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100 milhões de deslocados, “um recorde que nunca deveria ter sido alcançado”

Em 2022, 100 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. A ONU continuou a ajudar os necessitados de várias maneiras e a pressionar por maneiras mais legais e seguras para as pessoas migrarem. 
ONU/Eskinder Debebe
Em 2022, 100 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. A ONU continuou a ajudar os necessitados de várias maneiras e a pressionar por maneiras mais legais e seguras para as pessoas migrarem. 

100 milhões de deslocados, “um recorde que nunca deveria ter sido alcançado”

Ajuda humanitária

Iêmen, Síria, Mianmar, Etiópia e Ucrânia foram algumas das crises humanitárias que contribuíram para o aumento no número de pessoas que deixaram suas casas em 2022.

Em 2022, 100 milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas. A ONU continuou a ajudar os necessitados de várias maneiras e a pressionar por maneiras mais legais e seguras para as pessoas migrarem. 

O número inclui aqueles que fogem de conflitos, violência, violações de direitos humanos e perseguição e foi anunciado pela Agência de Refugiados da ONU, Acnur, em maio.  

O chefe da agência, Filippo Grandi, disse que esse era “um recorde que nunca deveria ter sido alcançado”.
ONU/Eskinder Debebe
O chefe da agência, Filippo Grandi, disse que esse era “um recorde que nunca deveria ter sido alcançado”.

Fugindo da violência  

O chefe da agência, Filippo Grandi, disse que esse era “um recorde que nunca deveria ter sido alcançado”. 

Em 2021, eram cerca de 90 milhões. Surtos de violência ou conflitos prolongados, foram os principais fatores de migração em muitas partes do mundo, incluindo Ucrânia, Etiópia, Burkina Faso, Síria e Mianmar. 

Milhares de migrantes desesperados viam a Europa como um destino preferencial, colocando suas vidas nas mãos de traficantes de seres humanos e partindo em jornadas perigosas pelo Mediterrâneo. Muitas vezes, essas viagens terminavam em tragédia. 

Piora das condições dos migrantes no Iêmen 

Já se passaram mais de sete anos desde o início do prolongado conflito no Iêmen, entre uma coalizão pró-governo liderada pela Arábia Saudita e os rebeldes Houthi, juntamente com seus aliados. A disputa causou uma catástrofe humanitária e forçou mais de 4,3 milhões de pessoas a deixar suas casas. 

Em maio, a Organização Internacional para Migrações, OIM, e a ala de Ajuda Humanitária da União Europeia, anunciaram que estavam intensificando os esforços para atender às necessidades de mais de 325 mil deslocados pelo conflito, incluindo migrantes e as comunidades que os acolhem. 

A chefe da missão da OIM no país, Christa Rottensteiner, alerta que a situação também está piorando para os migrantes no Iêmen, especialmente as mulheres, que vivem em condições terríveis no país, com pouco controle sobre suas vidas. 

Apesar da terrível situação, o Iêmen continua sendo um ponto de destino e trânsito para os migrantes que saem dos países do Chifre da África.  Os viajantes enfrentam jornadas perigosas, muitos vão para o norte, a caminho de países do Golfo em busca de trabalho. 

Muitas vezes, eles são forçados a cruzar as linhas de frente locais, correndo o risco de sofrer graves violações dos direitos humanos, como detenção, condições desumanas, exploração e transferências forçadas. 

Na Síria, a guerra vem destruindo vidas há 11 anos: quase cinco milhões de crianças nascidas na Síria nunca conheceram a paz. 
© OCHA/Sevim Turkmani
Na Síria, a guerra vem destruindo vidas há 11 anos: quase cinco milhões de crianças nascidas na Síria nunca conheceram a paz. 

Pouca perspectiva de retorno seguro à Síria 

Na Síria, a guerra vem destruindo vidas há 11 anos: quase cinco milhões de crianças nascidas na Síria nunca conheceram a paz. 

Mais de 80 mil sírios chamam o enorme acampamento Zaatari, na Jordânia, de lar: muitos deles podem ter que permanecer fora de seu país num futuro próximo. 

