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Direitos Humanos não são instrumento de geopolítica, diz alto comissário da ONU

Em um bairro de Aden, Iêmen, uma menina de três anos brinca com amigos da vizinhança
© Unicef/Saleh Hayyan
Em um bairro de Aden, Iêmen, uma menina de três anos brinca com amigos da vizinhança

Direitos Humanos não são instrumento de geopolítica, diz alto comissário da ONU

Direitos humanos

Volker Turk lança iniciativa para celebrar aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos; para ele, é preciso pensar novas formas para enfrentar desafios atuais; este 10 de dezembro é o Dia dos Direitos Humanos; ele citou as crises no Haiti, na Ucrânia e em Moçambique.

O alto comissário da ONU para os Direitos Humanos lançou uma campanha para comemorar os 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A iniciativa é coordenada pelo Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas e parceiros. Entre as ações estão formas de renovar a consciência e o compromisso com os direitos humanos, especialmente entre os jovens.

Chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, na capital ucraniana, Kyiv, no início de uma visita oficial ao país
Ohchr
Chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, na capital ucraniana, Kyiv, no início de uma visita oficial ao país

Nova ideias para superar desafios

O lançamento ocorre na véspera do Dia dos Direitos Humanos, marcado neste 10 de dezembro.

Volker Turk disse que é preciso encontrar novas formas de responder aos desafios dos direitos humanos. Para ele, o mundo não pode permitir que seus líderes considerem os direitos humanos “apenas como uma reflexão tardia ou, pior: um instrumento de geopolítica”.

O alto comissário afirma que a iniciativa é uma oportunidade para recordar o consenso que esta Declaração previa, e “para redefinir e fortalecer a notável infraestrutura de direitos humanos que foi construída”.

O chefe de Direitos Humanos falou da comoção de visitar a Ucrânia, e lembrou de uma parte da Declaração Universal que fala no “desrespeito e o desprezo pelos direitos humanos” que “resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade”.

Ele disse que nas “muitas crises e calamidades” estas verdades estão acontecendo. E mesmo onde os desafios “parecem intratáveis, se os líderes na política e na sociedade centrarem suas respostas apenas nos direitos humanos, as soluções estarão sempre à vista”.

Crises variadas pelo mundo

Além da Ucrânia, ele citou a situação do Haiti com gangues armadas, supostamente apoiadas por elites econômicas e políticas, que controlam mais de 60% do capital.

Cerca de 4,7 milhões enfrentam fome aguda no país. Desde o início deste ano, 1.448 pessoas morreram, 1.145 ficaram feridas e 1.005 foram sequestradas por gangues.

O alto comissário lembra que “por trás de cada um desses números estão famílias e comunidades inteiras dilaceradas pela violência”. E que membros de gangues também estão usando a violência sexual para incutir medo e exercer controle sobre a população, conforme relatório divulgado por seu Escritório.

Pessoas deslocadas pela violência em Cabo Delgado estão recebendo ajuda humanitária
Unicef/Ricardo Franco
Pessoas deslocadas pela violência em Cabo Delgado estão recebendo ajuda humanitária

Deslocados em Moçambique

O alto comissário também citou os cinco anos do conflito em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, onde civis continuam morrendo e sujeitos a violência sexual, raptos e desaparecimentos forçados. A violência segue causando destruição de escolas, centros de saúde, propriedades privadas e locais religiosos. Quase 1 milhão de pessoas foram deslocadas, mais da metade delas crianças.

Ele acredita que para abordar as causas profundas do conflito será preciso proteger os direitos econômicos e sociais, preservar o espaço cívico e garantir o acesso à justiça priorizando os jovens e as mulheres.

A juventude e as mulheres também devem ser parte central no desenvolvimento socioeconômico e na tomada de decisões, incluindo o uso de recursos naturais que afetam diretamente suas vidas.

Sanções do Conselho de Segurança

Turk destacou as possíveis soluções, afirmando que as causas profundas da crise, especialmente desigualdades sociais, corrupção desenfreada, choques entre elites poderosas e líderes de gangues e impunidade endêmica, devem ser abordadas.

O chefe de Direitos Humanos da ONU mencionou o recente regime de sanções do Conselho de Segurança e o embargo de armas direcionado contra membros das elites econômicas e políticas do Haiti que supostamente apoiam essas gangues financeira e operacionalmente enviam uma mensagem muito forte para aqueles que ameaçam a paz, a segurança e a estabilidade do país.

Turk também apelou aos Estados para garantir que todos aqueles que desejam solicitar asilo tenham acesso a procedimentos de asilo justos e eficientes.

 

O Iêmen é uma das piores crises humanitárias do mundo, com 24 milhões de pessoas afetadas.
PMA/Jonathan Dumont
O Iêmen é uma das piores crises humanitárias do mundo, com 24 milhões de pessoas afetadas.

Ao comentar a situação no Iêmen, o alto comissário ressaltou a necessidade de terminar o conflito no Iêmen e a importância da renovação da trégua para possibilitar discussões rumo a um acordo mais abrangente. O chefe de Direitos Humanos contou que seu Escritório continua recebendo relatos de vítimas civis, especialmente crianças, perto da linha de frente devido a minas terrestres e outros restos explosivos de guerra.

Uma outra preocupação são alegações de graves violações dos direitos humanos, incluindo tortura, detenção arbitrária, tráfico, extorsão e abuso sexual de pessoas que fogem para outros países.

Afeganistão e Somália

Em relação ao Afeganistão, ele citou a contínua exclusão sistemática de mulheres e meninas de praticamente todos os estratos sociais.  Para Turk, isso impede que o país se beneficie das contribuições de meninas e mulheres.  

O alto comissário condenou ainda o uso contínuo de penas corporais e capitais, incluindo os casos mais recentes de chicotadas e execuções realizadas em público neste.

Sobre a Somália, que enfrenta uma catástrofe humanitária em meio à seca mais longa e severa da história recente, ele chamou a atenção para o aumento acentuado no número de vítimas civis.

As baixas, registradas de janeiro a novembro, são 51% maiores do que no mesmo período do ano passado.

De acordo com o alto comissário, as sérias preocupações com os direitos humanos também incluem a prisão e detenção de jornalistas, dificultando a liberdade de expressão, fomentando a autocensura e agravando as vulnerabilidades preexistentes dos direitos humanos.

Violações de Direitos Humanos em conflitos

Para Turk, um traço comum entre essa e outras crises, é o desrespeito aos direitos humanos como discriminação racial persistente e outras formas de discriminação, repressões violentas contra a dissidência; violações do direito a um padrão de vida adequado.

Segundo ele, o discurso de ódio, inclusive em ambientes digitais não regulamentados, está levando a mais retrocesso de direitos, como a igualdade de gênero, que ele acredita ter sofrido um grande baque.

O chefe de Direitos Humanos destaca o peso do impacto dessas crises, que sempre é suportado pelos mais marginalizados, os mais excluídos, entre eles particularmente: mulheres, crianças, migrantes, povos indígenas, deslocados internos, pessoas com deficiência, idosos, minorias étnicas e raciais e pessoas Lgbtiq+.

O alto comissário citou uma crise de confiança global. Para ele, o aumento de movimentos sociais e protestos, em todas as regiões, é um sinal claro da corrosividade de instituições que deveriam servir as pessoas.

Volker Turk encerrou dizendo que a Covid-19 e a emergência climática deixaram uma grande lição sobre o quanto somos interdependentes e para isso devemos nos unir para proteger nossos valores compartilhados de direitos humanos e humanidade.