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“O Sergio é o lado bom das pessoas”, diz sobrinho sobre legado do funcionário humanitário brasileiro

André Simões no Podcast ONU News

Nada legitima ataques contra civis

ONU News
André Simões no Podcast ONU News

“O Sergio é o lado bom das pessoas”, diz sobrinho sobre legado do funcionário humanitário brasileiro

Direitos humanos

Abordando temas como diplomacia, direitos humanos e combate ao terrorismo, André Simões ressaltou a importância da preservação dos ideais defendidos pelo tio, Sergio Vieira de Mello, morto em um atentado no Iraque em 2003.

Após crescer vendo o tio Sergio Vieira de Mello atuar ao redor do mundo para apoiar os refugiados e liderar ações humanitárias, o empresário André Simões transformou a inspiração em prática por meio de um projeto de distribuição de comida para moradores de rua no centro do Rio de Janeiro durante a pandemia.

Ele conversou com o Podcast ONU News sobre esta experiência de assistência humanitária que tem crescido desde então e compartilhou memórias e lições recebidas do tio, que foi representante do secretário-geral, chefe de missões da organização e alto comissário de Direitos Humanos. 

Abordando temas como diplomacia, direitos humanos e combate ao terrorismo, André ressaltou a importância da preservação dos ideais defendidos por Sergio Vieira de Mello, morto em um atentado no Iraque em 2003.

Confira a conversa com Eleutério Guevane e Felipe de Carvalho. 

“O Sergio é o lado bom das pessoas”, diz sobrinho sobre legado do diplomata

ONU News: Há um legado por preservar: Sergio Vieira de Mello. Vamos falar desta figura, portanto, funcionário da ONU de alto gabarito do Brasil, com o sobrinho e afilhado André Simões, que está aqui entre nós. O Felipe de Carvalho vai fazer a primeira pergunta para este Podcast.

ONU News: André, muito obrigado por participar aqui do Podcast ONU News. Seja muito bem-vindo! Que alegria conversar com você.

André Simões: Muito obrigado por me receber e por me convidar.

ON: Bom André, esse ano na verdade, completam-se 20 anos da trágica morte de Sergio Vieira de Mello. Um grande exemplo aqui na ONU e mesmo fora da ONU. E muito se fala em preservar o legado de tudo o que ele trouxe de mensagens, de ideias. Como é que você avalia que está sendo feita essa preservação dos ideais, das ideologias que ele defendia e que ele conseguiu colocar em prática?

AS: Bom, quando você fala na morte do Sergio é muito importante lembrar dos 22 colegas, entre eles o Sergio. Não foi só o Sergio, foi uma equipe da ONU, foi a família de vocês. Então, o legado do Sergio ficou através de filmes, de livros e você pode aprender assistindo os filmes, lendo os livros e tendo ideias como eu tive na pandemia, fazendo o projeto Sem Fome, que começou na pandemia, no Rio de Janeiro, no centro da cidade onde estava deserto. Estava tudo fechado e os moradores de rua estavam lá sem ter o que comer, porque os restaurantes estavam todos fechados, ninguém tinha comida para dar. E eu identifiquei aquilo como um campo de refugiados, pois eu cresci vendo o Sergio nos campos de refugiados pelo mundo. Então eu falei: “bom, é a chance de fazer alguma coisa e passar para minha filha o que ele ensinou”.

Então começamos o projeto Sem Fome, distribuindo 200 refeições e 200 águas todos os dias pelas ruas do centro do Rio. E era muito interessante que as filas eram grandes, de 70 a 80 pessoas numa praça, e de repente uma pessoa chegava e olhava para você e falava assim: “só quero a água”. Ai a gente falava “guarda para de noite. Guarda para de noite que você vai ter fome”. Aí a pessoa falava assim: “eu já comi, tem outro com fome”. Então isso me remete à Declaração Universal dos Direitos Humanos, no primeiro artigo, que diz: “somos todos iguais e devemos agir com fraternidade com o próximo”. Então, ele não tem nada e ele está te dando aula ali, naquele momento.

