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Entrevista: Zacarias da Costa, líder da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Zacarias da Costa
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Zacarias da Costa

Entrevista: Zacarias da Costa, líder da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Assuntos da ONU

O secretário-executivo da Cplp falou à ONU News durante sua visita a Nova Iorque para o debate anual da 77a sessão da Assembleia Geral da ONU; Zacarias da Costa citou o impacto da guerra na Ucrânia sobre os países-membros do bloco e a promoção da língua portuguesa no Timor-Leste, seu país de origem. Ele informou que a Guiné Equatorial lançara um instituo de ensino do português no molde do Camões, de Portugal. Zacarias da Costa conversou com Ana Paula Loureiro, da ONU News.

ONU News: Secretário, primeiro: muito obrigada por ter aceitado participar dessa entrevista. Eu queria começar perguntando sobre a reunião da Cplp, que acontece todos os anos durante Assembleia Geral, mas que não vai acontecer este ano. Qual é a participação da Cplp na Assembleia Geral desse ano e como está essa interação entre os países da comunidade de língua portuguesa?

Zacarias da Costa: Começo por agradecer o convite. Como sempre é sempre uma honra estar aqui. Queria dizer que este ano não vamos ter a reunião informal do Conselho de Ministros da Cplp, porque a Presidência, como sabe, angolana, e o governo angolano tomou posse na segunda-feira e, portanto, foi nos dito que não há possibilidade de, naturalmente, o ministro deslocar-se imediatamente a Nova Iorque e presidir a reunião informal do Conselho de Ministros da Cplp  .

Nem toda a população consegue ainda falar português. Também é preciso recordar que a língua portuguesa não era usada nos 24 anos de ocupação indonésia e, portanto, não é fácil nos primeiros anos, muito embora já tenhamos chegado aos 20 anos da independência, ter um uso generalizado. Portanto, creio que é um esforço contínuo

 

ON: Nós sabemos que a guerra da Ucrânia está afetando muitos países, principalmente os países africanos. Nós temos alguns países africanos de língua portuguesa. Existe algum esforço da parte da Cplp no sentido de ajudar esses países ou alguma outra mobilização?

ZC: Em primeiro lugar, a guerra afeta toda a gente, não só os Estados-membros que estão em África, como também Timor-Leste. A mobilização e a Cplp é constituída por Estados-membros que compõem os nove países. Estamos naturalmente em contato uns com os outros. O secretariado trabalha no sentido de certamente coordenar os esforços que existem não só entre os Estados-membros. Também com as instituições multilaterais, no sentido de encontrar a melhor forma de ajudar a nossa comunidade e os Estados-membros da nossa comunidade e, em última análise, aos cidadãos da nossa comunidade.

Zacarias da Costa é líder da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
ONU News/Alexandre Soares
Zacarias da Costa é líder da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

 

ON: E nós sabemos também que com a guerra, alguns países estão recebendo refugiados. Por exemplo, Portugal e Brasil. Nós acompanhamos alguns refugiados aprendendo a falar a língua portuguesa. Queria saber o que é que o senhor tem a dizer sobre isso?

Cplp: De facto, em relação aos nossos países, discuti com o Itamaraty, que teve uma experiência muito particular na Ucrânia, e precisamos de ter um instrumento por forma a responder em situações de crise e, particularmente a nível consular, situações como essa para não só ficar, mas facilitar, a entrada de refugiados nos Estados-membros que poderão e terão facilidades que têm facilidades com Portugal e Brasil, particularmente desses países. Assim, o esforço é desenvolvido a nível de cada país, por forma a integrá-los o mais depressa possível nas comunidades em que serão acolhidos.

Entrevista: Zacarias da Costa, líder da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

 

ON: O senhor foi ministro das Relações Exteriores de Timor-Leste, de certa forma promovendo a língua portuguesa. Eu queria saber como está a promoção da língua portuguesa no Timor-Leste atualmente.

ZC: O Timor é também, como alguns dos Estados-membros, um país que está a fazer tudo o que é possível para que a língua portuguesa fosse falada por toda a população. Mas é um esforço que, naturalmente, exige a participação dos Estados-membros que têm possibilidades como Portugal e Brasil, e naturalmente estão a fazer esse esforço. Mas um esforço contínuo não só do ensino, do ensino básico e secundário, mas também nas universidades. Numa primeira fase, naturalmente que já ultrapassamos a formação de formadores. Agora vamos para uma segunda fase, que é que ter manuais acessíveis a todos, a todos os estudantes, a produção destes manuais, mas naturalmente também fazer com que a própria língua seja usada no dia a dia, que já é, pelo menos nas escolas. Nós chamamos escolas de referência, já usando o português do ensino básico e secundário. Mas, infelizmente, eu próprio estive um ano como professor na Universidade Nacional de Timor-Leste e verifiquei que nem todos os alunos que chegavam à universidade tiveram essa formação no ensino secundário naquele tempo. Mas hoje, com a produção de manuais escolares desde o ensino básico, creio que é possível, mas penso que ainda não atingimos 50%, ou seja, estamos um bocadinho, talvez nos 55%. Nem toda a população consegue ainda falar português. Também é preciso recordar que a língua portuguesa não era usada nos 24 anos de ocupação indonésia e, portanto, não é fácil nos primeiros anos, muito embora já tenhamos chegado aos 20 anos da independência, ter um uso generalizado. Portanto, creio que é um esforço contínuo. Temos vários estudantes no Brasil, estudantes em Portugal e Moçambique também, mas isto é um esforço que tem que ser feito nos próximos 10 anos, por forma a atingirmos pelo menos 80%.

