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Timor-Leste celebra 25 anos de autodeterminação e nomeia Guterres cidadão do país

Secretário-geral da ONU, António Guterres (à esquerda), recebe um presente em sua visita ao Parlamento do Timor-Leste.
UN Photo/Kiara Worth
Secretário-geral da ONU, António Guterres (à esquerda), recebe um presente em sua visita ao Parlamento do Timor-Leste.

Timor-Leste celebra 25 anos de autodeterminação e nomeia Guterres cidadão do país

Por Felipe de Carvalho, enviado especial da ONU News a Timor-Leste
Paz e segurança

Título foi atribuído de surpresa pelo Parlamento em atividade de comemoração do referendo supervisionado pela ONU; António Guterres disse estar orgulhoso em fazer parte de um “povo heroico”; celebração no estádio de Dili reúne autoridades e população em grande celebração da luta timorense e da parceria com a comunidade internacional. 

No aniversário de 25 anos do referendo que levou à independência de Timor-Leste, o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi surpreendido pelo anúncio da aprovação de uma resolução no Parlamento Nacional que o concedeu a cidadania timorense. 

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“Não sei como agradecer a distinção que acaba de ser anunciada. A única coisa que posso dizer é que a partir de agora há um secretário-geral das Nações Unidas que é simultaneamente português e timorense. E é com orgulho que assumo esta nacionalidade de um povo heroico e de tudo farei para que ao concluir minhas funções os timorenses possam se orgulhar do que esse seu cidadão possa ter feito”.

Mobilização da comunidade internacional

O anúncio foi feito pela presidente do Parlamento Nacional. Maria Fernanda Lay é a primeira mulher a presidir a casa legislativa no país e falou durante a sessão de celebração da consulta popular organizada pela ONU em 1999.

A distinção se deve ao papel que Guterres exerceu, enquanto primeiro-ministro de Portugal, em apoio à causa do povo timorense. Ele contou que na época telefonava para diversos líderes mundiais, “pedindo-lhes que usassem a sua influência para impedir um massacre em Timor-Leste”.

Segundo ele, naquela época “o mundo era diferente de hoje e foi possível mobilizar a comunidade internacional”, de modo que a paz e a segurança prevaleceram.

Coragem e sentido de missão

A pequena nação insular foi uma colônia de Portugal até 1975. Após conquistar a independência, o país foi invadido pela Indonésia que só terminou a ocupação após um processo de pressão internacional onde as negociações conduzidas pela ONU foram fundamentais.

O referendo ofereceu ao povo timorense o direito à autodeterminação. As opções eram integração à Indonésia ou independência. A segunda opção recebeu 78,5% dos votos, mas o processo envolveu ondas de violência que arrasaram o país. A missão eleitoral da ONU estabelecida na época, Unamet, foi diversas vezes homenageada na sessão no Parlamento e recebeu menção especial pelo líder da ONU.

“As mulheres e os homens da Unamet deram provas de grande dedicação e profissionalismo ao organizarem um referendo de grande envergadura, num curto período de tempo e apesar das intimidações e ameaças. Após a realização da Consulta Popular, e quando a violência alastrava, deram novamente provas de enorme coragem e sentido de Missão”.

Sementes de uma nação livre e soberana

A situação só se estabilizou em setembro de 1999 com o envio de uma força multinacional aprovada pelo Conselho de Segurança, a Interfet. Guterres lembrou ainda outras missões da ONU que contribuíram com a paz em Timor-Leste.

Ele citou a Administração Transitória da ONU em Timor-Leste, Untaet, a Missão das Nações Unidas de Apoio a Timor-Leste, Unmiset, o Escritório da ONU em Timor-Leste, Unotil, a Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste, Unmit e, hoje, a equipe do País, com projetos que apoiam o desenvolvimento.

 

Secretário-geral da ONU, António Guterres, discursa no Parlamento do Timor-Leste.
UN Photo/Kiara Worth
Secretário-geral da ONU, António Guterres, discursa no Parlamento do Timor-Leste.

O líder da ONU elogiou a “enorme coragem e a determinação incansável do povo timorense” e disse que “o mundo tem muito a aprender com Timor-Leste”.

A líder do Parlamento, Maria Fernanda Lay, disse que o voto no referendo representou o peso de 24 anos de resistência à ocupação indonésia e serviu para “plantar as sementes de uma nação livre e soberana”. Emocionada, ela mencionou o relato de uma mulher anônima que disse numa entrevista no dia do referendo que “podia morrer em paz, pois estava deixando uma pátria para seus filhos”.

O presidente de Timor-Leste, José Ramos Horta, pediu um minuto de silêncio em nome de todos os mártires e heróis que permitiram que hoje todos estejam nessa “casa sagrada da democracia”, se referindo ao Parlamento.

“Dia glorioso”

No fim da tarde, houve uma grande celebração no Estádio Municipal de Dili, com a presença de líderes e embaixadores de diversos países. A comemoração abriu com apresentação ao vivo da música que embalou a campanha do referendo e até hoje é popular entre os timorenses.

O ex-funcionário da Unamet, Ric Curnow, que compôs a música em parceria com o grupo Lahane, subiu ao palco para cantar com os músicos timorenses.

Guterres abriu seu discurso em tétum, a língua local, e depois dispensou o texto que havia escrito para falar com base na “profunda emoção que sente” ao participar do aniversário do “dia glorioso no qual o povo de Timor-Leste votou massivamente para garantir a independência”.

Segundo ele, aquele dia só foi possível devido a décadas de resistência, onde os timorenses enfrentaram “as mais difíceis circunstâncias” e nunca desistiram.

Guterres afirmou que foi emocionante acompanhar de Portugal aquele momento “inesquecível”, com as notícias de que “o povo vinha aos milhares, descendo das montanhas para votar”.

Depoimentos da população

Maria Eudete de Barros que estava trabalhando no evento, responsável pelo bolo da celebração, contou que se separou do marido no dia da votação, e quando saiu o resultado não voltaram a se encontrar, pois ele e a filha foram mortos por forças indonésias. Ela disse que o país mudou muito em 25 anos, se tornando mais pacífico.

Antónia Martins, que tinha apenas três anos na época do referendo, disse que os que seus pais e avós fizeram pela independência foi uma “decisão emocionante”. Ela explicou que eles se sacrificaram para que os jovens possam ter liberdade hoje. Para Antónia, o sonho da juventude é o desenvolvimento, acabar com a pobreza e as desigualdades de classe.

A celebração envolveu ainda um discurso do primeiro-ministro, Xanana Gusmão, apresentações culturais, uma exibição de fotos do movimento de solidariedade internacional com protestos em todos o mundo em apoio à independência de Timor-Leste.

Por fim, foram disparados fogos de artifício enquanto uma comitiva composta por José Ramos Horta, Xanana Gusmao e António Guterres cortava o bolo da celebração. O ex-chefe da Unamet, Ian Martin, o ex-enviado especial da ONU, Tamrat Samuel, e a presidente do Parlamento, Maria Fernanda Lay, abriram as garrafas de champagne.