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Adolescente haitiano retoma liberdade após três anos detido por engano BR

Após ser libertado, Renel caminha pelo seu bairro em Les Cayes, Haiti
Pnud/Ruvens Ely Boyer
Após ser libertado, Renel caminha pelo seu bairro em Les Cayes, Haiti

Adolescente haitiano retoma liberdade após três anos detido por engano

Direitos humanos

Renel foi preso aos 15 anos acusado, erroneamente, de furtar dois patos de um armazém perto de sua casa na localidade de Les Cayes; Escritório da ONU no Haiti diz que 11 mil pessoas estão detidas antes do julgamento e muitas são crianças.

Um jovem haitiano, de 18 anos, está experimentando os primeiros momentos de liberdade após passar três anos na prisão sem ter culpa nenhuma.

O drama de Renel começou quando ele tinha 15 anos, num dia em que estava apostando corrida com os vizinhos ladeira abaixo, da rua onde vivia, como ele mesmo lembra.

Escola

Renel diz que sua vida era sair da escola e ir brincar pelas ruas de Les Cayes, que fica no sul do Haiti. Ele jogava bola de gude com os amigos, tomava banho no rio, perto de casa, e descia a ladeira até o mercadinho local.

Foi numa dessas brincadeiras, que ele foi violentamente abordado pelo dono de uma mercearia que o acusou de furtar dois patos da loja.

Renel conta que o comerciante chegou até ele gritando com raiva e o chamando de ladrão. Antes mesmo de ele explicar que não era culpado, e que tudo deveria se tratar de um mal-entendido, ele já estava sendo preso.

Após a polícia ouvir as alegações de furto, Renel foi violentamente espancado e levado a um recinto por horas sem qualquer informação. Depois, o adolescente foi encaminhado a uma cela.

Prisão em Les Cayes, no Haiti. Detenção pré-julgamento segue um desafio enorme para sistemas prisionais em todo o globo
Pnud Haiti/Ruvens Ely Boyer
Prisão em Les Cayes, no Haiti. Detenção pré-julgamento segue um desafio enorme para sistemas prisionais em todo o globo

Julgamento

Renel disse que ficou aterrorizado após a porta ser fechada. Foi aí que ele se viu numa cela superlotada. Era apenas o início de três longos anos preso sem direito a julgamento.

O Escritório Integrado da ONU no Haiti, Binuh, afirma que o caso de Renel não é raro. Na realidade, 82% dos 11 mil detidos, por longo espaço de tempo, sem julgamento no país caribenho estão na mesma situação. E muitos são crianças e adolescentes.

A ONU afirma que o adolescente foi vítima do que é chamado de "detenção arbitrária e excessiva antes do julgamento”.

A prática é considerada uma forma ignorada de abuso dos direitos humanos que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.

Pnud atuou em 121 casos de pessoas em Les Cayes. Deste total, 76 reconquistaram a liberdade e Renel foi um deles
Binuh
Pnud atuou em 121 casos de pessoas em Les Cayes. Deste total, 76 reconquistaram a liberdade e Renel foi um deles

Superlotação

Além disso, aprofunda a pobreza, estanca desenvolvimento econômico e mina o Estado de direito.

A detenção pré-julgamento segue um desafio enorme para sistemas prisionais em todo o globo. Esta é também uma das áreas mais importantes do tema de superlotação dos presídios.

No caso do Haiti, o relatório da ONU, de junho de 2021, revela que as pessoas vulneráveis no país têm mais dificuldade para acessar a justiça.

Renel contou com o apoio de especialistas do Programa da ONU para o Desenvolvimento, Pnud, que viu a seriedade do caso.

Prisão em Les Cayes, no Haiti
Binuh
Prisão em Les Cayes, no Haiti

Juventude atrás das grades

Wegbert Chery, da equipe de avaliação da agência da ONU, lembrou que após ser preso aos 15 anos, o menino estava na iminência de passar a juventude atrás das grades sem sofrer qualquer indiciamento ou ter acesso a um defensor público.

O Pnud tem um Escritório de Assistência Jurídica, em parceria com o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do Haiti. Lançado em maio passado, a iniciativa quer melhorar o acesso dos pobres à justiça.

O Escritório de Assistência foi implementado pelo Pnud, pela ONU Mulheres e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef.  O objetivo é reduzir o volume de prisões em delegacias de suspeitos para aliviar o tráfego de processos em tribunais além de proteger os direitos das vítimas e das testemunhas.

No ano passado, o Pnud atuou em 121 casos de pessoas em Les Cayes. Deste total, 76 reconquistaram a liberdade e Renel foi um deles.

Ao ser solto, ele afirmou ter esquecido o caminho de volta à casa da mãe. Mas ao abraçar o caminho para o seu próprio futuro, Renel diz que as crianças têm que estar na escola e não na prisão.