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Entrevista com o representante permanente da Guiné-Bissau na ONU

Fernando Delfim da Silva explica os atrasos verificados na preparação das eleições

Não basta fazer eleições livres, justas e transparentes. Já fizemos cinco. Todas elas livres, justas e transparentes. E há instabilidade há 24 anos.

ONU News/Reprodução
Fernando Delfim da Silva explica os atrasos verificados na preparação das eleições

Entrevista com o representante permanente da Guiné-Bissau na ONU

Paz e segurança

Fernando Delfim da Silva comenta a situação política no país.

Eleições para eleger membros da Assembleia Nacional da Guiné-Bissau decorrem a 10 de março
Foto: Wikimedia
Eleições para eleger membros da Assembleia Nacional da Guiné-Bissau decorrem a 10 de março

 

Eleições legislativas de 10 de marco na Guiné-Bissau. O que o mundo precisa saber?

Um país como a Guiné-Bissau é um país frágil, depende muito de fatores que não controla. Isto é elementar. É aqui que nós devemos começar. De modo que são fatores aleatórios. Os parceiros prometem ajuda, a ajuda vem a conta-gotas nas horas impróprias. Porque ajuda tem que chegar a uma certa altura para poder funcionar imediatamente. Se chegar um mês depois, cria dificuldades de calendarização graves. De modo que é preciso realismo e um otimismo também realista, moderado, avaliando essas coisas. A marcação de eleições para 18 de novembro foi uma intenção plausível, muito interessante. Mas depois esbarrou com a realidade das coisas. Não houve intencionalidade. Não houve interesse subjetivo, partidário ou pessoal em atrasar o processo. São razões objetivas, que não dependiam de nenhuma maneira dos fatores internos. As eleições deveriam acontecer inicialmente de agosto a setembro. E os países que iam dar ajuda não estavam em condições de dar ajuda, estavam de férias. Os parlamentos estavam de férias. Começando pelo parlamento da União Europeia, Itália, Japão. Portanto a ajuda chegou fora do prazo previsto. Eu repito que são razoes objetivas que não tem nada a ver com intencionalidade, de condicionar o calendário eleitoral, aos interesses partidários, nada disso. Isto é pura especulação. Mas eu percebo que as expectativas é que são criadas. Infelizmente nós não podemos controlar as expectativas das pessoas. As pessoas criam expectativas. Não vai ser em novembro. Depois houve três datas. Duas datas de dezembro e uma data de 27 de janeiro. Mas não foram datas assumidas, foram datas propostas da CNE (Comissão Nacional de Eleições). Mas essas propostas da CNE também tinham a ver com a realidade do processo na região. Tivemos um período de chuvas este ano. Uma estação de chuvas particularmente forte, choveu muito. E nos conhecemos a África, quando chove muito há problemas sérios de acesso, de acessibilidade. As pessoas não podiam ir para o interior para levar os kits com computador para fazer o registro biométrico. O pessoal que está nas Bolanhas (campos de arroz), trabalhando na agricultura. Tudo isso que está fora não se sabe e se cria expectativas. Depois quando falham nas datas estão a procurar um bode expiatório. É porque não queriam, porque os partidos... mas isso não é importante. Eu estou feliz como embaixador porque estou vendo que o ano está terminando muito bem. Temos uma nova data para março. O chefe de Estado é que tem a prerrogativa de fixar as datas. Há uma coisa que é muito importante que eu quero sublinhar. Nós temos um respeito infinito pela Cedeao (Comunidade do Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental). Nós somos parte da Cedeao. Mas não é a Cedeao que fiz as datas. A Cedeao tem ideias, mas quem fixa as datas é o Presidente da República que foi eleito pelo povo guineense. A Cedeao não foi eleita pelo povo guineense. O Presidente da República é quem foi eleito pelo povo guineense, que presta contas ao povo e que fixa datas de eleições. A CDL queria que fosse em janeiro. Muito bem, é uma expectativa. Mas o Chefe de Estado tem elementos da região que a CDL não tem. Então há essa nova data. Isso é muito bom. Eu posso dizer com toda franqueza que estamos saindo desta reunião com satisfação. O ano está terminando bem. Temos uma data que eu acho que se vai cumprir, porque foram ponderados todos os fatores para evitar ter que fazer remarcações. Agora terminou o licenciamento, antes de ontem, 19. O que isso significa? Que agora vão se publicar as listas eleitorais, vai haver um período legal para as reclamações. As pessoas vão ver as listas. O nome que está, que não está, vão ver as listas. É impossível não haver falhas no empreendimento daquele nível. Depois há um prazo de reclamações. As reclamações vão ser analisadas, as listas vão ser refeitas, aquelas que precisarem ser refeitas e novamente publicadas. Só aí teremos lista definitiva do calendário eleitoral. Portanto, esses prazos que estão na lei certamente foram todos ponderados para bater em março. Isso é muito bom. Nós vamos ter eleições.

Destaque ONU News Especial – Guiné-Bissau no Conselho de Segurança

 

Há preocupações com instabilidade na Guiné-Bissau?

Já reparou nas minhas intervenções como representante do país? Reiteradamente eu punha a questão que não basta fazer eleições livres, justas e transparentes. Já fizemos cinco. Todas elas livres, justas e transparentes. E há instabilidade há 24 anos. Não é, alguém falou disso muito bem, eleições não são uma panaceia. Não vão resolver o problema. Precisamos de uma reforma das instituições. Quando alguém, por algum determinado motivo, tem uma posição política que pode desestabilizar o país, é importante que as instituições consigam dificultar a emergência da instabilidade. Eu estou dizendo isso com franqueza, a atual construção da Guiné-Bissau em vez de dificultar a emergência da instabilidade política, facilita a emergência da instabilidade. De modo que também há um consenso nisso. Está no acordo com a Conacri e todo mundo falou disso. É muito bom. É preciso, fazendo eleições, avançar imediatamente, para reforma da constituição. De modo a criar-se instituições resilientes e que promovam, essas instituições, por via legal, a estabilidade e não deixe a margem para o país recair na instabilidade.

Uniogbis vai sair de maneira faseada, em 2020. Mas não significa que as Nações Unidas vão sair.

E a reforma da Uniogibs?

Uniogibs está lá há 20 anos praticamente. Mudou de nome e está lá há 20 anos. Ou seja, depois da guerra de 1998 e 1999 que tivemos uma crise complicada, um conflito político-militar que terminou em 1999, as Nações Unidas instalaram lá uma missão, que é o Uniogibs. Quer dizer que no próximo ano as Nações Unidas vão estar com esse formato há 20 anos. É hora de se fazer o balanço. Daí a avaliação estratégica. Eu estou de acordo que se deve reconfigurar, depois de 20 anos, as experiências positivas, as experiências menos positivas, e dar um novo modelo, um novo formato. Uniogbis vai sair de maneira faseada, em 2020. Mas não significa que as Nações Unidas vão sair. Portanto vai haver uma reconfiguração. Eu acho que está bem, desde que o essencial seja cumprido. Foi dito aqui “juntar o pilar da estabilidade e direitos humanos”. Mais dois pilares: desenvolvimento econômico e segurança. É preciso avançar para esse nível.

 

Sede do Escritório Integrado de Construção da Paz das Nações Unidas na Guiné-Bissau, também conhecido como Uniogbis.
Foto: Uniogbis
Sede do Escritório Integrado de Construção da Paz das Nações Unidas na Guiné-Bissau, também conhecido como Uniogbis.