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Homem ganha certificado 25 após iniciar carreira de soldador e quer investir em jovens

  O que mais gosto de fazer é soldar tratores e caminhões
© ILO/OIT Belinda Japhet
O que mais gosto de fazer é soldar tratores e caminhões

Homem ganha certificado 25 após iniciar carreira de soldador e quer investir em jovens

Desenvolvimento econômico

Hussein Juma Hassan saiu da escola porque o pai não podia pagar mensalidades; ele aprendeu a arte de soldar e começou a trabalhar para o governo local na Tanzânia; 25 anos depois, fez um treinamento formal e recebeu o certificado profissional; agora, ele quer ajudar a formar outros jovens: “fracassar na escola não é fracassar na vida”, diz ele.

“Quando eu tive a chance de obter meu certificado e ser formalmente reconhecido como um soldador profissional, eu estava ansioso para aproveitar essa oportunidade. Antes, eu não tinha nenhuma prova das habilidades e experiência que eu fui somando ao longo de 25 anos e aprendizado informal no trabalho."

Eu nunca frequentei a escola ou participei de nenhum programa de treinamento para aprender o ofício de soldar. O meu pai teve que me tirar do colégio após sofrer uma grande perda financeira e não poder manter a gente na escola.

Você pode imaginar o quão deprimente foi isso para mim quando menino: perder a chance da educação enquanto todos os meus amigos seguiam estudando. Mas eu não posso culpar ninguém, na realidade. Doeu ao meu pai ter que tirar da escola, mas eles tinham meus irmãos mais novos que precisavam ser alfabetizados.

Embora meu pai não tenha podido me matricular num treinamento, ele decidiu me levar a um pequeno armazém na região de Tanga, na parte continental da Tanzânia, onde eu me tornei um aprendiz de soldador. Eu saí de casa e passei dois anos aprendendo esse ofício em Tanga.

Conhecimento suficiente para ser um trabalhador informal

Após retornar para Zanzibar, eu ainda não tinha as habilidades necessárias para arranjar um emprego, mas tinha conhecimento suficiente para ser um trabalhador informal em pequenos trabalhos na área de construção. E quando esses contratos acabavam, eu voltava a trabalhar em qualquer coisa.

Eu aprendi muito nesses cinco anos, trabalhando numa variedade de projetos desde casas até construção de sítios e garagens. Eu percebi que eu gostava de trabalhar com veículos como tratores e ônibus. Então eu consegui um emprego de tempo integral num projeto agrícola do governo. A minha função era reparar e soldar o caminhão de irrigação e outros aparelhos. Desde então, eu tenho trabalho neste local.

Eu trabalho no departamento de solda. Após me apresentar ao supervisor, eu começo a soldar três tratores diferentes. No momento, eu tenho mais de 700 tratores e outras máquinas que precisam de solda. É bastante trabalho.
© ILO/OIT Belinda Japhet
Eu trabalho no departamento de solda. Após me apresentar ao supervisor, eu começo a soldar três tratores diferentes. No momento, eu tenho mais de 700 tratores e outras máquinas que precisam de solda. É bastante trabalho.

 

Em 2019, alguém do governo me contou sobre um novo programa de Reconhecimento de Aprendizados Anteriores. Ele me incentivou a enviar uma inscrição para a Autoridade de Treinamento Vocacional em Zanzibar para que eu pudesse obter um certificado como soldador.

Para mim, era a chance de finalmente de poder dizer que eu era um soldador profissional. Eu sabia que era um bom soldador e que tinha aprendido minha profissão com profissionais de muitos países como Tanzânia, Gana e Canadá. Mas eu não tinha nenhuma prova do nível de conhecimentos que eu havia adquirido.

Gerenciar equipes e expandir negócios

Recebi meu certificado em abril de 2022.  
ILO/OIT Belinda Japhet
Recebi meu certificado em abril de 2022.  

A avaliação levou três dias. Nós todos tivemos que nos reportar ao Centro VTA e recebemos um avaliador. O meu tinha muitas perguntas sobre o meu percurso profissional, minhas habilidades e a minha rotina de trabalho. Ele veio ao meu local de trabalho, me observou em ação, conversou com meu supervisor e com meu empregador. Eu fiquei feliz de saber que o avaliador também era um treinador de soldadores, e que ele realmente conhecia o ofício e sabia o que buscava.

