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Exposição na sede da ONU traz histórias sobre a Escravidão Colonial Holandesa

A exposição Ten True Stories no Rijksmuseum de Amsterdã se concentra na escravidão na era colonial holandesa, do século 17 ao 19.
© Richard Koek
A exposição Ten True Stories no Rijksmuseum de Amsterdã se concentra na escravidão na era colonial holandesa, do século 17 ao 19.

Exposição na sede da ONU traz histórias sobre a Escravidão Colonial Holandesa

Direitos humanos

Africano escravizado no Brasil está entre os dez relatos selecionados entre milhões de outros; Nações Unidas defendem ação pelo fim do racismo e injustiça e em prol de sociedades inclusivas.

As Nações Unidas acolhem até o final de março a exposição interativa Escravidão: Dez Histórias da Escravidão Colonial Holandesa.

Entre itens como grãos de arroz, objetos de ouro ou de madeira, a exibição também inclui o perfil de João Mina, africano escravizado no Brasil.

Painéis interativos

Mina acabou numa plantação brasileira após ter sido comprado em Elmina, no território do atual Gana, na África Ocidental. Nessa transação esteve envolvida a Companhia Holandesa Índias Ocidentais, pioneira na colonização das Américas com presença no nordeste brasileiro no século 17.

Um dos artefatos que mais chamam a atenção é um instrumento de madeira usado para punir escravos, entre 1700 e 1850. A relíquia foi achada na década de 1960 em um celeiro na cidade holandesa de Zeeland.

O instrumento foi parte de “um sistema legal hediondo” que durante séculos afetou 15 milhões de pessoas, destaca o Programa de Extensão da ONU sobre o Tráfico Transatlântico de Escravos e Escravidão que coordena o evento. A iniciativa foi criada pela Assembleia Geral em 2006.

Os painéis interativos mostram ainda pessoas que foram escravizadas no sul e oeste da África, Bangladesh, Suriname e Caribe. Nesses lugares, a Holanda teve influência no comércio de 1 milhão de escravos entre os séculos 17 e 19.

Um dos artefatos que mais chamam a atenção é um instrumento de madeira usado para punir escravos, entre 1700 e 1850. A relíquia foi achada na década de 1960 em um celeiro na cidade holandesa de Zeeland.
ONU/Eileen Travers
Um dos artefatos que mais chamam a atenção é um instrumento de madeira usado para punir escravos, entre 1700 e 1850. A relíquia foi achada na década de 1960 em um celeiro na cidade holandesa de Zeeland.

Conectar todos os cidadãos

Valika Smeulders é uma das curadoras da exposição. A pesquisadora contou que a mostra na ONU faz uma conexão ampla. Ela contou que os especialistas consideraram essencial que a Holanda tenha aceitado que teve um papel relevante na história colonial. 

Smeulders contou que a meta era conectar todos os cidadãos na Holanda a essa grande história grande “tornando a exposição realmente pessoal.”

A mexicana Daniela Paredes, de Cancún, percorreu os painéis e considera perturbador que países ainda busquem argumentos sobre a escravidão. Ela elogiou a vontade de governos de não ignorar a presença da escravidão contemporânea.

Paredes indica como uma esperança para a humanidade que a sociedade aprenda com seus erros.

A também mexicana Alexa Bejar disse ter ficado maravilhada ao aprender mais sobre o mundo através da apresentação. Para a jovem mexicana é incrível que governos e países estejam dispostos a falar aberta e honestamente sobre o tema.

Histórias de descendentes

A leitura de códigos QR em cada um dos painéis permite aos visitantes acessar registros atualizados de descendentes e outras pessoas ligadas aos que foram favorecidos pelo tipo de comércio, às vítimas e aos que combateram.

Smeulders conta que os materiais são meticulosamente pesquisados e buscados com insistência. A produção envolveu especialistas, incluindo historiadores, um diretor de teatro, designer de interiores, artistas e um biólogo que realizou análises de DNA.

Uma dificuldade para os curadores foi escolher apenas 10 entre mais de 1 milhão de histórias. Valika Smeulders contou que entre os vários milhões de relatos só foi possível escolher uma dezena para dar uma visão do sistema escravagista.

A exibição ilustra marcos do estilo de vida da nobreza e da fuga das vítimas em busca da liberdade. Os painéis citam combatentes como Surapti, da Indonésia, que passou da escravidão à luta pela liberdade.

A exposição acontece na sede da ONU em um momento de análise de líderes mundiais sobre o legado colonial. Eles tentam harmonizar ações, incluindo o repatriamento de artefatos saqueados nessa era.
ONU/Eileen Travers
A exposição acontece na sede da ONU em um momento de análise de líderes mundiais sobre o legado colonial. Eles tentam harmonizar ações, incluindo o repatriamento de artefatos saqueados nessa era.

Parte da solução

Outro momento retrata Oopjen Coppit, a esposa de um magnata do açúcar holandês que lucrou com a escravidão. Ela foi retratada pelo célebre  pintor holandês Rembrandt.

Há também a história de coragem de Sapani, que escondeu grãos de arroz da África Ocidental em tranças quando foi forçada a entrar em um navio que navegava para o Suriname. Depois de ser escravizada numa plantação, ela plantou as sementes e os alimentos, que foram consumidos por comunidades recém-estabelecidas e simbolizaram a conquista da liberdade.

A exposição acontece na sede da ONU em um momento de análise de líderes mundiais sobre o legado colonial. Eles tentam harmonizar ações, incluindo o repatriamento de artefatos saqueados nessa era.

Em dezembro passado, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, fez um pedido formal de desculpas pelo papel de seu país no comércio de escravos.

Para Smeulders, não se trata apenas de história, mas também do futuro comum da humanidade. A pesquisadora lembra que o legado da escravidão está presente a cada dia e deve ser abordado com foco especial na discriminação e no racismo ainda prevalecentes.

“Bastão falante”

Para a especialista, é essencial manter esse diálogo na ONU e ter a exposição como um “bastão falante” para prosseguir. Uma parte da solução é reconhecer a conexão com tal passado e que, ao entendê-lo, compreender a atualidade.

Na abertura da exposição, a subsecretária-geral da ONU para a Comunicação Global, Melissa Fleming, falou que este é o momento para ensinar, aprender e entender essa história.

Para ela, a mostra ajuda na atuação para acabar com o racismo e a injustiça e construir sociedades inclusivas baseadas na dignidade e direitos humanos para todos.