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Cabo Verde é um país transnacional, diz presidente José Maria Neves

Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves
ONU News
Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves

Cabo Verde é um país transnacional, diz presidente José Maria Neves

Desenvolvimento econômico

Em entrevista exclusiva à ONU News, chefe de Estado fala da estratégia de reunir cabo-verdianos em todo o mundo para engajar a diáspora no desenvolvimento da nação, que tem mais cidadãos vivendo fora do que dentro do arquipélago.

José Maria Neves conversou com Monica Grayley sobre cooperação sustentável, língua portuguesa e crioula e a chegada de uma mulher a chefe de Estado ou governo do país africano. Neves termina a viagem oficial aos Estados Unidos, nesta quarta-feira 5 de abril.

ONU News: Sua viagem focou-se nos cabo-verdianos que vivem fora do país. Como essa diáspora cabo-verdiana pode ajudar no desenvolvimento sustentável de Cabo Verde. Como tem sido feitas essas parcerias?

José Maria Neves: A diáspora tem dado um grande contributo. As remessas dos imigrantes são muito importantes para o desenvolvimento de Cabo Verde. Desde a independência, que a diáspora, de uma forma ou de outra, tem contribuído para que Cabo Verde pudesse reconstruir-se enquanto país. E hoje, estamos a ter, uma participação qualitativamente superior. Participação na criação das nossas universidades, no desenvolvimento do sistema de saúde, nas tecnologias informacionais. Então, Cabo Verde é um país trans territorial, é um país transnacional. Os cabo-verdianos estão espalhados pelo mundo inteiro. E a diáspora cabo-verdiana pela sua diversidade, pela sua interdisciplinaridade, tem dado um contributo de valor para o desenvolvimento global do nosso país.

Cabo Verde tem projetos de cooperação climática com ONU
UN Photo/Mark Garten

ON: E o senhor está nessa missão, que termina amanhã, exatamente, a um mês do Dia Mundial do Língua Portuguesa. Eu gostaria de saber como o senhor tem vivenciado e experimentado a realidade da língua portuguesa na diáspora cabo-verdiana, que tem essa diglossia, convive com o crioulo, convive com o português. Como a promoção da língua tem sido feita nesse contexto?

JMN: Na verdade, Cabo Verde é um país bilíngue. Temos a língua materna cabo-verdiana, o crioulo. E temos a língua portuguesa. São dois patrimônios do país e as duas línguas devem crescer em paridade. É claro que na diáspora, geralmente, as pessoas falam a língua materna e a língua do país de acolhimento. E aí, temos que trabalhar, para que no final do ensino secundário, as pessoas sejam efetivamente proficientes na língua cabo-verdiana, proficientes na língua portuguesa e poderem, se possível também, ter fluências em outras línguas como o inglês e o francês. É esta a visão que nós temos. E, por isso, temos de continuar a trabalhar porque isso é uma riqueza. Ser multilíngue é uma riqueza. Trabalhar para que a língua portuguesa, que também é nosso patrimônio, seja valorizada e se afirme no contexto nacional, é nossa língua oficial também. E no contexto internacional. Onde nas Nações Unidas, na União Africana, na Cedeao e em outros fora internacionais fazemos um esforço enorme para promover e para falar a língua portuguesa.

ON: Presidente José Maria Neves, o senhor falou dos jovens e da diáspora. E a intenção que Cabo Verde tem de trazer esses jovens para Cabo Verde para que esse vínculo afetivo, nacional, civil permaneça. E ele já ocorre, claro, com os cabo-verdianos mais velhos que estão no exterior. E é mais ou menos o que outros países como Irlanda, tem feito, com bastante sucesso. Eu gostaria que o senhor me contasse algum encontro com esses jovens empreendedores cabo-verdianos. E como pode ser criada uma rede de cooperação para o desenvolvimento sustentável com esses jovens em todo o mundo?

JMN: Tive, vários encontros com jovens em vários espaços, designadamente jovens empreendedores. E a ideia é ver como eles estão a fazer seus empreendimentos aqui nos Estados Unidos e aqueles que têm a oportunidade de investir em Cabo Verde. Aqui, há mecanismos de financiamento. Há possibilidades de acesso a fundos. E a ideia é ver como é que podem consolidar seus negócios nos Estados Unidos e como podem difundir ideias sobre negócios, sobre financiamento, sobre gestão aos jovens que estão em Cabo Verde.

