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Agência da ONU alerta para preconceitos contra migrantes brasileiras em Portugal

Largo da Esperança, Lisboa. OIM alertou para a persistência de um estereótipo sexual sobre as mulheres imigrantes de nacionalidade brasileira em Portugal
ONU News/Leda Letra
Largo da Esperança, Lisboa. OIM alertou para a persistência de um estereótipo sexual sobre as mulheres imigrantes de nacionalidade brasileira em Portugal

Agência da ONU alerta para preconceitos contra migrantes brasileiras em Portugal

Por Por Sara de Melo Rocha*
Migrantes e refugiados

Relatório da Organização Internacional para as Migrações destaca “estereótipo sexual” sobre mulheres brasileiras; Projeto Brasileiras Não Se Calam quer dar voz a quem vive o preconceito na hora de imigrar. 

A Organização Internacional para as Migrações, OIM alertou para a persistência de um estereótipo sexual sobre as mulheres imigrantes de nacionalidade brasileira em Portugal, no Relatório sobre Migrações Mundiais 2024.

No relatório, a OIM revelou que “os estereótipos da hipersexualidade das mulheres nos países de destino também afetaram as mulheres migrantes, como as brasileiras em Portugal”. Elas seriam estigmatizadas como trabalhadoras de sexo o que estaria “conduzindo a riscos acrescidos de sofrerem assédio sexual e violência de gênero”.

Brasileiras Não Se Calam

O chefe de missão da OIM em Portugal, Vasco Malta, confirma à ONU News que este tipo de preconceito ainda persiste em Portugal. Esta realidade “faz com que estas mulheres tenham muita dificuldade em encontrarem uma habitação condigna e que sejam vítimas de preconceito, de xenofobia e de racismo”.

Mariana Braz conhece bem estas dificuldades, sobretudo desde que lançou, em 2020, o projeto Brasileiras Não Se Calam. Juntamente com outras quatro mulheres, criou uma página no Instagram com o objetivo de recolher relatos de assédio e discriminação contra brasileiras imigrantes em todo o mundo.

A psicóloga, que vive em Portugal há sete anos, revela à ONU News que o projeto já recebeu centenas de relatos de brasileiras em vários países da Europa, como Portugal, Espanha, Alemanha e Inglaterra, mas também já receberam mensagens de brasileiras a viver no Japão ou no Egito.

“Não é uma coisa a nível pessoal, é uma coisa estrutural e acho que compartilhar os relatos acaba fazendo com que as mulheres tenham consciência dessas violências, tanto as que já emigraram e também as que pretendem emigrar, de irem um pouco alertadas de que isso pode acontecer.”

“Situação de muita vulnerabilidade”

A especialista confirma que a discriminação acontece nos mais diversos espaços, incluindo nos transportes públicos, no local de trabalho, nas universidades, mas o acesso à habitação é uma das principais dificuldades das imigrantes brasileiras.

“Embora isso seja uma prática que é criminalizada, acontece muito das pessoas ligarem e já na ligação falar não arrenda para brasileiros e aí a imigrante fica numa situação de muita vulnerabilidade.”

Muitas imigrantes brasileiras veem-se confrontadas com a exigência do pagamento de cauções muito elevadas ou acabam por ter de arrendar casa em zonas mais afastadas do local de trabalho. Mas para Mariana Braz, o relato com mais impacto até hoje chegou por parte de uma adolescente brasileira em Portugal que foi vítima de assédio sexual na escola por parte de colegas.

“Ela procurou a direção da escola para contar o que aconteceu e a direção culpabilizou-a porque ela é brasileira e foi para a escola de calça jeans”, afirma.

Séculos de preconceitos coloniais

Mariana Braz afirma que muitos destes preconceitos foram construídos ao longo de séculos, com início na colonização do Brasil, e que se mantêm até hoje no imaginário social português.

“Muitos desses relatos estão ligados a um suposto corpo colonial que é enxergado como podendo ser tocado sem consentimento, que é visto como exótico, como promíscuo e, por isso, supostamente sempre disponível para o ato sexual”, lamenta.

Vasco Malta lembra que a vaga de imigração brasileira nos anos 1990 também contribuiu para este estereótipo. O impacto da crise financeira dessa altura no Brasil, associada à entrada de Portugal na então Comunidade Econômica Europeia criou as condições para que muitos jovens brasileiros imigrassem para terras portuguesas, sobretudo pessoas com poucos recursos.

Mães de Bragança

O chefe de missão da OIM recorda o caso das “Mães de Bragança”, que em 2003 criou um movimento de mulheres portuguesas que buscavam a expulsão de brasileiras que trabalhavam em bordéis na cidade de Bragança. A repercussão foi tal que acabou por fazer capa em vários jornais de referência global.

“Muitos se lembrarão da capa da TIME sobre as Mães de Bragança, para relembrar que o preconceito e a ligação da mulher brasileira à prostituição já vem em Portugal desde essa altura”, acrescenta.

Apoio jurídico e psicológico

Com mais de 54 mil seguidores na rede social Instagram, o grupo Brasileiras Não se Calam evoluiu para uma rede de entreajuda para brasileiras a viver no estrangeiro, com grupos de apoio psicológico, jurídico, aulas e cursos. Em outubro o grupo vai lançar um podcast para dar voz a mulheres, cuja nacionalidade ainda é um rótulo.

Os relatos que vão chegando à OIM em Portugal são encaminhados para as autoridades, mas ainda é difícil denunciar.

“Acho que muitas pessoas acabam cometendo essa discriminação porque têm certeza da impunidade, têm certeza que não vai dar em nada, porque o processo é muito burocrático para que se faça denúncia.”

Mulheres imigrantes sofrem mais

O chefe de missão da OIM garante que as mulheres migrantes em Portugal enfrentam mais desafios e estereótipos que os homens migrantes, o que acaba por dificultar a plena integração na sociedade.

“Já foi reportado, algumas vezes, a violência de gênero e se a mulher está num âmbito de uma relação abusiva, não falando a língua, tem logo uma muita dificuldade em pedir apoio e tem uma muita dificuldade para escapar”.

Vasco Malta aponta ainda o acesso ao mercado de trabalho qualificado e à saúde como as principais dificuldades.

O Relatório sobre Migrações Mundiais 2024, divulgado em maio de 2024, incidiu ainda sob o impacto da pandemia da covid-19 para os fluxos migratórios e destacou a rapidez com que Portugal tomou medidas excecionais para responder às necessidades dos imigrantes, nomeadamente ter "regularizado temporariamente o estatuto de todos os migrantes".

 *Sara de Melo Rocha é correspondente da ONU News em Lisboa