nós ter mais mulheres nas nossas operações de manutenção da paz. Eu penso que mais mulheres na manutenção de paz significa uma manutenção da paz mais eficaz. A gente vê a cada dia. Isso tem várias razões. Como nós fazemos parte das Nações Unidas, nós temos que contribuir para as metas das Nações Unidas de promover o papel das mulheres em nossas atividades. 

É muito claro que quando a gente tem mais mulheres nas operações e paz, incluindo mais membros nos componentes uniformizados, isso nos permite estabelecer uma relação muito mais forte, de confiança com as comunidades, com as mulheres e as crianças abaladas por conflitos e pela violência. Nos contextos como o da RD Congo é muito importante. Isso faz uma diferença tremenda.

Jean-Pierre Lacroix aponta como prioridade investir em aumentar boinas-azuismulheres
Monusco/Biliaminou Alao
Jean-Pierre Lacroix aponta como prioridade investir em aumentar boinas-azuismulheres

ON: Mas, ao mesmo tempo, é um ambiente muito dominado por homens, não? Então, como atrair mais mulheres nesses países?

JPL: Muitos países têm recursos, mas não têm muitas mulheres nas suas Forças Armadas ou na polícia. Então, esse também é um problema de recursos. O que podemos fazer é pedir que os países façam mais esforços para atrair mulheres para as Forças Armadas. 

Nós temos que trabalhar para fazer com que o contexto das operações de paz permita que as mulheres se sintam bem-vindas, tal como os homens. Isso é um desafio. Nós falamos muito com nossas colegas mulheres. Eu tenho ouvido muitas vezes delas que é um trabalho muito interessante, que existe um nível muito forte de motivação, mas as mulheres não se sentem sempre bem-vindas nesses contextos e isso tem que mudar. 

ON: E o senhor é pessoa certa para mudar. Já aumentou o número de mulheres nas tropas...

JPL: O número de mulheres aumentou muito na polícia e nos componentes militares. Temos que fazer mais para continuar aumentando o número, mas também trabalhar nesse tema de como fazer para que as mulheres se sintam melhor e bem-vindas.

ON: É um exercício constante. Mas outro exercício constante é sua intimidade com a língua portuguesa.   Como é que o senhor aprendeu português? Foi no Brasil...

JPL: Eu aprendi no Brasil e quando cheguei, faz muito mais de 30 anos, eu falava espanhol porque facilita. Em particular no Brasil. Para os franceses é mais fácil perceber o português. 

Subsecretário-geral da ONU para Operações de Paz, Jean-Pierre Lacroix, durante missão na República Democrática do Congo
©UN Photo/Eskinder Debebe
Subsecretário-geral da ONU para Operações de Paz, Jean-Pierre Lacroix, durante missão na República Democrática do Congo

ON: Dava para entender? Os brasileiros entendiam? 

Fiz esforço. O espanhol e o português, são línguas diferentes, mas parecidas. Mas o jeito brasileiro torna mais fácil a gente aprender nas primeiras fases quando a gente aprende.

ON: Aprendeu ainda como diplomata novo no Brasil, com mais ou menos 20 anos. Como aprendeu a língua no Brasil?

JPL: No Brasil e depois em vários países usando o português. 

ON: Quais as palavras da língua de que mais se lembra e deixam memórias de momentos com o português no Brasil. 

JPL: Jeitinho e misto quente. Comida da rua.

ON: A nossa entrevista está acabando com o subsecretário-geral do Departamento de Operações de Paz. Muito obrigado por ter vindo. 

 Muito obrigado.