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Unctad alerta que sem mudanças urgentes, haverá recessão global

O crescimento global cairá para 2,2% no próximo ano, a previsão é da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad*, que prevê para este ano, um aumento de 2,5% na economia.
IMF/Ernesto Benavides
O crescimento global cairá para 2,2% no próximo ano, a previsão é da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad*, que prevê para este ano, um aumento de 2,5% na economia.

Unctad alerta que sem mudanças urgentes, haverá recessão global

Desenvolvimento econômico

Relatório Comércio e Desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad, cita choques de oferta, baixa no nível de confiança do consumidor e guerra na Ucrânia; chefe da agência, Rebeca Grynspan, pede vontade política. 

O crescimento global cairá para 2,2% no próximo ano, a previsão é da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad*, que prevê para este ano, um aumento de 2,5% na economia.  

Segundo a agência da ONU, se não houver mudanças urgentes em políticas, o mundo poderá viver uma recessão global para a qual já caminha. 

Desaceleração global e pressões inflacionárias 

Os dados são do Relatório Comércio e Desenvolvimento 2022, divulgado nesta segunda-feira, em Genebra, sede da Unctad. 

Os movimentos da política monetária e fiscal nas economias avançadas  podem causar não só uma recessão global, mas também estagnação prolongada levando a danos piores do que a crise financeira de 2008. Segundo o documento, choques de oferta, queda nos índices de confiança do consumidor e de investidores além da guerra na Ucrânia provocaram uma desaceleração global e desencadearam pressões inflacionárias. 

Algumas medidas como o aumento da taxa de juros de bancos centrais pelo mundo devem levar a um corte ainda maior no crescimento.  

O relatório da Unctad indica que todas as regiões do mundo estão sendo afetadas por esse quadro, mas os países em desenvolvimento são os mais vulneráveis.  

Cerca de 60% das nações de baixa renda estão em situação de sobre endividamento ou quase chegando a esse quadro. 

A agência da ONU afirma que as instituições financeiras internacionais precisam aumentar, urgentemente, a liquidez e estender a mais países o alívio da dívida real. 

Já as economias avançadas devem limitar o aperto fiscal.  

A Unctad recomenda esforços globais que tentem reduzir o preço dos alimentos, energia e fertilizantes. 
OIT/ Kevin Cassidy
A Unctad recomenda esforços globais que tentem reduzir o preço dos alimentos, energia e fertilizantes. 

Queda de salários reais 

A Unctad recomenda esforços globais que tentem reduzir o preço dos alimentos, energia e fertilizantes.  

Em um momento de queda dos salários reais, aperto fiscal, turbulência financeira e apoio e coordenação multilaterais insuficientes, o aperto monetário excessivo pode inaugurar um período de estagnação e instabilidade econômica para muitos países em desenvolvimento e alguns desenvolvidos. 

Os aumentos das taxas de juros deste ano nos Estados Unidos devem cortar cerca de US$ 360 bilhões de receita futura para os países em desenvolvimento (excluindo a China) e sinalizar ainda mais problemas à frente, alerta o relatório. 

A secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan, diz que “ainda há tempo de sair da beira da recessão.
Pnud
A secretária-geral da Unctad, Rebeca Grynspan, diz que “ainda há tempo de sair da beira da recessão. 

Questão de vontade política, diz Rebeca

“Temos as ferramentas para acalmar a inflação e apoiar todos os grupos vulneráveis. Esta é uma questão de escolhas de políticas e vontade política. Mas o atual curso de ação está prejudicando os mais vulneráveis, especialmente nos países em desenvolvimento, e corre o risco de levar o mundo a uma recessão global”, afirma Grynspan. 

As perspectivas estão piorando, e o PIB real pode ficar ainda abaixo de sua tendência pré-pandemia até o final do próximo ano e um déficit acumulado de mais de US$ 17 trilhões -- perto de 20% da renda mundial. 

Os países de renda média da América Latina, bem como os países de baixa renda da África, registrarão algumas das desacelerações mais acentuadas este ano.  

