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Coordenadora humanitária da ONU na Líbia explica situação do país

A portuguesa Maria Ribeiro está à frente da resposta humanitária das Nações Unidas na Líbia

A situação está cada vez mais severa, mais difícil

Maria Ribeiro , coordenadora humanitária das Nações Unidas na Líbia

ONU
A portuguesa Maria Ribeiro está à frente da resposta humanitária das Nações Unidas na Líbia

Coordenadora humanitária da ONU na Líbia explica situação do país

Paz e segurança

A portuguesa Maria Ribeiro está à frente da resposta humanitária das Nações Unidas na Líbia; ao nível nacional, a representante está na liderança de um apelo de US$ 202 milhões para ajudar mais de 500 mil líbios.

São necessários cerca de US$ 202 milhões para fornecer ajuda a mais de 550 mil pessoas em situação de fragilidade na Líbia. Os números fazem parte do apelo humanitário feito pelas Nações Unidas e o Governo de Acordo Nacional na Líbia.

Em entrevista exclusiva à ONU News, de Trípoli, a coordenadora humanitária das Nações Unidas no país, Maria Ribeiro, diz que “a situação está cada vez mais severa.”

Na conversa, a responsável explica ainda quais são as maiores dificuldades e afirma que os mais vulneráveis ficarão sem assistência se o apelo não tiver resposta. A representante enfatiza que crianças são sempre as maiores vítimas nestas situações.

ONU News (ON): Como está a situação humanitária no país e porque foi feito este apelo?

Maria Ribeiro (MR): Como sabemos, a Líbia tem atravessado desde 2011 uma situação política e de segurança bastante difícil e complexa e que tem vindo cada vez mais a contribuir para a deterioração da situação humanitária no país, em termos de serviços de saúde, de economia e de outros aspetos.

E é por isso que lançamos o quarto apelo humanitário para a Líbia, que realmente tenta focalizar sobre as populações mais vulneráveis. Através de análises que temos feito, 820 mil pessoas na Líbia, ou seja 11% da população, encontram-se em necessidades humanitárias.

820 mil pessoas na Líbia, ou seja 11% da população, encontram-se em necessidades humanitárias.

ON: Quais são as maiores dificuldades neste momento?

MR: As maiores dificuldades, neste momento, são o facto de o impacto da crise política e de segurança sobre a vida econômica das pessoas e a capacidade das pessoas de poderem responder às suas necessidades de base.

Também o facto de que a qualidade e a prestação de serviços de saúde e de educação e de água e saneamento são cada vez mais vulneráveis.

Outro aspecto são as áreas do país em que ainda existe conflito. Estamos a falar, sobretudo, sobre a região do sul da Líbia, e lugares como Brega, no leste, que há mais de dois anos está em situação de conflito. Também temos de falar da situação dos migrantes que se encontram na Líbia, sobretudo aqueles que se encontram nos centros de detenção.

Haleema, de 42 anos, segura seus dois filhos gémeos, em campo de deslocados internos em Tawergha
Haleema, de 42 anos, segura seus dois filhos gémeos, em campo de deslocados internos em Tawergha, by Ocha/Giles Clarke

ON: Maria Ribeiro está na Líbia desde 2017, já foram feitos quatro apelos. Pode dizer como é que a situação tem progredido? É pior neste momento do que era em 2017 e 2016?

MR: É interessante que, de facto, o apelo este ano é para cerca de US$ 200 milhões, enquanto no ano passado era cerca de US$ 300 milhões. A razão para isso não é que a situação esteja melhor. De facto, a situação está cada vez mais severa, mais difícil. Mas temos melhores acessos, temos melhores análises, e podemos melhor definir as necessidades e os grupos vulneráveis. Podemos melhor fazer uma análise.

Outro aspecto é que grande parte dos problemas da Líbia não são problemas humanitários, mas sim problemas que necessitam respostas de reconstrução, desenvolvimento, desenvolvimento institucional do sistema de Estado, dos serviços, da justiça, da segurança. Por isso, a parte humanitária é só uma parte da situação na Líbia.

Nós estamos, através da Missão das Nações Unidas na Líbia, Unsmil, e através de agências das Nações Unidas, a trabalhar com as instituições líbias nos aspetos mais de desenvolvimento e de reconstrução. Mas a base mais importante é que a Líbia precisa de paz. A Líbia precisa de unificação e reconciliação.

A base mais importante é que a Líbia precisa de paz. A Líbia precisa de unificação e reconciliação.

ON: Se as Nações Unidas não fizerem este trabalho, se este apelo não tiver resposta, qual é a alternativa?

MR: Primeiro, tem de se dizer que a Líbia tem recursos. A Líbia tem recursos humanos, tem recursos naturais, tem um potencial econômico muito grande. Por isso, o que nós podemos fazer enquanto Nações Unidas é um pouco apoiar ou iniciar e mostrar o que é possível fazer.

Por exemplo, no ano passado tivemos um financiamento muito baixo do plano humanitário. Se nós não tivermos os financiamentos necessários para este apelo, quer dizer que as pessoas mais necessitadas e mais vulneráveis não vão ter a assistência necessária.

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ON: Pode dizer como é que o conflito está a afetar, especificamente, a situação das crianças na Líbia?

MR: Vou dar um exemplo muito grande. Em dezembro, deste ano, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, e a Organização Mundial da Saúde, OMS, com o Ministério da Saúde, fizeram uma campanha nacional de vacinação contra o sarampo. Conseguiram vacinar mais de 2 milhões de crianças. Há muitos, muitos anos que não era necessário fazer uma campanha contra o sarampo. Isso mostra que os serviços de base de saúde para as crianças estão a falhar e, por isso, foi necessário fazer isso.

Outro aspecto é a situação do sistema de educação. Muitas crianças ou não vão à escola, porque a escola não existe ou os professores não aparecem para dar aulas, ou a qualidade da educação baixou muito. Temos tido também nas zonas onde existe mais conflito crianças que não podem ir à escola porque há problemas de segurança alimentar.

Muitas crianças ou não vão à escola, porque a escola não existe ou os professores não aparecem para dar aulas, ou a qualidade da educação baixou muito. 

Também existe sempre a tentação para os jovens de entrar nos grupos armados e nas milícias.

ON: Pode se dizer que as crianças são as maiores vítimas deste conflito?

Sempre. Podemos sempre dizer que as crianças são as mais vulneráveis, ou fazem pelo menos parte dos grupos mais vulneráveis.

 

 

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