Perspectiva Global Reportagens Humanas

Copa do Mundo de 2022: o que mudou para os trabalhadores migrantes no Catar?

Copa do Mundo no Catar colocou o país no centro das atenções para questões trabalhistas
Foto: Osce
Copa do Mundo no Catar colocou o país no centro das atenções para questões trabalhistas

Copa do Mundo de 2022: o que mudou para os trabalhadores migrantes no Catar?

Direitos humanos

Organização do maior evento da FIFA, que acontece este ano no Catar, colocou o país no centro das atenções; mudanças nas leis do país possibilitou mobilidade aos trabalhadores; Organização Internacional do Trabalho trabalha com autoridades locais para seguir avançando em questões trabalhistas.

Na última década, relatos de exploração do trabalho de migrantes e até mesmo de trabalho forçado foram amplamente difundidos. Em 2014, sindicatos internacionais apresentaram uma queixa na Organização Internacional do Trabalho, OIT, contra o Catar, alegando que as autoridades não estavam resolvendo violações de direitos trabalhistas.

Após um período de intensas negociações, o país e a OIT concordaram e lançaram um programa para apoiar grandes reformas trabalhistas. As medidas tomadas já melhoraram as condições de trabalho e de vida de milhares de trabalhadores, embora sejam necessários esforços adicionais urgentes para garantir que todos possam se beneficiar.

Homens trabalham em um canteiro de obras no Catar.
ILO/Apex
Homens trabalham em um canteiro de obras no Catar.

Liberdade para mudar de emprego

Anteriormente, os trabalhadores no Catar exigiam permissão de seus empregadores para mudar de emprego. Para a OIT, esse é um dos elementos mais problemáticos do sistema kafala, que regula o trabalho de migrantes no país e tornava os trabalhadores excessivamente dependentes de seus empregadores, criando situações de exploração do trabalho.

Após as mudanças no sistema kafala em 2020, os trabalhadores passam a ser livres para mudar de emprego a qualquer momento, após um período de aviso prévio de até dois meses. Os trabalhadores migrantes, incluindo domésticos, também não precisam mais de uma permissão de saída aprovada pelo empregador para deixar o país.

Mais de 350 mil pedidos de mudança de emprego foram aprovados nos dois anos seguintes à introdução da nova legislação, com resultados positivos para a economia do Catar como um todo.

Mudança de emprego: o que ainda precisa ser feito?

Essas grandes mudanças na lei trabalhista do Catar reduziram significativamente a vulnerabilidade dos migrantes ao trabalho forçado, resultado do controle excessivo que os empregadores tinham sobre suas vidas.

Mas muitos trabalhadores ainda enfrentam obstáculos para deixar empregos e mudar para novos, incluindo retaliação de seus empregadores, como cancelamento de autorizações de residência de trabalhadores ou apresentação de falsas acusações de “fuga” contra eles.

O Ministério do Trabalho e o Ministério do Interior do Catar estão conectando seus sistemas eletrônicos para verificar informações e impedir que os empregadores tomem tais ações, mas é necessário mais trabalho para impedir essas práticas de retaliação.

A falta de informação sobre a mobilidade laboral é também um importante obstáculo à mudança de emprego. Os procedimentos e regulamentos devem ser clarificados, para que sejam bem compreendidos por todos os trabalhadores e empregadores, que poderiam beneficiar das reformas.

Trabalhadores devem receber seus salários devidos em dia

Em março de 2021, o Catar se tornou o primeiro país da região do Golfo a adotar um salário-mínimo não discriminatório que se aplica a todos os trabalhadores, de todas as nacionalidades, em todos os setores, incluindo o trabalho doméstico.

Isso resultou em 13% da força de trabalho, ou cerca de 280 mil pessoas, vendo seus salários subirem para o novo patamar mínimo.

Os empregadores são obrigados a transferir os salários dos funcionários por meio dos bancos do Catar, permitindo que o Ministério do Trabalho monitore as transferências e reduza os abusos salariais.

Salários: o que ainda precisa ser feito?

Apesar do significativo sucesso das medidas tomadas para proteger os salários, ainda há muitos trabalhadores que esperam meses para ver seus salários pagos.

As multas por falta de pagamento de salários foram aumentadas e estão sendo aplicadas com mais rigor. Um fundo estabelecido pelo governo desembolsou US$ 320 milhões para trabalhadores desde 2019, demonstrando a escala dos abusos salariais.

De acordo com os padrões internacionais, os dados, inclusive sobre o custo de vida, devem ser coletados para uma revisão do salário-mínimo. A Comissão do Salário-Mínimo do Catar deve consultar os representantes dos trabalhadores e dos empregadores para revisar periodicamente e propor ajustes ao salário-mínimo.

Zero tolerância para acidentes

A preparação para a Copa do Mundo da Fifa 2022 desencadeou um enorme programa de construção no Catar, abrangendo a construção de estádios e outras infraestruturas, como hotéis, estradas e sistemas de transporte público.

Os relatos sobre lesões e mortes relacionadas ao trabalho têm variado, levantando questões sobre o número real de acidentes de trabalho no país.

Usando uma metodologia recém-desenvolvida, a OIT trabalhou com o governo e outras instituições importantes no Catar para publicar um relatório apresentando os dados mais abrangentes disponíveis sobre o assunto.

A adoção e implementação de novas políticas de Segurança e Saúde Ocupacional e de inspeção, bem como a mitigação do estresse térmico também estão entre as prioridades da OIT no Catar.

Copa do Mundo não é a linha de chegada

Há um reconhecimento universal de que o trabalho não está completo e mais precisa ser feito para aplicar e fazer cumprir plenamente as reformas da legislação trabalhista do Catar.

Entre as principais prioridades, a OIT destaca que todos os trabalhadores e empregadores devem poder se beneficiar das reformas kafala sobre mobilidade laboral e que o processo de justiça e pagamento de salários devidos devem ser agilizados.

Além disso, a agência defende que a lei de proteção para trabalhadores domésticos deve ser totalmente implementada. Por fim, além da Copa do Mundo, a OIT deve continuar a trabalhar com o governo, trabalhadores e empregadores para apoiar ainda mais o alinhamento das leis e práticas do Catar com os padrões internacionais de trabalho.