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Lisboa pode marcar rumo da ação internacional sobre oceanos   BR

A questão dos plásticos nos oceanos está também em discussão
Parley/Pato Vacc
A questão dos plásticos nos oceanos está também em discussão

Lisboa pode marcar rumo da ação internacional sobre oceanos  

ODS

O subsecretário-geral para os Assuntos Jurídicos, Miguel de Serpa Soares, disse que a ONU tem a expectativa de ver uma declaração política muito forte sobre oceanos saindo da  2ª. Conferência dos Oceanos em Lisboa; capital portuguesa acolhe evento no fim de junho. 

Nesta entrevista ao Centro de Informação da ONU em Bruxelas, Unric, o assessor das Nações Unidas revela pontos que justificam a urgência da ação internacional para preservar os mares e travar temas como biodiversidade e poluição plástica, que fazem parte de negociações em curso.* 

Unric Bruxelas: Já existem instrumentos legais acordados a nível multilateral para tentar melhor gerir os oceanos e recursos oceânicos. Na sua opinião são necessários mais instrumentos legais ou uma melhor coordenação e compliance com o que já existe é suficiente? 

Miguel de Serpa Soares disse que a ONU tem a expectativa de ver uma declaração política muito forte sobre oceanos após conferência sobre o tema em Lisboa
ONU/Eskinder Debebe
Miguel de Serpa Soares disse que a ONU tem a expectativa de ver uma declaração política muito forte sobre oceanos após conferência sobre o tema em Lisboa

 

Miguel Serpa Soares: Nós temos um bom regime de base no plano internacional. Aliás, 2022 é o ano em que estamos a celebrar o 40º aniversário da grande Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que é uma glória do multilateralismo, para assim dizer, e uma obra muito bem-feita sobre a égide das Nações Unidas. Se quisermos, alguns autores chamam esta convenção a “Constituição dos Oceanos”. Que é um regime muito abrangente sobre o qual, em princípio, todas as atividades relativas aos oceanos devem ser desenvolvidas. 

Na altura foi um instrumento revolucionário em termos de inovação e de pôr termo a uma série de problemas entre Estados nestas matérias. Ao longo do tempo, os problemas vão mudando. Esta convenção foi sempre completada. Como por exemplo, a convenção de 1995 relativamente aos estoques de pesca. Há um outro problema importante, e talvez o mais importante neste momento. É o problema do respeito pelo Direito Internacional e da capacidade. Em inglês, diríamos compliance in capacity building. 

Este debate tem que ser ao nível global envolvendo todos os diferentes setores da sociedade

Isso não é apontar o dedo aos Estados que não cumprem determinadas obrigações internacionais, mas é para perceber por que é que esses Estados não cumprem essas obrigações. E tentar ajudar, ou criar condições, para que esses Estados possam cumprir com essas obrigações internacionais. Neste plano,  as Nações Unidas têm vários programas específicos de maior ou menor dimensão, mas todas as entidades públicas e privadas podem participar neste esforço. 

Por exemplo, no meu departamento tenho dois programas específicos. Um com uma fundação privada, a Nippon  Foundation, e outro com o Governo da Noruega. Dois programas específicos de reforço de capacidade que visam exatamente lidar com este problema. Agora, à medida que nós vamos tendo mais consciência dos problemas ecológicos relativamente aos oceanos, vamos tentar desenvolver outras normas. 

Países-membros da ONU adotaram uma resolução em favor de um projeto de tratado sobre resíduos nos oceanos
Pnuma/Lawrence Hislop
Países-membros da ONU adotaram uma resolução em favor de um projeto de tratado sobre resíduos nos oceanos

 

Neste momento, está em curso uma negociação muito importante do novo tratado relativo à biodiversidade para além das zonas de jurisdição nacional. O título parece muito complicado, mas isto quer dizer apenas os dois terços da superfície dos oceanos que estão fora da jurisdição nacional pelo regime da Convenção de 1982 sobre o Direito do Mar. É muito importante, e é uma negociação muito trabalhosa, mas que está em curso. 

Outra questão, que começou há pouco tempo, é a dos plásticos nos oceanos. Os meus colegas do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente começaram esta discussão. Os Estados-membros adotaram uma resolução em que se comprometem seriamente a olhar para um projeto de tratado específico para este assunto. O trabalho não para porque realmente o oceano é presente em muitos aspetos da nossa vida. Vai exigir uma constante e permanente atenção daqui para a frente porque tem sido muito negligenciado. 

Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar é uma glória do multilateralismo

Unric Bruxelas: Para terminar, que resultados espera desta conferência na prática? Para que se as pessoas percebam o que é expectável que saia de Lisboa? 

Miguel Serpa Soares: Uma declaração política muito forte sobre o futuro da ação internacional e como os Estados-membros das Nações Unidas se vão articular mais e melhor para uma ação efetiva dos oceanos, compromissos mais claros sobre atingir as diferentes metas e alvos, que são sete, do Objetivo 14 relativo aos oceanos. O seu cumprimento está muito atrasado.  

E, por último, mas muito importante, um grande envolvimento da sociedade civil, académica, organizações de juventude, em todas estas questões. E uma participação ativa na agenda de compromissos que nos apresentem em compromissos. Porque este debate tem que ser ao nível global envolvendo todos os diferentes setores da sociedade. 

*Entrevista de António Ferrari, do Unric-Bruxelas. 

Estudantes nas margens do oceano enquanto aguardam para receber o veleiro de plástico Flipfloppi que fez várias paradas na costa do Quênia
FlipFlopi/FinneganFlint
Estudantes nas margens do oceano enquanto aguardam para receber o veleiro de plástico Flipfloppi que fez várias paradas na costa do Quênia