Perspectiva Global Reportagens Humanas

ONU: 90% da população mundial tem algum preconceito contra mulheres

Mulheres indígenas na Guatemala foram sistematicamente estupradas e escravizadas pelos militares em um pequeno posto avançado perto da comunidade Sepur Zarco durante o conflito civil de 36 anos. (abril de 2018)
UN Women/Ryan Brown
Mulheres indígenas na Guatemala foram sistematicamente estupradas e escravizadas pelos militares em um pequeno posto avançado perto da comunidade Sepur Zarco durante o conflito civil de 36 anos. (abril de 2018)

ONU: 90% da população mundial tem algum preconceito contra mulheres

Mulheres

Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, revela que preconceito não diminuiu desde a última década; globalmente, 25% dos entrevistados acreditam que é justificável agredir parceira; metade prefere homens liderando na política.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Pnud, divulgou o relatório “Índice de Normas Sociais de Gênero” nesta segunda-feira. O levantamento revela que 90% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito contra as mulheres.

O estudo, que cobre 85% da população mundial, ainda aponta que quase metade das pessoas acredita que os homens são melhores como líderes políticos do que as mulheres. Duas em cada cinco pessoas acreditam que eles também se saem melhor como executivos.

ONU: 90% da população mundial tem algum preconceito contra mulheres

Pouco avanço

O relatório também aponta que 25% dos entrevistados acreditam que “é justificável um homem agredir sua companheira.” Segundo o Pnud, não houve melhora no nível de preconceito contra as mulheres na última década.

Para o chefe do Escritório de Desenvolvimento Humano do Pnud, Pedro Conceição, as normas sociais que prejudicam os direitos das mulheres danificam a sociedade em geral e atrasam o avanço social. Ele explicou à ONU News o avanço da questão de gênero.

“Desde 2019 que o nosso índice de desigualdade de gênero que nós publicamos no nosso no nosso relatório de desenvolvimento humano não progride. E isto pode parecer um pouco contradição, porque, ao mesmo tempo, tem havido objetivos progressos em alguns aspetos da igualdade de género, por exemplo, no acesso à educação. A razão, para ir à sua pergunta, tem a ver com normas sociais. O que é uma norma social? Uma expetativa relativamente àquilo que a sociedade espera que seja o papel das mulheres em vários domínios da vida, seja no mercado de trabalho, seja no envolvimento com a política, seja em posições de liderança.”

Brasil

O Brasil foi o único país de língua portuguesa no estudo. Segundo o levantamento, 84,5% dos brasileiros têm pelo menos um tipo de preconceito contra as mulheres. O estudo analisou quatro dimensões: integridade física, educação, política e econômica.

A pior avaliação foi no quesito físico. Em média, mais de 75% dos brasileiros entrevistados têm preconceitos em questões de violência e direito de decisão sobre ter filhos.

No entanto, pouco mais de 9% avaliam que o estudo universitário é importante apenas para os homens.

E sobre a participação feminina na política, a pesquisa aponta que mais de 39% dos entrevistados acreditam que mulheres não desempenham este papel tão bem quanto os homens.

Além disso, 31% dos brasileiros acham que homens têm mais direito a vagas de trabalho ou são melhores em cargos executivos.

No geral, apenas 15,5% da população do Brasil afirma não ter preconceito contra as mulheres. O resultado representa um avanço de 5% desde 2012.

Violações de direitos humanos

Para a análise do Pnud, esses preconceitos geram obstáculos para as mulheres e vêm reduzindo seus direitos em muitas partes do mundo, com movimentos contra a igualdade de gênero ganhando força e levando a violações dos direitos humanos.

Os preconceitos também se refletem na falta de representação feminina em posições de liderança.

Em média, a proporção de mulheres como chefes de Estado ou de governo se manteve em torno de 10% desde 1995.

No mercado de trabalho, elas ocupam menos de um terço dos cargos gerenciais.

Pnud está apoiando mulheres comerciantes que retornam ao trabalho após a pandemia de Covid-19.
UNDP Tanzania
Pnud está apoiando mulheres comerciantes que retornam ao trabalho após a pandemia de Covid-19.

Educação e empoderamento econômico

O relatório ressalta a falta de conexão entre o progresso das mulheres na educação e o empoderamento econômico. Em 59 países, onde mais mulheres possuem formação do que os homens, a diferença média de renda entre gêneros permanece em 39% a favor dos homens.

Pedro Conceição lembra que a falta de progresso nas normas sociais de gênero está aprofundando a crise de desenvolvimento humano. Ele adiciona que todo mundo tem a ganhar com “a garantia de liberdade para as mulheres”.

Ação dos governos

O relatório do Pnud ressaltou ainda que os governos têm um papel crucial na mudança das normas sociais de gênero.

O texto afirma que medidas como a adoção de políticas de licença parental, que mudaram as percepções sobre as responsabilidades do trabalho de cuidado, e reformas do mercado de trabalho impulsionam a mudança nas crenças sobre as mulheres na força de trabalho.

Para a diretora da equipe de gênero do Pnud, Raquel Lagunas, reconhecer o valor econômico do trabalho de cuidado não remunerado é um importante passo a ser dado.

Ela explica que isso pode ser uma maneira muito eficaz de desafiar as normas de gênero sobre como o trabalho de cuidado é visto.

De acordo com a representante do Pnud, em países com os níveis mais altos de preconceito de gênero, estima-se que as mulheres gastem seis vezes mais tempo do que os homens em trabalhos de cuidado não remunerados.

Avanços

O relatório enfatizou que, apesar da prevalência contínua de preconceito contra as mulheres, os dados mostram que mudanças podem acontecer.

Os autores avaliam que, para impulsionar a mudança em direção a uma maior igualdade de gênero, o foco deve ser na expansão do desenvolvimento humano por meio de investimentos, seguros e inovação.

Isso inclui investir em leis e medidas políticas que promovam a igualdade das mulheres na política, fortalecendo sistemas de proteção e assistência social e encorajando inovações para desafiar normas sociais, atitudes patriarcais e estereótipos de gênero.

Discurso de ódio

Segundo o estudo, combater o discurso de ódio online e a desinformação de gênero pode ajudar a mudar as normas de gênero e aumentar a aceitação e igualdade.

O relatório recomenda abordar diretamente as normas sociais por meio da educação para mudar as opiniões, reconhecendo os direitos das mulheres em todas as esferas da vida e ampliando a representação na tomada de decisões e nos processos políticos.