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Presidente de Portugal pede a todos que ajudem a prevenir incêndios rurais

Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa
ONU News/ Daniela Gross
Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa

Presidente de Portugal pede a todos que ajudem a prevenir incêndios rurais

ODS

Em entrevista à ONU News, Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre “talvez a semana mais difícil do ano país” com a ameaça de fogo nas matas e a forte onda de calor, que atinge a vizinha Espanha; chefe de Estado também crê em urgência de transição para energia renovável.

Nessa entrevista, o presidente de Portugal fala ainda de proteção dos oceanos e termina com uma aposta: Portugal deve ver chegar uma mulher a primeiro-ministro e presidente num futuro próximo. Marcelo Rebelo de Sousa conversou com Monica Villela Grayley após discursar, remotamente, no Fórum Político de Alto Nível das Nações Unidas.

ONU News: Presidente, bem-vindo é um prazer recebê-lo aqui na ONU News em Português. 

Marcelo Rebelo de Sousa: Muito obrigado. É um prazer. É uma hora.

ON: Presidente, o sr. participa nesta quarta-feira do Fórum Político de Alto Nível, de forma remota por causa da situação dos incêndios florestais em Portugal. O que está acontecendo este ano? Como o país está lidando com esta emergência que também afeta a Espanha, pode se alastrar inclusive para França, Itália e outras partes?

MRS: Estamos vivendo talvez a semana mais difícil do ano porque as temperaturas estão muito altas. Porque a umidade é nula. Porque as noites são tão quentes quanto os dias. Porque tem havido ventos-leste portanto quentes, muito intensos. Então há uma cumulação de fator negativo. E esta cumulação levou à declaração, primeiro de estado de alerta, e depois de estado de contingência, o que é mais grave. E foi entendido que eu deveria ficar cá e o primeiro-ministro para um período que poderia ir até o final de semana, e provavelmente vai até o final da semana.

Destaque ONU News: Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa

ON: O senhor citou no seu discurso no Ecosoc, aqui no Fórum de Alto Nível, as alterações climáticas. Mas também existem, Presidente, incêndios criminosos, não? Pessoas que colocam fogo nas matas. O que cada um pode fazer para evitar esse problema?

MRS: É muito importante não apenas a atividade criminosa e a sua punição, e sua prevenção e a sua dissuasão, mas a negligência em situações explosivas de temperaturas muito altas superiores a 40ºC, 45ºC ou perto de 50ºC, e umidade zero com ventos muito intensos. Negligência é máquina agrícola trabalhando quando não devia trabalhar. Negligência é piquenique, atividade lúdica com fogo na floresta. Negligência é encontro de mota (moto) com o risco que tem. Em milhares e milhares de ignições que provoquem eventualmente... E, portanto, aí há também um fator de educação cívica e negligência. E, portanto, de necessidade, de diligência pessoal e proativa.

ON: Quer dizer, cada um pode fazer a sua parte neste grande mutirão que óbvio vai ajudar.

MRS: Deve fazer a sua parte. Deve fazer a sua parte.

ON: Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, vamos continuar falando de natureza. A Conferência dos Oceanos foi um sucesso. Mas agora começa o trabalho. O que Portugal vai fazer para tornar a Declaração de Lisboa uma realidade e avançar também no sentido de um Tratado Global para os Oceanos, uma vez que nem todos os países, aparentemente, estão convencidos desta necessidade?

Rio Tejo, que passa pela capital de Portugal, Lisboa.
Foto: ONU News/Leda Letra.
Rio Tejo, que passa pela capital de Portugal, Lisboa.