Projeto de reflorestamento em Cabo Verde
ONU Cabo Verde

E há uma grande abertura, há uma grande disponibilidade e até vontade de alguns de investirem diretamente em Cabo Verde. A nossa perspectiva é de termos jovens que sejam abertos, cosmopolitas, cidadãos do mundo. E que podem aproveitar as oportunidades que existem em Cabo Verde e que existem em outras partes do mundo. Esta é a nossa perspectiva. A nossa perspectiva não é que as pessoas fiquem confinadas em Cabo Verde, regressem a Cabo Verde e vivam apenas nesse espaço territorial. Não. A nossa perspectiva é de um país efetivamente trans territorial, transnacional, onde as pessoas possam aproveitar as oportunidades nas comunidades imigradas ou em Cabo Verde. É esta a nossa ideia.

ON: E Cabo Verde é um dos países mais ativos em desenvolvimento sustentável até mesmo por causa de todas as implicações que a emergência climática vem causando ao país. Eu gostaria de saber do senhor sobre a sua expectativa para essa Cimeira (dos ODS) que o secretário-geral está convocando para setembro. E o que o senhor gostaria de ver acontecendo mais principalmente entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento?

JMN: Bom, nós aqui temos a pandemia que acabou por levar a uma grande devastação. Mas, essencialmente temos de trabalhar para recuperar os nossos países. Para garantir parcerias e financiamento para podermos cumprir os Objetivos e Desenvolvimento Sustentável no horizonte de 2030. O que Cabo Verde gostaria de ver é esse compromisso da comunidade internacional no sentido de se garantir as parcerias e os financiamentos necessários, designadamente para fazermos face às mudanças climáticas, para garantirmos a transição energética, que é fundamental.

Para garantirmos a transição digital, mas também para desenvolvermos a agroindústria, o agronegócio em África e até para criarmos as condições para as pessoas terem mais oportunidades no continente, oportunidades de emprego, oportunidades de rendimento para que não estejam a aventurar-se para chegarem à Europa ou outros países mais desenvolvidos em condições de tamanha indignidade. Portanto, é encontrarmos um novo pacto, um novo consenso sobre como estabelecermos parcerias, como garantirmos os financiamentos necessários, como podermos eliminar as dissimetrias, as desigualdades nos termos de intercâmbio entre os países desenvolvidos e os menos desenvolvidos para conseguirmos que, efetivamente, haja a ascensão do sul e o desenvolvimento sustentável no horizonte de 2030.

José Maria Neves na Assembleia Geral da ONU
UN Photo/Cia Pak

ON: Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves. Uma pergunta que nós temos feito a todos os chefes de Estado e de governo que entrevistamos nos países de língua portuguesa é sobre o Objetivo de número 5 de igualdade de gênero.  E isso significa também igualdade e gênero com mulheres na política. E quando nós olhamos os países de língua portuguesa, não existe nenhuma mulher nem no cargo de primeiro-ministro nem no de presidente. O sr. contempla uma mulher num desses cargos em Cabo Verde num futuro próximo?

JMN: Eu acho que sim. Eu acho que esses cargos estão abertos. E há disponibilidade dos cabo-verdianos em votarem num homem ou numa mulher. Isso depende da apresentação, das ideias, da visão, do espírito de liderança do homem ou da mulher. Eu vejo sim. Não há nenhum constrangimento. Até porque as mulheres estão a ganhar espaços nas universidades, no sistema de saúde, na administração pública, na governação das empresas. E em muitos espaços, os rapazes estão até a ficar para trás. Portanto, eu sou muito otimista e acho que as mulheres têm todos os espaços para intervirem na vida política, econômica e social de Cabo Verde e também para serem eleitas para todos os cargos desde o presidente da República até o de deputado municipal.

ON: Deixo o espaço para suas considerações finais.

JMN: É para valorizar todo o trabalho das Nações Unidas e da comunidade internacional. Cada vez mais, põe-se, de facto, a importância da defesa do multilateralismo, a defesa do direito interacional, da Carta das Nações Unidas, e do respeito pela integridade territorial dos países, e sobretudo do diálogo e da solução negociada dos conflitos, que são valores muito caros às Nações Unidas. E é preciso que a humanidade dê uma oportunidade ao diálogo e à paz

FIM