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ON: E este tipo de necessidade mostra que figuras como Sergio devem continuar a ser lembradas. De que maneira, para você que era familiar, não tinha este homem de dimensão global em todo momento em casa, mas como é que esta dimensão particular, familiar consegue dar continuidade a este legado?

AS: Sendo alegre, sendo otimista e buscando diálogo para resolução dos problemas que aparecem. Se colocando no lugar do outro e buscando uma solução.

ON: E nesse projeto, André, tão interessante que você liderou durante a pandemia e que continua agora, que está crescendo inclusive, quais são as lições aprendidas? O que realmente permitiu que essa iniciativa que começou pequena, fosse crescendo e essa solidariedade fosse contagiando tanta gente?

AS: Bom, a pandemia serviu para abrir o coração das pessoas, para as pessoas se preocuparem mais com os outros. E para mim fez muito sentido que, como eu falei, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é de 1948, mesmo ano que o Sergio nasceu, então para mim era muito emocionante estar ali e ver as pessoas sem nada, mas sem ansiedade e muitas vezes alegres. E você ver esse contraste. Então é isso. Eu aprendi muito do ser humano, ser humano que tem seus defeitos graves, tem os loopings nas guerras e que não consegue solucionar isso. Mas tem o lado bom também.

André Simões disse que segue incentivando o apoio às necessidades dos mais carentes
Arquivo pessoal

ON: Eu não sei que palavras você usaria para descrever este momento com a ONU, mais de 20 anos depois de ter estado aqui no edifício. A última vez em que esteve foi na homenagem ao Sergio. Foi um momento de muito peso, de muito significado, mas agora foi um momento para reviver isso mais de 20 anos depois, como foi?

AS: Sim, é como eu falei, os loopings acontecem. Então, de lá para cá eu vinha acompanhando tudo. República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Síria, agora Ucrânia, agora Israel e Palestina. É muito grave que as coisas se repetem e que pessoas civis sofrem. Trabalhadores humanitários sofrem, não podem ser o alvo, não podem ser. O terrorismo não pode existir e os governos não podem contra-atacar onde tem civis. Nada legitima nada. Eu acho que você tem que buscar sempre o diálogo e a solução. Lógico que os grupos terroristas têm que ser exterminados. Mas o povo, em sua maioria pobre, não pode pagar por isso.

ON: E falando nisso André, sobre os trabalhadores humanitários, você teve uma experiência também de assistência humanitária lá no Rio de Janeiro, que está se expandindo. Uma das grandes mensagens do Sergio era justamente essa, de que os trabalhadores humanitários não podem ser um alvo. Você acha que a percepção geral sobre o trabalho humanitário melhorou nesses últimos 20 anos? Que as pessoas têm uma compreensão melhor? Claro que quando a gente olha para zonas de conflito, ainda acontecem violações, mas você acha que o trabalho humanitário está chegando aonde o Sergio imaginava que ele poderia chegar. Ele está se expandindo, ele está crescendo?

AS: Olha o trabalho humanitário são pessoas que nascem com esse dom e que são heróis anônimos, que arriscam suas vidas por pessoas que nunca viram e muitas vezes nem sua língua falam. Como eu falei na ocasião, agora no último dia 19, são pessoas iluminadas, que vêm para ajudar, para arriscar sua vida. Tem crescido? Tem melhorado? Sim, tem. Mas mais do que crescer a ajuda humanitária, a gente tem que diminuir a dependência da ajuda humanitária. Tem que olhar sim, evitar que aconteça para não ter que trabalhar na ajuda humanitária. Tem que buscar essa ideia, não sei se é inteligência artificial, não sei o que é, porque o ser humano tem esse defeito. É um defeito e ponto. De reagir, de contra-atacar.

Porque uma coisa não legitima a outra. Uma atrocidade não pode. Então temos que evitar isso, que aconteçam novos genocídios, novos tempos difíceis.

