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Para erradicar pobreza é preciso trocar caridade por direitos, diz relator especial

Minabige, 49, mora com o marido e a filha em uma pequena cabana de um cômodo no Sri Lanka, onde comem, cozinham, rezam, estudam e dormem, a poucos centímetros de um esgoto a céu aberto
© PMA/Josh Estey
Minabige, 49, mora com o marido e a filha em uma pequena cabana de um cômodo no Sri Lanka, onde comem, cozinham, rezam, estudam e dormem, a poucos centímetros de um esgoto a céu aberto

Para erradicar pobreza é preciso trocar caridade por direitos, diz relator especial

Direitos humanos

Em entrevista à ONU News Francês, Olivier de Schutter cita estigmas, discriminação e ausência de proteção por partes dos Estados; ele lembra que pessoas que vivem na pobreza convivem com humilhações, maus tratos e falta de serviços.

O relator especial sobre pobreza extrema e direitos humanos* das Nações Unidas, Olivier de Schutter, acredita que viver na pobreza inclui várias dimensões muitas vezes ignoradas em debates mais amplos.

Numa entrevista à ONU News Francês, ele abordou o significado de ser pobre e algumas formas de erradicação da pobreza.

Relator especial da ONU para a pobreza extrema, Olivier De Schutter
Foto: ONU/Jean-Marc Ferré
Relator especial da ONU para a pobreza extrema, Olivier De Schutter

Cuidados de saúde e educação

Para de Schutter, ser pobre não é apenas ter pouca renda e falta de acesso a um trabalho digno, mas também sobre sofrer humilhação, maus tratos sociais e institucionais por parte dos serviços do Estado e de administrações públicas.

Segundo o relator, as pessoas em situação de pobreza destacam suas experiências com estigma, discriminação no acesso ao emprego, habitação, cuidados de saúde e educação.

Ele acredita que para erradicar a pobreza é preciso “uma sociedade mais inclusiva, que troque caridade por direitos.”

Olivier de Schutter conta que, em muitos países, o apoio aos pobres assume a forma de sistemas de transferência de dinheiro, proporcionando às pessoas algum nível de suporte para evitar que caiam na pobreza extrema.

Crianças refugiadas da Síria vivem na pobreza na Jordânia.
© UNICEF/Moises Saman
Crianças refugiadas da Síria vivem na pobreza na Jordânia.

Orçamentos insuficientes

Mas são soluções temporárias, que não fornecem às pessoas direitos que possam reivindicar perante instituições independentes e são mal financiados. Segundo ele, normalmente os orçamentos disponíveis não cobrem as necessidades de toda a população.

Olivier de Schutter acrescenta que muitas pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, de fato, não têm acesso à proteção social porque enfrentam uma série de obstáculos, como não estarem cadastradas, não serem informadas sobre seus direitos ou não conseguirem preencher formulários online.

Para ele, o resultado é que essas medidas não beneficiam aos que deveriam ser amparados pela proteção social.

Estereótipos negativos

O especialista ressalta ainda que a pobreza deve ser vista como uma violação dos direitos humanos, e os pobres devem ter acesso a mecanismos de recursos se forem excluídos da moradia, da educação, do acesso a empregos ou mesmo da proteção social.

Em seu mais recente relatório, apresentado à Assembleia Geral da ONU em 28 de outubro, ele destaca formas de como proteger as pessoas em situação de pobreza desses estereótipos negativos.

De Schutter disse que, juntamente com a Organização Internacional do Trabalho, OIT, foi proposto um novo mecanismo de financiamento internacional, o Fundo Global de Proteção Social e a Conferência Internacional do Trabalho.

Em 2020, a Cepal calculou que a pobreza e a pobreza extrema alcançaram, respectivamente, 33,0% e 13,1% da população.
ILO/K.B. Mpofu
Em 2020, a Cepal calculou que a pobreza e a pobreza extrema alcançaram, respectivamente, 33,0% e 13,1% da população.

Mobilização de recursos

A ideia é que os países se comprometam a estabelecer pisos de proteção social, protegendo as suas populações dos riscos da existência, desde o nascimento até à morte, desde os abonos de família e maternidade até à aposentadoria, por idade, e incluindo subsídios de desemprego, de doença e assim por diante.

Para ele, com apoio internacional e a mobilização de recursos domésticos esses países devem conseguir implementar o desenvolvimento sustentável.

Objetivo de Desenvolvimento Sustentável número 1

Perguntado sobre se é possível erradicar a pobreza até 2030, o relator disse acreditar que, se a meta não for alcançada, será possível sim reduzir significativamente a pobreza chegando próximo a esse objetivo.

De Schutter acredita que a falta de otimismo se deve à crise alimentar e energética e a alta do custo de vida que afetam todos os países.

Ele acrescenta que como consequência da pandemia de Covid-19, a última estimativa é que o número de pessoas em extrema pobreza aumentará, talvez, 95 milhões em comparação com as previsões de 2019.

Mas a crise alimentar e energética levou governos a amparar suas populações através da proteção social.

Olivier de Schutter conclui que esta é uma oportunidade que pode ser aproveitada, se houver o financiamento certo e uma abordagem baseada em direitos para a proteção social.

*Os relatores de direitos humanos são independentes das Nações Unidas e não recebem salário pelo seu trabalho.