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Vice-chefe da ONU volta do Afeganistão e relata esforços de defesa dos direitos das mulheres

A vice-secretária-geral Amina Mohammed fala aos repórteres sobre sua recente viagem ao Afeganistão
ONU/Loey Felipe
A vice-secretária-geral Amina Mohammed fala aos repórteres sobre sua recente viagem ao Afeganistão

Vice-chefe da ONU volta do Afeganistão e relata esforços de defesa dos direitos das mulheres

Mulheres

Além dos Talibãs, Amina Mohammed também se encontrou com representantes de ONGs, da Missão e que fizeram parte de trabalhos com a ONU Mulheres, ministros e ex-chefes de Estado.

Após visitar o Afeganistão, a vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, falou a jornalistas na sede da ONU, em Nova York, nesta quarta-feira. Ela viajou acompanhada da diretora executiva da ONU Mulheres, Sima Bahous e do secretário-geral assistente para o Oriente Médio, Ásia e Pacífico, Khaled Khiari.

Amina contou que logo que o Talibã anunciou a proibição de mulheres na educação e em locais de trabalho no país, foi organizada uma frente para reverter a situação.

Afegã no distrito em Cabul, Afeganistão. Talibã suspendeu o acesso às universidades para mulheres
© Unicef/Mohammad Haya Burhan
Afegã no distrito em Cabul, Afeganistão. Talibã suspendeu o acesso às universidades para mulheres

Ajuda da comunidade internacional

O grupo também visitou outros países, como Turquia, Indonésia, Cazaquistão e Reino Unido para ter uma resposta da comunidade internacional mais unificada.

A vice-chefe da ONU explicou que eles tinham três coisas em mente. Primeiro, a solidariedade e a importância dos direitos das mulheres. Segundo: conseguir o engajamento, envolvendo todas as partes da comunidade. E terceiro, ver se havia alguma abertura, algum impulso para uma via política.

Ela ressalta que os encontros em Cabul começaram com mulheres de ONGs, da Missão e que fizeram parte de trabalhos com a ONU Mulheres.

Em seguida, se reuniu com o ex-presidente, Hamid Karzai, o ex-primeiro-ministro, Abdullah Abdullah, e ministros. Em Herat, Amina Mohammed visitou um mercado onde as mulheres não tinham permissão para entrar.

Conversas com os Talibãs

Nas vezes em que conseguiram falar com os Talibãs, e eles mencionaram princípios humanitários, ela conta que lembraram a eles que nos princípios humanitários, a não discriminação é uma parte fundamental.

Mohammed afirma que foi tentado o melhor que poderiam para manter os princípios e os direitos das mulheres e crianças. E que eles disseram que os direitos voltariam no devido tempo, mas embora questionados quanto tempo seria, apenas disseram que seria “em breve”.

A vice-chefe da ONU explica que, para eles, o que querem é criar um ambiente que proteja as mulheres, mas “a definição de proteção deles é a opressão”. Ela contou que nunca foi visto na história do Talibã decretos sendo revertidos.  

As restrições do Talibã a mulheres e meninas no Afeganistão excluirão as mulheres da participação em atividades políticas como votação, como aconteceu com esta mulher no centro de votação de Bamyan para as eleições parlamentares do Afeganistão, realizada…
Unama/Abbas Naderi
As restrições do Talibã a mulheres e meninas no Afeganistão excluirão as mulheres da participação em atividades políticas como votação, como aconteceu com esta mulher no centro de votação de Bamyan para as eleições parlamentares do Afeganistão, realizadas em 20 de outubro de 2018.

Série de proibições

Desde o retorno do Talibã ao poder, houve uma série de decretos contra as mulheres. Entre eles, a proibição de visitar a maioria dos parques públicos, balneários e academias. Com a proibição do ensino secundário para as meninas, em dois anos, não haverá mulheres entrando em universidades.

Em 13 de novembro, o líder do Talibã, Haibatullah Akhunzada, autorizou aos juízes a sentenciar penas capitais e corporais. A Missão da ONU no Afeganistão, Unama, documentou que essas punições estão ocorrendo desde o retorno do Talibã ao poder, após o decreto elas só são mais públicas. E o grupo classifica de “anti-islâmicas” quaisquer críticas a esses castigos.