O relatório observa que os países que estavam mostrando sinais de sobre-endividamento antes da Covid estão sofrendo alguns dos maiores golpes com Zâmbia, Suriname, Sri Lanka e Paquistão com choques climáticos ameaçando ainda mais a estabilidade econômica. 

Os fluxos líquidos de capital para países em desenvolvimento tornaram-se negativos com a deterioração das condições financeiras desde o último trimestre de 2021, diz o relatório. Na liquidez, os países em desenvolvimento estão agora financiando os desenvolvidos. 

Cerca de 90 países em desenvolvimento viram suas moedas enfraquecerem em relação ao dólar este ano
ONU
Cerca de 90 países em desenvolvimento viram suas moedas enfraquecerem em relação ao dólar este ano

Tesouro dos Estados Unidos 

Cerca de 90 países em desenvolvimento viram suas moedas enfraquecerem em relação ao dólar este ano – mais de um terço deles em mais de 10%; as reservas cambiais estão caindo e os spreads de títulos estão aumentando, com um número crescente apresentando rendimentos 10 pontos percentuais acima dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. 

Atualmente, 46 países em desenvolvimento estão severamente expostos a múltiplos choques econômicos e outros 48 seriamente expostos, aumentando a ameaça de uma crise global da dívida. 

O relatório conclui que a situação nos países em desenvolvimento é muito mais tênue do que o reconhecido pelo G20 e outros fóruns financeiros internacionais, com conversas sobre uma rede de segurança financeira global cada vez mais em desacordo com sua realidade. 

Os países em desenvolvimento já gastaram cerca de US$ 379 bilhões em reservas para defender suas moedas este ano, quase o dobro da quantidade de novos Direitos Especiais de Saque (Special Drawing Rights, ou SDR na sigla em inglês) recentemente alocados a eles pelo Fundo Monetário Internacional, e também sofreram um impacto significativo da fuga de capitais. 

A Unctad pede o aumento da Assistência Oficial ao Desenvolvimento, ODA na sigla em inglês, um uso maior, mais permanente e mais justo dos SDRs, mecanismos de hedge (estratégia de redução de riscos)
ONU Mulheres
A Unctad pede o aumento da Assistência Oficial ao Desenvolvimento

Assistência ao Desenvolvimento 

A Unctad pede o aumento da Assistência Oficial ao Desenvolvimento, ODA na sigla em inglês, um uso maior, mais permanente e mais justo dos SDRs, mecanismos de hedge (estratégia de redução de riscos) para lidar com a volatilidade da taxa de câmbio e maior alavancagem do capital multilateral para apoiar os países em desenvolvimento com programas sociais abrangentes.  

Mas, além disso, o progresso em um quadro legal multilateral para lidar com a reestruturação da dívida, incluindo todos os credores oficiais e privados, deve ser uma prioridade. 

O relatório recomenda um programa de reformas nas economias em desenvolvimento para aumentar o investimento produtivo e restringir o movimento de capital que explora as brechas fiscais, juntamente com novos arranjos para apoiar o comércio, o investimento e os laços financeiros regionais. 

Nos países desenvolvidos, a inflação tem sido impulsionada principalmente pelos preços das commodities – especialmente energia – e gargalos persistentes nas cadeias de suprimentos, com raízes no investimento insuficiente desde a crise financeira global. As medidas de inflação que excluem a energia são consideravelmente inferiores à inflação dos preços ao consumidor. 

Em muitos países em desenvolvimento, a inflação foi em grande parte impulsionada pelos preços da energia e pela depreciação da taxa de câmbio, o que tornou as importações mais caras. 

Contêineres em um porto em Miami, EUA.
Unsplash/Jared Sanders
Grandes corporações multinacionais com considerável poder de mercado parecem ter aproveitado indevidamente o contexto atual, elevando as margens para aumentar os lucros. 

Austeridade é aposta perigosa 

Grandes corporações multinacionais com considerável poder de mercado parecem ter aproveitado indevidamente o contexto atual, elevando as margens para aumentar os lucros. 

Nessas circunstâncias, diz o relatório, remontar à década de 1970 ou a décadas posteriores marcadas por políticas de austeridade em resposta aos desafios de hoje é uma aposta perigosa. 

