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Pandemia evidencia fragilidades e desigualdades globais, diz Amina Mohammed BR

Amina Mohammed é vice-secretária-geral da ONU.

Temos uma oportunidade única agora de utilizar essa crise para iniciar a Década de Ação para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Amina Mohammed , Vice-secretária-geral da ONU

ONU
Amina Mohammed é vice-secretária-geral da ONU.

Pandemia evidencia fragilidades e desigualdades globais, diz Amina Mohammed

ODS

Vice-secretária-geral fala à ONU News sobre crise mundial causada pelo novo coronavírus e consequências para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A senhora está preocupada com a possibilidade de que as desigualdades se acentuem com a pandemia?

Eu estou extremamente preocupada. A covid-19 é um multiplicador de ameaças. Nós temos uma emergência de saúde, uma emergência humanitária e agora uma emergência de desenvolvimento. Todas elas expressam as desigualdades em nossas sociedades. Nas economias avançadas, vemos altos índices de mortalidade entre grupos que já eram marginalizados. E nos países em desenvolvimento essa crise irá atingir as populações vulneráveis ainda mais duramente. Sistemas de saúde frágeis não terão como responder a esta situação. E sistemas de proteção social débeis arriscaram-se a presenciar milhões de pessoas voltando para a pobreza. Já os governos com pouco poder econômico não terão como garantir rapidamente os impactos de uma recuperação. Essa pandemia vai afetar a todos. E ninguém será capaz de vencer esta situação sozinho. Precisaremos de uma demonstração extraordinária de solidariedade para que todas as pessoas saiam dessa fase mais fortes. Existe um risco de muitos ficarem para trás nesse momento. Qualquer aprofundamento dessas divisões é um risco de lançar as pessoas na pobreza, de perder os ganhos que já fizemos e de enfraquecer os nossos sistemas.

Ainda estamos percebendo em vários níveis como essa pandemia está expondo as desigualdades e fragilidades.

Até que ponto acredita que a covid-19 vai exacerbar os níveis de pobreza já acentuados nos países em desenvolvimento? 

Ainda estamos percebendo em vários níveis como essa pandemia está expondo as desigualdades e fragilidades. O FMI está projetando que a economia global deva contrair 3% este ano. A OIT alerta sobre o perigo imediato que 1,6 bilhão de trabalhadores no setor informal correm de terem sua subsistência destruída. Esse número representa quase metade da força de trabalho mundial. E as remessas pros países em desenvolvimento já caíram 20%. Tudo isso leva a níveis altos de pobreza. Na realidade, o Banco Mundial estima que 49 milhões de pessoas possam ser atiradas na pobreza extrema. Mas isto não é inevitável. Temos as ferramentas à disposição em todo o globo para dar aos países em desenvolvimento o espaço fiscal e os recursos que precisam para apoiar a renda dos mais pobres. Para proteger suas comunidades dos piores efeitos e para se prepararem para a recuperação. E fazendo isso, podemos nos recuperar melhor. Aumentando a cobertura de serviços essenciais e gerando empregos verdes para uma recuperação verde. 

 

A senhora espera que as mulheres sejam afetadas desproporcionalmente pela pandemia?

As mulheres estão na linha de frente da covid-19. Seja salvando vidas como agentes de saúde, pesquisando soluções como inovadoras ou e enfrentando a resposta à pandemia como líderes políticas. Mais homens estão morrendo de covid-19 que mulheres, mas as mulheres estão arcando com o fardo dessa pandemia em outras frentes. As mulheres representam quase 60% do setor informal. Elas recebem menos e estão sob maior risco de caírem na pobreza. Elas também são a maioria das pessoas idosas no mundo. E têm mais chance de viverem sozinhas e menos oportunidade de terem acesso à internet ou a telefonia móvel aumentando o risco de isolamento. Temos visto um aumento terrível de violência contra mulheres. Sabemos que o fato de as mulheres estarem em casa (com os agressores) está criando uma situação de violência doméstica. Igualdade de gênero e direitos das mulheres são essenciais para criar um futuro melhor para todos. E eu tenho sido inspirada por mulheres líderes que têm respondido a essa pandemia e têm mobilizado a união de todos em solidariedade contra a doença.

 

Que preocupações tem sobre a redução de financiamento de nações ricas à medida que a economia global sofre com a pandemia?  

Nesse momento, não estamos vendo nenhuma queda em financiamento. Para a ONU está
muito claro de que a resposta do mundo é tão forte quanto o sistema de saúde mais fraco. E os governos reconhecem que o vírus não tem fronteiras. Eles também sabem que a disseminação é rápida em contextos de crises humanitárias e num número de países em desenvolvimento. E os riscos de conflitos, instabilidade política ou deslocamento são bem reais. Ninguém se beneficia de uma situação assim. 

 

Pode haver alguns benefícios de curto prazo para o meio ambiente? Mas acredita que a ação para reduzir a mudança climática, que é central para a redução da pobreza, seja afetada a longo prazo? 

As emissões globais de dióxido de carbono devem baixar em cerca de 6% durante a pandemia. De qualquer forma, sabemos que esse momento não substitui a ação climática. As economias podem crescer e os postos de trabalho podem ser criados com ação climática ambiciosa se os investimentos feitos levam à descarbonização das economias globais. Nós precisamos de ação climática sustentável por muitos anos para alcançar as metas do Acordo de Paris.

Não podemos voltar ao mundo que tínhamos antes dessa crise. Isso significaria deixar as vulnerabilidades que essa crise trouxe sem resposta.

É possível tornar essa crise num catalizador para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e reduzir as desigualdades? 

Totalmente. E em vários aspectos aqui não existe outra alternativa. Não podemos voltar ao mundo que tínhamos antes dessa crise. Isso significaria deixar as vulnerabilidades que essa crise trouxe sem resposta. Temos falta maciça de investimentos  na saúde e na previdência social. Desigualdades maciças também locais e globais. Existe uma movimento contínuo de destruição da natureza e uma catástrofe climática. A erosão das normas democráticas centrais para proteger os direitos e assegurar a coesão social. Temos uma oportunidade única agora de utilizar essa crise para iniciar a Década de Ação para implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

 

O cronograma para cumprir os ODSs se torna agora irrealista? 

Esta crise já provou que é possível se alcançar uma enorme mudança quando existe vontade política e unidade de propósito.  Os ODSs deixaram se ser um conjunto de aspiração para um futuro distante. Eles são o mínimo que precisamos para assegurar um mundo mais seguro, mais justo do mais sustentável para todos.  Se líderes de toda a sociedade atribuem a mesma importância e urgência ao combate à fome, à pobreza, à mudança climática nós conseguiremos êxito na Década de Ação dos ODSs.