MRS: Ora bom. O importante é que antes de Lisboa, havia já trabalho sendo feito. Estava pronto um Tratado contra a Poluição por Plástico dos Mares. Está quase pronto um Tratado de Proteção da Biodiversidade em Alto Mar. Está bem avançado no que respeita à regra sobre navios e seu efeito poluente nos mares. Vai avançando, no que que diz respeito a questões de proteção de áreas marinhas.  Estados que unilateralmente ou, bilateralmente, anunciam proteção. 
Portugal vai proteger 30% de todo o seu mar, que é imenso, vai protegê-lo antes de 2030. E Portugal proíbe exploração petrolífera na Zona Econômica Exclusiva.  E isso tem que ver com a proteção do oceano, mas também têm a ver como a descarbonização. Como os objetivos da poluição como um todo, que estão fixados na União Europeia e estão fixados também como metas pelo secretário-geral das Nações Unidas.
Portugal está a criar novas reservas marinhas nos Açores, na Madeira no meio do Atlântico. Ou já existem ou estão sendo criadas.
E Portugal tem talvez a segunda plataforma continental de toda a Europa. Por causa das ilhas no meio do Oceano vai até o Canadá, vai até à Islândia, vai até à plataforma continental norte-americana.
Portanto, há aqui uma responsabilidade muito, muito grande.  Portugal está apostando nas (energias) renováveis. Estamos acima de 60% de renováveis nas fontes globais de energia. Isso é prevenir o futuro. É depender menos do gás, depender menos do petróleo, depender menos daquilo que é energia fóssil e avançar para a energia verde, energia limpa.
Agora, como executar isso, rapidamente, a partir da Declaração de Lisboa? Temos já uma primeira meta que é a COP26.  E aí agora seja mais geral no panorama. É um panorama não-vinculativo. É uma COP que não termina em deliberações vinculativas.
Mas até lá, é precisa ir mais longe em matéria de economia azul, em matéria de financiamento contra a poluição dos oceanos, que é preciso que alguém pague. E este pagar tem que ser Estados, tem que ser instituições internacionais, mas tem que ser também sociedade civil.  Tem que ser também stakeholders, os parceiros privados e sociais, fundações. E isso, houve compromissos muito fortes em Lisboa, fundações que prometeram investir milhões de dólares. É preciso que venham investir esses milhões de dólares.
E antes, muito antes da Conferência, que a França e a Costa Rica, vão promover em 2025.  Portanto temos aqui três anos quanto aos oceanos que são muito, muito importante.

ONU debateu como minimizar e abordar a acidificação, a perda do oxigênio e o aquecimento dos oceanos
© Ocean Image Bank/Jordan Robin
ONU debateu como minimizar e abordar a acidificação, a perda do oxigênio e o aquecimento dos oceanos

ON: Presidente, aqui no Fórum de Alto Nível, os países prestam contas da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas com essa guerra na Ucrânia e com a recuperação da pandemia que ainda não aconteceu totalmente, como é que elas afetam Portugal e essa agenda, e que Objetivos especificamente?

MRS: Ora bom, na maior parte dos países europeus, a guerra mais do que a pandemia criou um problema que é uma oportunidade: que é substituir as fontes de energia. A Europa estava muito dependente e está de petróleo e de gás. E no caso do gás, muito dependente do gás vindo de fora da União Europeia, nomeadamente da Federação Russa. Não apenas, mas também. 
Portugal não tem esse problema grave porque nós dependemos muito menos de outros países europeus de petróleo e do gás, e no caso do gás a maioria esmagadora vem da África. Vem da Nigéria por terra e por mar. Mas depois, há outros Objetivos que são atingidos com a pandemia e atingidos com a guerra. Eu lhe conto mais: pobreza. Aumento da pobreza. A pandemia acentuou desigualdade social, puniu mais os mais pobres. Igualdade de gênero. A pandemia puniu mais mulher do que puniu homem. Criança. A pandemia puniu crianças, puniu idosos, que é um problema que não há noutros continentes, mas há muito na Europa. Está envelhecendo rapidamente. Mas a pandemia em todo o mundo puniu sistemas de saúde e sistemas de solidariedade social. Estresse. E esse estresse pode acentuar-se com a guerra. Com os efeitos econômicos e financeiros da guerra porque inflação muda sempre mais os mais pobres. 

ON: Inclusive, é isso que o FMI está dizendo...