“O verdadeiro problema enfrentado pelos formuladores de políticas não é uma crise de inflação causada por muito dinheiro para poucos bens, mas uma crise de distribuição, com muitas empresas pagando dividendos muito altos, muitas pessoas sobrevivendo com o salário mês a mês e muitos governos sobrevivendo com cada pagamento de títulos”, disse Richard Kozul-Wright, chefe da equipe responsável pelo relatório. 

Com a inflação já começando a diminuir nas economias avançadas, a Unctad pede uma correção de curso em favor de políticas visando picos de preços de energia, alimentos e outras áreas vitais diretamente. 

Os preços dos cereais caíram 1,4%, liderados por uma queda de 5,1% nos preços internacionais do trigo ligada à retomada das exportações dos portos do Mar Negro
© UNOCHA/Levent Kulu
Os preços dos cereais caíram 1,4%, liderados por uma queda de 5,1% nos preços internacionais do trigo ligada à retomada das exportações dos portos do Mar Negro

Ucrânia e preço dos alimentos – Iniciativa Grãos do Mar Negro 

A Iniciativa Grãos do Mar Negro (Black Sea Grain Initiative), liderada pelas Nações Unidas, teve um impacto significativo na redução dos preços dos alimentos – o Índice de Preços dos Alimentos da FAO caiu pelo quinto mês consecutivo para 138 em agosto de 2022, atingindo o nível mais baixo em sete meses, devido a uma queda generalizada no custo dos alimentos.  

Os preços dos cereais caíram 1,4%, liderados por uma queda de 5,1% nos preços internacionais do trigo ligada à retomada das exportações dos portos do Mar Negro na Ucrânia pela primeira vez em mais de cinco meses de interrupção. 

No entanto, o relatório destaca a necessidade de maior apoio a grupos vulneráveis, incluindo trabalhadores com salários mais baixos e famílias em dificuldades financeiras, alertando para os danos que o aperto monetário está causando aos objetivos econômicos, sociais e climáticos, atingindo mais duramente os mais pobres. 

Os preços das commodities subiram durante grande parte dos últimos dois anos, com alimentos e energia mais caros representando desafios significativos para as famílias em todos os lugares.
Banco Mundial/John Hogg
Os preços das commodities subiram durante grande parte dos últimos dois anos, com alimentos e energia mais caros representando desafios significativos para as famílias em todos os lugares.

Mercados de commodities turbulentos há uma década 

Os preços das commodities subiram durante grande parte dos últimos dois anos, com alimentos e energia mais caros representando desafios significativos para as famílias em todos os lugares. A pressão adicional de alta sobre os preços dos fertilizantes significa que o dano pode ser duradouro.  

A guerra na Ucrânia contribuiu para essa situação, mas os mercados de commodities estão em um estado turbulento há uma década. De acordo com o relatório, pouca atenção foi dada ao papel dos especuladores e dos frenéticos de apostas desencadeados por sua enorme presença em contratos futuros, swaps (permuta financeira) de commodities e fundos negociados em bolsa. 

 

De acordo com o relatório, as múltiplas crises que a economia global enfrenta atualmente estão conectadas por uma agenda política que falhou em suas principais promessas de proporcionar estabilidade econômica
ECLA
De acordo com o relatório, as múltiplas crises que a economia global enfrenta atualmente estão conectadas por uma agenda política que falhou em suas principais promessas de proporcionar estabilidade econômica.

Sinais de alerta ligados 

De acordo com o relatório, as múltiplas crises que a economia global enfrenta atualmente estão conectadas por uma agenda política que falhou em suas principais promessas de proporcionar estabilidade econômica e impulsionar o investimento produtivo, tanto público quanto privado. 

Com os sinais de alerta ligados em uma série de indicadores econômicos e ambientais, reivindicar o futuro com políticas inovadoras e ambiciosas, vontade política e apoio público e privado é um pré-requisito para alcançar metas de desenvolvimento ambiciosas, aponta o documento. 

O relatório apresenta uma estratégia de maior cooperação entre os países em desenvolvimento que, juntamente com reformas na arquitetura multilateral, pode ajudar a levar a economia global na direção certa. 

*Com informações da Unctad, Genebra.