De acordo com relatores de direitos humanos, homens que acompanham mulheres vestindo roupas coloridas ou sem a face coberta por um véu são brutalmente espancados por funcionários do Talibã.

Segundo os especialistas, as autoridades do movimento islâmico estão jogando um gênero contra o outro ao encorajarem meninos e homens a controlarem o comportamento das mulheres, a forma como elas se vestem e como transitam em seus círculos sociais.

“Apartheid baseado em gênero”

Em 12 de janeiro, falando ao Conselho de Segurança, sobre a importância do Estado de direito no mundo, o secretário-geral da ONU destacou a situação no Afeganistão.

António Guterres falou em ataques sem precedentes aos direitos de mulheres e meninas e o descumprimento de obrigações internacionais, que estão criando um “apartheid baseado em gênero.”

Ele ressaltou ainda que isso prejudica o desenvolvimento de um país que precisa desesperadamente das contribuições de todos, a fim de retornar à paz sustentável.

As autoridades de facto do Afeganistão puniram homens e mulheres em quatro províncias e na capital Cabul.
© WFP/Arete/Andrew Quilty
As autoridades de facto do Afeganistão puniram homens e mulheres em quatro províncias e na capital Cabul.

Mulheres proibidas de realizar trabalho humanitário

Em dezembro do ano passado, altos funcionários e agências das Nações Unidas reagiram ao anúncio das autoridades de facto do Afeganistão proibindo que mulheres atuem em ONGs fornecendo ajuda humanitária.

As entidades, que incluem organizações da sociedade civil, contestaram a medida destacando que “impedir mulheres de realizar trabalho humanitário terá consequências imediatas que ameaçam a vida de todos os afegãos”. Em território afegão, alguns programas de ajuda interromperam temporariamente sua atuação devido à falta de funcionárias.

Na época, a diretora executiva da ONU Mulheres condenou as medidas e afirmou ser uma violação dos direitos humanos. Para Sima Bahous, além de mais uma violação flagrante dos direitos das mulheres e dos princípios humanitários pelo governo de facto, as restrições são um ato de "misoginia implacável, um ataque virulento às mulheres, suas contribuições, suas liberdades e suas vozes".

Ela lembrou que 11,6 milhões de mulheres e meninas não recebem mais assistência e que as famílias chefiadas por mulheres, que representam quase um quarto das famílias no Afeganistão, não têm para onde ir e nem meios de subsistência.

Punições em público

Desde meados de novembro, mais de 100 pessoas acusadas de vários delitos, foram punidas com açoitamentos e execuções. As autoridades de facto do Afeganistão puniram homens e mulheres em quatro províncias e na capital Cabul.

Cada um recebeu de 20 a 100 chibatadas após serem acusados de furto ou roubo, comportamento social inadequado e de manter relações fora do casamento. E nesse caso, a maioria das punições foi contra meninas e mulheres.

Segundo relatores de direitos humanos da ONU, os açoitamentos ocorreram em estádios na presença de funcionários afegãos e do público. As sentenças de morte e açoitamentos começaram após o Líder Supremo do Afeganistão autorizar o Judiciário a implementar punições pelos chamados crimes contra Deus, conhecidos como hudod.

Cada dia sem educação para mulheres e meninas no Afeganistão atrapalha os progressos feitos desde 2001
© UNICEF/Mark Naftalin
Cada dia sem educação para mulheres e meninas no Afeganistão atrapalha os progressos feitos desde 2001

Dia Internacional da Educação

A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco, dedicou o Dia Internacional da Educação deste ano às meninas e mulheres afegãs.

Atualmente, 80% das meninas e jovens afegãs, em idade escolar, estão fora da escola, por causa da decisão das autoridades de facto de negar o acesso à educação secundária e superior.

Com a data, celebrada em24 de janeiro, a Unesco pretende renovar seu apelo para restaurar imediatamente o direito das afegãs de frequentarem o ensino.

A agência também está trabalhando para oferecer educação a distância por meio da mídia afegã, principalmente pelo rádio.