Em julho, o representante do Acnur em Amã, disse que as perspectivas de retorno por enquanto não parecem promissoras. Para Dominik Bartsch, não há um ambiente propício a retornos.  

No geral, a Jordânia abriga cerca de 675 mil refugiados registrados da Síria, e a maioria deles vive em suas cidades e aldeias entre as comunidades locais. Apenas 17% vivem nos dois principais campos de refugiados, Za'atari e Azraq. 

Há mais de cinco anos, centenas de milhares de rohingya fugiram de suas casas em Mianmar, após uma campanha militar de perseguição. Quase um milhão vive no campo de Cox's Bazar, do outro lado da fronteira, no vizinho Bangladesh. 
Unsplash/Ajay Karpur
Há mais de cinco anos, centenas de milhares de rohingya fugiram de suas casas em Mianmar, após uma campanha militar de perseguição. Quase um milhão vive no campo de Cox's Bazar, do outro lado da fronteira, no vizinho Bangladesh. 

Rohingya continuam fugindo de Mianmar 

Há mais de cinco anos, centenas de milhares de rohingya fugiram de suas casas em Mianmar, após uma campanha militar de perseguição. Quase um milhão vive no campo de Cox's Bazar, do outro lado da fronteira, no vizinho Bangladesh. 

Em março, a ONU lançou seu mais recente plano de resposta, pedindo mais de US$ 881 milhões para os refugiados e comunidades vizinhas, que também dependem muito de ajuda. 

Este ano, os rohingya continuaram a deixar Mianmar, muitos tentando cruzar o mar de Andaman, uma das travessias marítimas mais mortais do mundo. 

Quando mais de dez migrantes, incluindo crianças, morreram no mar na costa de Mianmar em maio, Indrika Ratwatte, diretora da agência de refugiados da ONU para a Ásia e o Pacífico, disse que a tragédia demonstrava o sentimento de desespero dos rohingyas ainda no país. 

Dez meses depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, que começou em 24 de fevereiro e parece provável que continue até 2023, mais de 7,8 milhões de refugiados ucranianos foram registrados em toda a Europa. 
© UNOCHA/Oleksandr Ratushniak
Dez meses depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, que começou em 24 de fevereiro e parece provável que continue até 2023, mais de 7,8 milhões de refugiados ucranianos foram registrados em toda a Europa. 

Refugiados ucranianos 

Dez meses depois da invasão da Ucrânia pela Rússia, que começou em 24 de fevereiro e parece provável que continue até 2023, mais de 7,8 milhões de refugiados ucranianos foram registrados em toda a Europa. 

Logo após o início do conflito, as agências da ONU se mobilizaram para fornecer apoio. O Acnur coordenou a resposta aos refugiados junto com outras agências e parceiros da ONU, em apoio às autoridades nacionais. 

Na vizinha Polônia, por exemplo, a equipe apoiou as autoridades no registro de refugiados e no fornecimento de acomodação e assistência. 

Filippo Grandi elogiou os países europeus por sua disposição de receber ucranianos, a maioria dos quais buscou abrigo em países vizinhos, mas expressou sua tristeza pelo país e seus cidadãos. 

Destruição 

Ele disse que “famílias foram desmembradas sem sentido”. E que, “tragicamente, a menos que a guerra seja interrompida”, o mesmo acontecerá com muitos mais. 

Em março, Grandi falou sobre a discriminação, racismo e violência que membros de comunidades minoritárias enfrentaram. 

Falando no Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, o chefe do Acnur disse que a agência deu testemunho “da terrível realidade, que algumas pessoas negras e pardas que fogem da Ucrânia, e outras guerras e conflitos ao redor do mundo, de não receberam o mesmo tratamento que os refugiados ucranianos”. 

As preocupações de Grandi foram repetidas, em julho, por González Morales, relator especial da ONU sobre os direitos humanos dos migrantes. Ele alegou que havia um padrão duplo na forma como os refugiados são tratados na Polônia e na Bielorrússia, especialmente quando se trata de pessoas de ascendência africana e outras minorias raciais e étnicas. 