Depois disso me disseram que eu deveria voltar ao centro VTA com outros soldadores para um treinamento. Esta para mim foi a melhor parte de todo o processo. Nós aprendemos as melhores práticas e como manter os padrões de saúde e segurança no trabalho. Esta arte pode ser muito perigosa. Alguns empregadores não se preocupam com os equipamentos de proteção, por isso era bastante importante para nós obter essas informações.

Também nos ensinaram noções de contabilidade, como gerenciar equipes e como expandir nossos negócios. Eu não trabalho somente como empregado, mas também tenho um pequeno negócio como soldador. Fiquei muito grato por essa pequena formação. Logo depois, eles me disseram que eu iria receber meu certificado.

Recompensa monetária

Para mim, este papel mudou a minha vida de duas grandes maneiras. Meu salário aumentou pela primeira vez em 30% logo depois. Isso me incentivou porque meu empregador tem aumentado minhas responsabilidades e tarefas durante os últimos anos. E foi bom ter visto a recompensa monetária disso.

Em segundo lugar: eu comecei realmente a ver o valor das minas habilidades. As perguntas que me faziam e as habilidades que eu tinha que mostrar para o examinador me fizeram ver que eu tinha mais de 25 anos de experiência nessa área, e que tinha muito para ensinar aos outros também. E é isso que pretendo fazer com o meu pequeno negócio.

Depois que saio do trabalho, eu geralmente vou para o meu próprio negócio para acompanhar o funcionamento lá. Eu tenho um jovem em horário integral, e quatro outros funcionários que eu emprego temporariamente. O meu trabalhador de tempo integral já está …
© ILO/OIT Belinda Japhet
Depois que saio do trabalho, eu geralmente vou para o meu próprio negócio para acompanhar o funcionamento lá. Eu tenho um jovem em horário integral, e quatro outros funcionários que eu emprego temporariamente. O meu trabalhador de tempo integral já está aqui há mais de seis anos e tudo que ele sabe sobre solda aprendeu comigo.

Nos últimos dois anos, a vida em Zanzibar tem ficado mais difícil. Por causa da Covid-19, passamos muitos meses sem nenhum turista, e quase não se tem dinheiro em circulação. Os preços aumentaram bastante e está ficando mais difícil para as pessoas sustentarem suas famílias. Eu me sinto muito feliz de ainda ter um trabalho e de poder manter esse pequeno negócio para sustentar minha família

Nos próximos cinco anos, eu espero me aposentar. Eu adoro o que faço e devo continuar soldando, mas quero expandir meu negócio e ter mais tempo para formar jovens na minha comunidade.

Existem tantos jovens que não conseguem sucesso na escola e acabam nas ruas, sem futuro. Eu acredito que aprender uma profissão, um ofício como soldar ou fazer algo com as mãos pode melhorar a vida deles.

Primeiro eu quero dizer a esses jovens que ser reprovado na escola ou não terminar os estudos não é fracassar na vida. Para os jovens como eu que tiveram que abandonar o colégio por questões financeiras em casa, eu quero lembrar a eles da minha experiência. Existem muitas oportunidades para aprender habilidades e agora temos também esse programa que reconhece aprendizados anteriores. Isso permite a vocês se tornar profissionais certificados.

Sobretudo, eu imploro a vocês que não deixem de aprender. Olhem para mim, eu já passei de 50 e continuo aprendendo.”

 

Sou casado e tenho seis filhos. Minha esposa fica em casa tomando conta da família enquanto eu trabalho para o nosso sustento. Sou muito feliz  por ter um emprego estável principalmente nos últimos dois anos da pandemia.
© ILO/OIT Belinda Japhet
Sou casado e tenho seis filhos. Minha esposa fica em casa tomando conta da família enquanto eu trabalho para o nosso sustento. Sou muito feliz por ter um emprego estável principalmente nos últimos dois anos da pandemia.