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Guerra em Gaza agrava violência e miséria no Líbano

Um menino de 11 anos coleta água de um poço em Wadi El Jamous, no Líbano
Unicef/Fouad Choufany
Um menino de 11 anos coleta água de um poço em Wadi El Jamous, no Líbano

Guerra em Gaza agrava violência e miséria no Líbano

Ajuda humanitária

Intensificação do confronto entre militantes armados do Hezbollah e militares israelenses já deixaram 344 mortos e 90 mil deslocados; guerra em grande escala seria uma grande ameaça para as 1,3 milhão de crianças libanesas; nação árabe sofre com insegurança alimentar, falta de acesso a água e fechamento de unidades de saúde.

Bombardeios aéreos israelenses estão atingindo o Líbano de forma “cada vez mais profunda” e já deixaram 344 mortos, incluindo 18 jovens. O alerta foi feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, nesta terça-feira. 

Desde o início da guerra em Gaza, foi observado um aumento de trocas de tiros entre o grupo Hezbollah e militares israelenses no sul do Líbano. 

Risco de guerra em grande escala

De acordo com o porta-voz do Unicef, James Elder, “juntamente com os mortos e o grande número de feridos, 30 mil crianças foram deslocadas” dentro de um total de 90 mil pessoas forçadas a fugir. 

Ele fez um apelo por um cessar-fogo em Gaza como caminho para impedir um conflito regional mais amplo. Segundo Elder, “sem esse cessar-fogo, o Líbano corre o risco de uma guerra em grande escala, que será totalmente arrasadora para os 1,3 milhão de crianças do país, bem como para as crianças da região”.

No Líbano, o representante do Unicef informou que as principais infraestruturas das estações de água foram destruídas, deixando “cerca de 100 mil pessoas sem acesso a água potável”. Cerca de 23 unidades de saúde que atendem 4 mil pessoas também estão fechadas como resultado da violência.

Um soldado da paz da ONU realiza trabalhos perigosos de desminagem em Rmeish, sul do Líbano
Unifil/Pasqual Gorriz
Um soldado da paz da ONU realiza trabalhos perigosos de desminagem em Rmeish, sul do Líbano

Preocupações em Gaza

A Agência da ONU de Assistência aos Refugiados da Palestinos, Unrwa, alerta que é necessária muito mais assistência aos palestinos em Gaza para evitar o agravamento da fome, apesar de algumas melhorias recentes no fluxo de ajuda no mês de abril. 

Em conversa com jornalistas, o comissário-geral da Unrwa, Philippe Lazzarini, apresentou preocupações com os reféns israelenses detidos pelo Hamas e os palestinos sob custódia de israel, ressaltando a necessidade da libertação incondicional e imediata por ambas as partes.

Lazzarini relatou que, na maioria das vezes, os prisioneiros palestinos “permanecem incomunicáveis ​​e são submetidos a tratamentos chocantes e desumanos”, como “afogamento simulado, espancamentos severos e ataques de cães”. 

Ele também destacou o receio de um ataque israelense a Rafah, na parte sul da Faixa de Gaza, e disse que este temor “contribui para o constante estado de trauma da população local”.

O comissário-geral da Unrwa, Philippe Lazzarini
ONU/Loey Felipe
O comissário-geral da Unrwa, Philippe Lazzarini

Deterioração da situação humanitária

A crise está deteriorando a situação humanitária no Líbano, aumentando a insegurança alimentar, especialmente entre as crianças que vivem em acampamentos informais para deslocados.

De acordo com dados do Unicef, houve um aumento de três vezes no número de crianças encaminhadas para programas de desnutrição nos últimos 12 meses. A agência alerta que muitos desses programas estão sendo suspensos em partes do país devido à falta de financiamento humanitário.

Como resultado, crianças de até quatro anos estão sendo forçadas a trabalhar na agricultura. Nos centros de saúde, os médicos relataram casos de crianças de sete anos com problemas nas costas por causa das pesadas cargas de lixo que carregam diariamente. 

Sofrimento de longo prazo 

Mesmo antes do conflito em Gaza, o Líbano enfrentava uma profunda crise econômica, agravada pela emergência da Covid-19 e pela instabilidade política crônica, que deixou cerca de metade da população libanesa abaixo da linha da pobreza. 

Falando de Beirute, a vice-chefe do Unicef no Líbano, Ettie Higgins, disse que a maioria dos agora deslocados no sul do país são agricultores que trabalham na olivicultura. 

Ela afirmou que estas pessoas estão sujeitas a um sofrimento de longo prazo, “devido à enorme quantidade de explosivos não detonados que existem agora em muitas destas zonas agrícolas, o que significa que será muito difícil para eles se restabelecerem”. 

Um jovem refugiado da Síria, cuja família vive em Tyr, no Líbano, há oito anos
Unicef/Fouad-Choufany
Um jovem refugiado da Síria, cuja família vive em Tyr, no Líbano, há oito anos

Refugiados sírios ainda mais vulneráveis

Ettie Higgins disse que a população de um milhão de refugiados sírios é ainda mais vulnerável, pois nove em cada 10 vivem em pobreza extrema. Segundo ela, após a eclosão da crise na Síria em 2011, muitas aldeias libanesas que agora sofrem com a violência acolheram mais de 1 milhão de refugiados “nas escolas, clínicas e comunidades”.

A representante do Unicef ressaltou que a agência enfrenta um “colapso massivo” de financiamento no Líbano, que está resultando no corte de praticamente todos os serviços. As dificuldades ocorrem em áreas “incluindo o fornecimento de água potável e coisas simples como eliminar o esgoto de comunidades que já estão sobrecarregadas”.

Essa queda de financiamento ocorre em meio às necessidades crescentes e de um aumento nas tensões entre as comunidades de refugiados libaneses e sírios, que, na avaliação do Unicef, poderiam ser neutralizadas com uma ação humanitária imediata.