Na Etiópia, milhões permanecem deslocados devido ao conflito armado na região de Tigray, que começou em 3 de novembro de 2020 entre forças nacionais etíopes, tropas da Eritreia, forças de Amhara e outras milícias de um lado e forças leais à frente de lib…
Unicef/Victor Wahome
Na Etiópia, milhões permanecem deslocados devido ao conflito armado na região de Tigray, que começou em 3 de novembro de 2020 entre forças nacionais etíopes, tropas da Eritreia, forças de Amhara e outras milícias de um lado e forças leais à frente de libertação do povo de Tigray no outro. 

Situação desesperadora nos campos etíopes 

Na Etiópia, milhões permanecem deslocados devido ao conflito armado na região de Tigray, que começou em 3 de novembro de 2020 entre forças nacionais etíopes, tropas da Eritreia, forças de Amhara e outras milícias de um lado e forças leais à frente de libertação do povo de Tigray no outro. 

No final deste ano, uma frágil trégua negociada internacionalmente parecia estar valendo com o retorno da ajuda às regiões do norte inacessíveis por meses, junto com muitos voltando para casa para reconstruir suas vidas destruídas. 

Em janeiro, a agência de refugiados da ONU emitiu um alerta severo de que, devido à deterioração das condições, os refugiados na região estavam lutando para conseguir comida, remédios e água potável suficientes e corriam o risco de morrer, a menos que a situação melhorasse. 

O porta-voz do Acnur, Boris Cheshirkov, disse que a situação desesperadora nesses campos é um exemplo claro do impacto da falta de acesso e suprimentos que afeta milhões de deslocados e outros civis em toda a região. 

Os refugiados também se viram sob ataque direto: em fevereiro, por exemplo, milhares de eritreus foram forçados a fugir de um acampamento na região de Afar, depois que homens armados invadiram, roubaram pertences e mataram moradores. 

Em agosto, as agências da ONU lançaram um apelo urgente por financiamento para ajudar mais de 750 mil pessoas que buscam refúgio na Etiópia. O Programa Mundial de Alimentos alertou que, a menos que recebesse o financiamento, muitos refugiados não teriam nada para comer. 

O número de pessoas que morreram ou desapareceram tentando chegar à Europa de barco dobrou entre 2022 e 2021, para mais de 3 mil. Esta estatística sombria foi divulgada pelo Acnur em abril.
© SOS Méditerranée/Fabian Mondl
O número de pessoas que morreram ou desapareceram tentando chegar à Europa de barco dobrou entre 2022 e 2021, para mais de 3 mil. Esta estatística sombria foi divulgada pelo Acnur em abril.

Milhares morrem tentando chegar à Europa de barco 

O número de pessoas que morreram ou desapareceram tentando chegar à Europa de barco dobrou entre 2022 e 2021, para mais de 3 mil. Esta estatística sombria foi divulgada pelo Acnur em abril. 

A porta-voz do Acnur, Shabia Mantoo, disse a jornalistas em uma coletiva de imprensa em Genebra que “a maioria das travessias marítimas ocorreu em barcos infláveis lotados, impróprios para navegar, muitos dos quais viraram ou esvaziaram, levando à perda de vidas”. 

Isso não impediu que muitos se arriscassem consideravelmente ao tentar uma travessia marítima. Em apenas uma tentativa, em março, pelo menos 70 migrantes foram mortos ou ficaram desaparecidos na costa da Líbia, ponto de partida para muitas travessias. 

Em agosto, quando um barco afundou na ilha grega de Karpathos, houve dezenas de mortes relatadas e, em setembro, mais de 70 corpos foram recuperados após um naufrágio na costa da Síria. 

Esperança de um futuro melhor? 

Em meio à tragédia e às dificuldades enfrentadas por tantos, houve pelo menos um raio de luz, noticiado em dezembro. 

O Acnur declarou que os governos de todo o mundo prometeram cerca de US$ 1,13 bilhão, uma quantia recorde, para fornecer uma tábua de salvação para as pessoas deslocadas pela guerra, violência e violações dos direitos humanos. 

Grandi disse que “como resultado do conflito, da emergência climática e de outras crises, as pessoas deslocadas em todo o mundo enfrentam necessidades sem precedentes”. E que “felizmente, os generosos doadores do Acnur continuam a apoiá-los durante esses dias difíceis, criando esperança para um futuro melhor.”