Moçambique: um ano após ataque a Palma, Acnur considera cedo incentivar retorno de deslocados
Ação de grupo armado em 24 de março de 2021 causou dezenas de mortes e desalojou centenas em Cabo Delgado; agência da ONU aponta razões como insegurança, preparação de retornos dignos e voluntários e instalação de serviços básicos nas áreas afetadas pela violência.
A Agência da ONU para os Refugiados, Acnur, pediu maiores esforços de auxílio no momento em que se completa um ano dos ataques de grupos armados não estatais ao distrito de Palma, na província moçambicana de Cabo Delgado.
Uma nota emitida esta terça-feira, em Genebra, manifesta alarme com a continuação da violência em certas áreas do norte do país.
Forças
Depois dos atos de 24 de março de 2021, a preocupação é com a “segurança ainda frágil em algumas áreas” apesar de melhorias em outras. Estima-se que dezenas de pessoas morreram e milhares foram desalojadas na ação.
A deslocada Zeza Juma, 48 anos, é um dos testemunhos da situação causada pelos ataques dos grupos armados. Ela vive num centro em Paquite, Pemba, como outras centenas de vítimas de confronto.
Ajudem-me a rezar para ter de volta as minhas filhas.
Nesta conversa, Zeza conta como escapou, mas continua inquieta depois do sequestro de três filhas que nunca mais viu. O maior sonho é saber o paradeiro e a situação delas, enquanto cuida do marido doente desde que soube da situação.
"As crianças que foram sequestradas ainda não conseguimos recuperá-las. Estou magra e estou com a tensão alta. Nunca soube nada delas. Continuo a cuidar do meu marido que está doente, debilitado, sou eu que o dou banho. Ajudem-me a rezar para ter de volta as minhas filhas, já estou com mãos brancas.”
A deslocada ressaltou a necessidade de maior apoio para sobreviver. No momento, uma parte das vítimas recebe cerca de US$ 60 mensais cedidos pelo Programa Mundial de Alimentos, PMA.
Vítimas
O governo e forças aliadas internacionais realizam uma intervenção militar contra grupos armados atuando na região desde julho do ano passado.
Com o ataque a Palma, o total de desalojados na província aumentou para mais de 735 mil desde que começaram os confrontos, em outubro de 2017.
A resposta das autoridades levou várias pessoas a retornar às suas áreas de origem, uma medida que a agência considera prematura incentivar.
Serviços básicos
Os argumentos que desencorajam o regresso incluem insegurança em algumas partes da província, importância de garantir retornos seguros e voluntários, além de que sejam realizados com “dignidade e com base em uma decisão informada”.
A agência defende ainda que os serviços básicos devem ser restaurados nas áreas de origem.
Outros desafios são os eventos climáticos extremos recentes na região. Em janeiro, a área sofreu o impacto da tempestade tropical Ana e, este mês, do ciclone tropical Gombe.
Os desastres aumentam as dificuldades para deslocados e comunidades anfitriãs no norte de Moçambique.
Mueda
Até este mês de março, a agência operava com 11% dos US$ 36,7 milhões que precisava para oferecer auxílio essencial.
Os ataques de grupos armados não estatais já deslocaram 24 mil pessoas no distrito de Nangade desde meados de janeiro.
Centenas de famílias em movimento precisam com urgência de apoio humanitário e serviços de proteção.
Cerca de 5 mil pessoas buscam proteção no vizinho distrito de Mueda. A área remota na fronteira com a Tanzânia está entre as que mais acolhe deslocados em Cabo Delgado.
Tortura
O Acnur destaca que as vítimas da violência em Palma sofreram e testemunharam atrocidades.
Entre os atos que acompanharam estão assassinatos por decapitação, desmembramento de corpos, violência sexual, sequestros, recrutamento forçado pelos grupos armados e tortura.
Com a ameaça de violência, o número de pessoas que chegam a Mueda continua a aumentar.
Na área costeira, o Acnur e parceiros colaboram com as autoridades locais atendendo os desalojados com materiais de abrigo e utensílios domésticos para famílias vulneráveis.
Apoio psicossocial
A agência avalia os riscos de proteção e apoia as autoridades administrando locais que hospedam os deslocados.
As atividades incluem auxiliar o acolhimento e as instalações comunitárias para deslocados internos em áreas como Lyanda e Mandimba.
Os maiores obstáculos envolvem a prestação de saúde mental e o apoio psicossocial a crianças desacompanhadas e separadas, além de pessoas com deficiência, mulheres grávidas e idosos.
Segundo as autoridades locais, o distrito de Mueda acolhe 134.515 deslocados internos.
O Acnur alerta ainda que a maioria desses centros está superlotada e em breve atingirá a capacidade máxima.