MRS: Inflação acentua desigualdades. Inflação pune também muito a questão da afirmação de gênero. Inflação e efeitos sociais da inflação. Em termos da empregabilidade e de emprego efetivo. E, portanto, é evidente que a pandemia teve um custo e quando estava sendo superado o custo, surge não sabemos até quando o peso da guerra, dos efeitos econômicos e sociais da guerra.

ON: Agora, analistas dizem que essa guerra pode durar anos. Dentro da União Europeia também se faz essa leitura? E eu queria saber se Portugal pretende receber mais ucranianos ainda este ano?

MRS: Sim. Portugal continua aberto, como sempre, a mais imigração e não só ucranianos, mas da Ucrânia. Temos recebido nacionais de outros países que viviam na Ucrânia, países de Leste, países asiáticos, países africanos tinham seus nacionais vivendo na Ucrânia. E, portanto, estamos abertos, como sempre, a aumentar o volume de imigrantes a receber, e não é apenas a receber, é a criar condições de integração, de inclusão em Portugal.

ON: Inclusive aprendendo também a língua portuguesa. O que é bastante importante...

MRS: Mas ucraniano aprende com uma velocidade espantosa. Eu tenho encontrado ucranianos e ucranianas que em dois, três meses começam a falar português e ao fim de seis meses, menos de um ano, falam correntemente português. É incrível.

Família ucraniana espera para entrar em trem em estação em Lviv, próximo à fronteira com a Polônia.
Foto: © UNICEF/Viktor Moskaliuk
Família ucraniana espera para entrar em trem em estação em Lviv, próximo à fronteira com a Polônia.

ON: E claro. E ajuda na integração, não é, Presidente? Mas vamos voltar para falar um pouquinho dos ODS? O senhor falou no Objetivo 5 sobre igualdade de gênero e como as mulheres são afetadas nessa pandemia. Mas Portugal agora tem um governo paritário. Está cumprindo esse Objetivo muito bem, mais do que nos países de língua portuguesa, temos que dizer. Aqui na ONU, chegou a primeira mulher para comandar a Missão de Portugal, desde que o país entrou na organização, a embaixadora Ana Paula Zacarias. O país está colocando mais mulheres em posição de poder. E a pergunta que todos se fazem, nesse momento, é claro: sobre os cargos mais altos do país. O sr. vê uma presidente, uma primeira-ministra chegando ao poder em Portugal num futuro próximo, ainda nessa década?

MRS: Sim. Já tivemos uma primeira-ministra: Maria de Lourdes Pintasilgo, Foi candidata presidencial, mas não ganhou (as) presidenciais. Eu estou vendo como muito possível voltarmos a ter uma primeira-ministra mulher ou uma presidente mulher. O grande problema tem sido quando olhamos para lugar de topo, os lugares de topos econômicos, empresariais. Aí o panorama ainda é pior que nos lugares de topo político porque nos lugares de topo político, é verdade, que ainda há um défice de género, mas é muito acentuado nas líderes de empresas ou de grupos empresariais.

 

ON: E por que, na sua opinião, existe essa barreira na questão financeira, de topo?

MRS: Não. É muito importante. Porque sabe como é fundamental o peso do poder econômico numa sociedade. Do poder político é fundamental, do poder econômico é também fundamental. Tem sido fácil mulheres no topo de instituições com poder social, confederações sindicais, confederações patronais, aí sim, instituições de solidariedade social... Agora quando chega o núcleo duro: banca, seguro, setores-chave da economia e também alguns setores chave da política, aí a resistência tem sido melhor à realização desse objetivo nos últimos anos.

ON: Presidente, a nossa entrevista chega ao fim.  Muito obrigada então pela sua atenção, pelo seu tempo. E mais alguma coisa que o sr. gostaria de acrescentar? 

MRS: Nada. A não ser do prazer que foi reencontrá-la, espero reencontrá-la brevemente, mas de forma presencial.

ON: Muito obrigada, Presidente.