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Exclusiva: Luiz Carlos da Costa

Exclusiva: Luiz Carlos da Costa

[caption id="attachment_175350" align="alignleft" width="175" caption="Luiz Carlos da Costa"]

Daniela Traldi, da Rádio ONU em Nova York.

As eleições no Haiti ainda eram a prioridade da Missão da ONU no país, a Minustah, até terça-feira, 12 de janeiro de 2010. Eram pouco mais de dez horas da manhã na capital Porto Príncipe, quando o Vice-Representante Especial do Secretário-Geral no Haiti, o brasileiro Luiz Carlos da Costa, atendeu a Rádio ONU, por telefone, para uma entrevista exclusiva.

Ele iria explicar o papel fundamental das Nações Unidas durante os preparativos sobre a votação para a escolha de novos parlamentares na ilha caribenha.

"A Minustah tem dentro do seu mandato a responsabilidade de apoiar o governo do Haiti, especificamente o comitê eleitoral, na organização das eleições. No ano de 2010 estão programadas duas rondas de eleições. Primeiro eleições parlamentares para a câmara dos deputados com 99 vagas e para o senado com 11 vagas", afirmou.

Operação

Alguns dias antes da conversa com o brasileiro, que era o segundo no comando da Minustah, o chefe da Missão, o tunisiano Hédi Annabi, já havia declarado que o processo eleitoral no Haiti seria crucial para o futuro da população.

Tão importante que, segundo Luiz Carlos da Costa, uma verdadeira operação estava sendo montada para se chegar às áreas mais remotas do país. Nesses lugares, o material eleitoral seria levado de helicóptero e até mulas.

"E também um fato interessante, vamos alugar 255 mulas para transportar o material eleitoral para as áreas que não podemos chegar nem de automóveis, caminhões ou helicópteros.

Em todas as regiões fora de Porto Príncipe temos duas ou três seções eleitorais e não há como chegar a não ser através de mulas. Para chegar em algumas dessas regiões o pessoal, o nosso pessoal, nossos soldados, policiais e outro pessoal civil tem que caminhar em alguns casos por dois dias. Na maioria dos casos pelo menos entre seis e oito horas", disse.

Segurança

A estratégia cuidadosa para a votação tinha um motivo, como explicou o vice-chefe da missão: atrair o máximo possível de haitianos às urnas. A Minustah, que atua no país desde 2004, teria responsabilidade logística, técnica e de segurança junto ao governo nacional.

Por isso, afirmou Luiz Carlos da Costa, o contingente de mais de 7 mil boinas-azuis e 2 mil policiais seria quase que inteiramente mobilizado.

"Estamos no processo de terminar um plano integrado que inclui nossas forças militares, policiais e a polícia do Haiti.

Este plano foi revisado e aprovado esta semana e inclui 675 policiais, um adicional de 444 policiais em contingentes formados, 4,182 militares e 7,375 policiais haitianos. Isto é para dar apoio ao país inteiro", afirmou.

Conflitos

Funcionários da Missão, voluntários, civis e novas pessoas seriam contratadas. Luiz Carlos da Costa disse ainda que as votações aconteceriam em dois dias, 28 de fevereiro e 3 de março. A segunda data estava reservada para o chamado departamento do centro.

"Eu acho que a legitimidade da eleição vem através de uma maior participação da população, a garantia da segurança vai facilitar essa maior participação, e também o processo eleitoral tradicionalmente no Haiti sempre foi envolvido de muito conflito, principalmente durante a campanha eleitoral, e na última eleição tivemos problema no departamento do centro onde foi necessário cancelar as eleições.

Isso porque vai haver uma segunda data no dia 3 de março especificamente para as eleições no departamento do centro, isso vai nos possibilitar ter uma maior cobertura na área de segurança. Isso é fundamental a garantia da segurança para uma maior participação", ressaltou.

Ele explicou a importância da maior participação dos eleitores haitianos.

Eleitores

"O potencial seria de 4,3 milhões de eleitores. Como é sabido nas últimas eleições a participação foi muito baixa, 10.3%, estamos trabalhando junto com o governo do Haiti e a comunidade internacional com uma grande campanha de educação cívica para uma maior participação.

Esse processo eleitoral é extremamente importante porque vai formar o parlamento que estará apto em maio para votar nas propostas da reforma da constituição", afirmou.

Luiz Carlos da Costa enfatizou que o sucesso das eleições legislativas também ajudaria na realização da disputa presidencial, possivelmente em novembro.

"Acreditamos que, com isso, haja um maior interesse por parte da população. Tradicionalmente os haitianos são mais interessados e participam com maior entusiasmo em eleições presidenciais, estamos fazendo um trabalho para explicar a importância dessa participação, dessa oportunidade que está sendo extendida à população, de expressar a sua cidadania", disse.

Terremoto

Mas nem ele nem o restante do mundo poderia imaginar que, poucas horas mais tarde, um dos países mais pobres do mundo seria atingido por uma tragédia.

O brasileiro, que conversou durante quase 15 minutos com a Rádio ONU, passou o dia 12 de janeiro no prédio da Minustah em Porto Príncipe, onde funcionava o antigo Hotel Christopher.

Às 16h53 daquele mesmo dia, com o impacto do terremoto de magnitude 7.0, a construção que abrigava a sede da Missão desabou, deixando centenas de desaparecidos e dezenas de mortos, incluindo Luiz Carlos da Costa. Naquela manhã, antes de desligar o telefone, ele fez um último comentário sobre a importância da Missão de Paz no Haiti.

"Seria um testemunho do retorno da estabilidade no país, eu acredito que isso é muito importante, a nossa contribuição nesses últimos cinco anos criou uma situação de segurança que possibilita o cidadão elevar a sua vida normal de buscar emprego, de uma maior possibilidade de investimento no país que é fundamental para a criação de empregos, que é importantíssimo para o retorno do desenvolvimento econômico.

Com essa estabilidade acreditamos que haverá um maior interesse nas perspectivas do futuro do país por parte da população que não estará tão preocupada com a sua segurança pessoal ou com crises institucionais", concluiu.

Luiz Carlos da Costa também serviu em missões de paz na Libéria e em Kosovo. Ele estava no Haiti desde 2006, quando foi nomeado pelo ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan.

O brasileiro, que tinha 60 anos, trabalhou para as Nações Unidas por 40 anos e deixa a esposa Cristina e duas filhas: Anna Maria e Marianna da Costa.