ON: E como promover novos Sergios?

AS: Promover o Sergio está em todos nós, todos vocês, está em todos. Sergio é o lado bom das pessoas.

André Simões no Podcast ONU News
Podcast ONU News
André Simões no Podcast ONU News

ON: É um momento de conversa com o sobrinho e afilhado de Sergio Vieira de Mello, que veio às Nações Unidas depois de 20 anos. É compreensível, portanto, termos aqui uma carga de emoções. Eu queria só focalizar em dois termos que são: refugiados, uma nova vertente de refugiados que comentou aqui, e a palavra terrorismo. O que é que isso desperta em vocês, na família? Quer dizer, este sentido de combate? O que é que desperta nas pessoas afetadas? Portanto pode ficar só nestes dois termos e assim fazermos uma análise?

AS: Os refugiados foi como eu falei, eu cresci vendo o Sergio nos campos de refugiados, negociando corredores humanitários para os países vizinhos, cessar fogo. E o que acontece? E na equipe dele, que na África, porque o Sergio cresceu em Roma, Gênova, Nápoles, Beirute e teve o conhecimento assim de várias culturas e trabalhava com ele um italiano. E hoje esse italiano é o alto comissário dos Refugiados, Filippo Grandi.

Então deve ter sido como um sobrinho para o Sergio, como eu. Então é meu coccino italiano, que eu ainda não conheço, mas quero conhecer e que está trabalhando aí com os olhos do Sergio, com os refugiados que são mais de 80 milhões no mundo, mais de 100, são quantos?

ON: São mais de 80 milhões...

AS: E o negócio vai se agravando. E sabe, em condições muito difíceis. Então, no Brasil a gente tem a “Operação Acolhida”, porque a gente está fazendo um belo trabalho lá com os refugiados da Venezuela, que chegam crianças, chegam pessoas desnutridas, chegam famílias despedaçadas.

ON: Enquanto houver refugiados, há trabalho por fazer.

AS: E quanto ao terrorismo. Isso que aconteceu recentemente agora em Israel é inaceitável, inaceitável. E o terrorismo, eu acho que ele existe sempre que se mata civis, sempre que o civil é bombardeado, ele não pode ser bombardeado. Áreas que têm civis não podem ser bombardeadas. E outra coisa, é muito triste. É muito triste os atos terroristas, pois eles são guerras adormecidas, que de repente elas aparecem, elas acordam nesses atos terroristas. Precisamos tentar buscar uma solução, uma diminuição desses atos terroristas. 

ON: André, se você puder compartilhar conosco, a gente fala muito da memória do Sergio diplomata, do Sergio líder, do Sergio humanitário, mas se tiver alguma memória, alguma coisa marcante que você gostaria de compartilhar, sobre o Sergio tio, o Sergio familiar, o Sergio ser humano que estava ali, entre uma missão e outra, em contato com a família.

AS: O Sergio gostava muito da natureza e de correr, a tal da endorfina, do sol, da praia do Brasil, da feijoada, do churrasco. Mas era sempre discreto e atencioso. Sempre respondia meus e-mails e sempre lembrava dos meus aniversários. No Natal, sempre presente.

ON: É uma presença que de alguma forma o André Simões veio reviver nas Nações Unidas. Portanto, mais de 20 anos depois de ter estado aqui para a homenagem a Sergio Vieira de Mello. Esta grande figura no campo humanitário, mas também no campo da diplomacia e da resolução de conflitos, foi tema da nossa conversa, ele e o seu legado. Muito obrigado, André. Foi um prazer.

AS: Muito obrigado a vocês e meus votos de solidariedade a todos trabalhadores humanitários, suas famílias, que perderam suas vidas e todos que perderam a vida nesses atos terroristas. De lá para cá, em todas essas guerras, todos os civis que perderam suas vidas. Muito obrigado.

ON: Muito obrigado.