 

Parte das elebrações para marcar a independência de Timor-Leste em 2002, na capital Dili.
ONU/Sergey Bermeniev
Parte das elebrações para marcar a independência de Timor-Leste em 2002, na capital Dili.

ON: O senhor diria que o português está perdendo espaço no Timor-Leste?

ZC: Não, não está perdendo espaço. Ali está ganhando espaço. Eu diria até que o facto de muitos vocábulos portugueses serem usados também no tétum, que é a língua nacional, ajuda a que o português ganhe espaço em Timor. Mas, obviamente, como disse, é um esforço contínuo, um esforço em que os sucessivos governos terão que fazer, por forma a que a língua portuguesa seja mais rapidamente falada por todos. Mas temos problemas, por exemplo, na Guiné-Bissau também ainda não temos 100% da população a falar português. Mesmo em Moçambique, temos problemas em vários Estados-membros, mas estamos conscientes de que, com o apoio de instituições como o Camões, agora temos o instituto Guimarães Rosa, que se formou no Brasil. Portanto, podemos certamente e muito rapidamente alcançar níveis que não tínhamos antes.

 

ON: O senhor tocou no ponto dos institutos, temos Camões em Portugal, e agora um no Brasil também. Há algum plano de mais institutos em outros países membros da comunidade de língua portuguesa?

ZC: Eu vou me referir muito rapidamente, por exemplo, a um país que está também ainda no princípio que é a Guiné-Equatorial. Nós, Cplp, o secretariado tem feito um esforço enorme no sentido de apoiar, através do Programa de Integração da Guiné-Equatorial na Cplp. E sei que, este ano, vão introduzir nos currículos do ensino básico e secundário o português, mas precisam rapidamente fazer a formação de formadores, pelo menos 100 formadores para iniciarmos com esse projeto piloto. Também vão iniciar o Instituto da Língua Portuguesa, vão criar institutos, estabelecer um instituto de Língua Portuguesa. Obviamente, nos outros países temos em Timor também um instituto de língua portuguesa que está sediado na Universidade Nacional. Portanto, todos os nossos países têm essa preocupação de criar um instituto, que se ocupa da promoção da língua portuguesa. Isso é bom, mas recursos são sempre necessários. E é preciso também que os países que têm esses recursos continuem a apoiar, como têm feito até aqui, mas com um esforço redobrado para que o português seja a língua mais falada em cada país. Mas, como sabe, hoje já temos mais de 260 a 290 milhões de falantes de português. O português já é a língua utilizada em mais de 30 instituições das Nações Unidas e também estamos a fazer esse esforço no sentido de que, eu sei que é difícil, mas está a aumentar esse número. Obviamente, todos sonhamos que o português possa ser, pelo menos, usada como língua de trabalho oficial das Nações Unidas. Mas isso requer um esforço enorme. Estamos conscientes disso, mas vamos continuar a trabalhar.

Penso que a próxima presidência, que não está anunciada ainda, mas espero que seja anunciada em breve para São Tomé, no sentido de continuar esses esforços.

ON: Algo mais que o senhor gostaria de acrescentar? Alguma novidade nos planos da Cplp?

ZC: Temos neste momento o segundo ano do mandato da Presidência de Angola, que começava e elegeu a cooperação econômica como um tema forte desta presidência. Penso que a próxima presidência, que não está anunciada ainda, mas espero que seja anunciada em breve para São Tomé, no sentido de continuar esses esforços. Estamos num período muito difícil, de recuperação econômica e naturalmente, a agenda econômica deverá continuar. Já tivemos um impulso muito grande este ano com a reunião dos ministros do Comércio, Finanças e Economia, que produziram uma agenda estratégica e um plano de ação muito ambiciosos. Penso que precisamos é de implementar e juntar esforços no sentido de avançar com este grande objetivo, que é a cooperação econômica e também empresarial dos nossos países. Tivemos também a feliz notícia de que o parlamento da Guiné- Equatorial ratificou o acordo de mobilidade que representa também um marco importantíssimo histórico na vida da Cplp. E espero que nos próximos meses possamos também avançar com as parcerias decorrentes da história deste acordo. O acordo de mobilidade, por forma a dinamizarmos muito mais a circulação dos cidadãos dentro da comunidade e tirar partido e tirar vantagens que o acordo de mobilidade nos irá oferecer.