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Exclusiva: “Missão cumprida. Nós estamos saindo na hora certa” do Haiti

Exclusiva: “Missão cumprida. Nós estamos saindo na hora certa” do Haiti

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O comandante das Forças da Missão da ONU no Haiti, Minustah, falou à ONU News, de Porto Príncipe, do fim das operações do Brasil no caribenho neste 31 de agosto. O general Ajax Porto Pinheiro crê numa nova geração e distinta da que viveu o auge da violência. Um misto de sentimentos marca o fim da ação das forças brasileiras que com 37,5 mil homens formaram o maior contingente presente no Haiti desde 2003.ONU News (ON): General Ajax Porto Pinheiro comanda as forças das Nações Unidas no Haiti, 31 de agosto de 2017 o que significa esta partida das forças brasileiras do país? 

Ajax Porto Pinheiro (APP): 31 de Agosto baixamos pela última vez a bandeira do Brasil e em seguida a da ONU na principal base que a Minustah manteve nos últimos anos, que é a Base General Bacelar. Dentro dela tem a Companhia de Engenharia do Brasil e o Brabat (Batalhão Brasileiro de Força de Paz).  Então é um dia significativo. Representa o encerramento das operações das tropas brasileiras que estão aqui desde junho de 2004. São mais de 13 anos, muito mais que uma década de trabalho nesta missão que é a mais importante missão de paz que o Brasil já participou em sua história. Esta participação das tropas brasileiras nesta missão ela é tão importante que só tem paralelo com o conflito que ocorreu em 1865, na América do Sul, na conhecida guerra da Tríplice Aliança. Só para esta guerra nós mandamos mais tropas para o exterior do que agora mandamos  para a Minustah, que gira em torno de mais de 35 mil homens que nós mandamos ao longo desses 13 anos. É a maior operação militar fora do país que nós realizamos desde 1865-1870. Nós estamos finalmente baixando nossa bandeira.

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Tropas brasileiras forneceram ajuda humanitária no Haiti. Foto: Minustah.
ON: Treze anos depois, que momentos marcantes queriam deixar desta operação?

APP: É difícil resumir 13 anos mas tem quatro momentos marcantes. A chegada em 2004 e os combates para tirar território das gangues que causavam grande instabilidade no país. Em 2004 e até meados de 2007 as tropas brasileiras e as tropas da ONU impuseram a ordem onde as gangues tinham completo domínio que eram Cité Militaire, Belair e Cité Soleil e depois veio o terremoto de 2010 onde as tropas tiveram que não só capturar os líderes das gangues que fugiram após o terremoto quando os presídios abertos, até por uma questão humanitária ninguém tinha como manter presos mais de 5 mil presidiários na capital. As tropas nesse momento passaram também a atuar em ajuda humanitária em 2010. Depois vieram as eleições. São três eleições presidenciais. A última encerrou agora com a assumpção do presidente em 7 de fevereiro. O início das operações, os atritos depois de 2010, a  ajuda humanitária e o ataque às gangues novamente. As três eleições presidenciais, o grande trabalho que se teve após o furacão que atingiu o país em 4 de outubro do ano passado. Se eu tivesse que sintetizar, além de todo um trabalho anônimo que foi feito, esses seriam os quatro grandes marcos que nós tivemos na missão.

ON: As tropas do Brasil participaram na frente humanitária. Houve uma intervenção forte das forças brasileiras. Como é que vai ficar marcada a presença e a atuação nessas frentes humanitária e ao nível da comunidade?

APP: Nas várias comunidades do Haiti, a lembrança que elas terão é exatamente dessa ajuda humanitária e desse trabalho que foi feito junto às comunidades. Principalmente na capital, mas agora depois de 2015 quando diminui o efetivo das forças da ONU e ficamos com menores quantidades de tropas, as tropas brasileiras passaram a atuar em cinco departamentos. Essa ajuda humanitária e esse trabalho social foram expandidos. A engenharia do Brabat fez um trabalho digno de referência para ser lembrado aqui. Ela escavou poços artesianos em áreas em que pequenas comunidades nunca tinham tido acesso à água jorrando do solo. Tinham dificuldade de captar água. A engenharia foi lá e fez esses poços artesianos em profundidades que às vezes ultrapassavam 150 metros e em terrenos rochosos. Esse foi um trabalho muito importante para essas comunidades. O fornecimento de água potável nos caminhões-tanque nos finais de semana para orfanatos, para hospitais e inclusive para presídios também e ONGs. A assistência médica odontológica que foi prestada pelos médicos odontólogos da companhia de engenharia e do Brabat esse é um trabalho que vai ficar marcado no coração de muitas comunidades haitianas inclusive  reconstrução e construção de escolas, uma herança que nós vamos deixar no país.

ON: Outubro vai marcar a saída do último homem da atual missão da ONU no Haiti. Até lá o que dizer dos que ficam no território e do que permanece do Brasil no Haiti?

APP: Para o Brasil foi uma grande lição de vida e uma experiência histórica. Nós voltamos marcados pelo que fizemos aqui. Aprendemos muito na parte operacional devido à oportunidade que tivemos de conviver com exércitos de outros países. A experiência é enriquecedora. Aprendemos muito com logística porque tivemos que manter uma tropa distante do país e essa tropa em condições de atuar em qualquer momento e conseguimos fazer isso aí. As Forças Armadas no Brasil trabalharam integradas para manter essas tropas aqui e cumprir bem sua missão. Para o Haiti fica a certeza de que nós entregamos um país muito melhor do que aquele que encontramos em 2004. O Haiti é um país estável. Viveu 13 anos de paz com alguns percalços, alguns momentos de tensão mas foram três presidentes eleitos. O país funciona e o legislativo está funcionando. As instituições do Haiti têm melhorado sensivelmente. A economia do país devido a esse clima de estabilidade melhorou e está melhorando. Nós estamos deixando, principalmente, uma geração que nos viu chegar. Em 2004, quem tinha cinco anos agora tem 18 anos. Essa geração Minustah é a geração que vai levar o país para um futuro melhor nas próximas décadas. Esse talvez seja o grande legado que estamos deixando agora que estamos partindo.

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Chefe militar da Minustah acredita que trabalho vai ficar marcado no coração de muitas comunidades haitianas. Foto: Minustah.
ON: Ao chegar ao país acredita que haja razões para considerar a missão cumprida?

APP: Missão cumprida. Nós estamos saindo na hora certa. Nós ajudamos o Haiti a alçar rumos mais altos. Eu costumo dizer que é como se nós tivéssemos treinado juntos. Nós e eles preparamos o avião para decolar. Eles vão descolar agora. Nós partimos tristes porque a missão está se encerrando. É um duplo sentimento de tristeza e, ao mesmo tempo, de felicidade por ter cumprido a missão que nos foi delegada pelas Nações Unidas para nós que somos peacekeepers (forças de paz).

ON: General Ajax Porto Pinheiro algo mais a dizer no fim desta conversa?

APP: São mais seis semanas que nós vamos ficar aqui. As tropas baixam a bandeira. Na primeira quinzena de setembro elas  começam a partir nos aviões da ONU. Ficam para trás 10% das tropas para cuidar do material e leva-lo para o porto. Eles devem embarcar por volta de 6 de outubro o material remanescente com alguns poucos militares que ficaram para trás. Aí eu reúno o meu Estado-Maior, tomo as últimas providências, aí nós já seremos em torno de 10 oficiais só, me despeço deles e vou a Nova Iorque fazer a apresentação do meu relatório. Daí eu sigo para minha casa no Brasil e a missão está cumprida a 15 de outubro!

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