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“É difícil descrever o clima de pavor” no Afeganistão, diz enviada da ONU  BR

Pelo menos mil pessoas morreram em um ano por causa dos ataques mais graves
Unama/Freshta Dunia
Pelo menos mil pessoas morreram em um ano por causa dos ataques mais graves

“É difícil descrever o clima de pavor” no Afeganistão, diz enviada da ONU 

Paz e segurança

Representante alerta que guerra urbana é aparente decisão estratégica do Talebã; governo aponta participação de 20 grupos terroristas na ofensiva, incluindo Isil e al-Qaeda; mais de 55 mil ataques ocorreram em 31 províncias afegãs desde meados de abril. 

O Conselho de Segurança fez um sessão especial esta sexta-feira para debater a escalada da violência no Afeganistão. O destaque é o avanço da ofensiva militar do Talebã, marcado pelo aumento da violência e de violações dos direitos humanos. 

Na sessão, a representante especial do secretário-geral para o país, Deborah Lyons, sublinhou que “é difícil descrever o clima de pavor” que é enfrentado todos os dias no país. Pelo menos mil pessoas morreram em um mês de ataques mais intensos. 

Civis  

A enviada destacou a destruição de casas, hospitais, lojas, pontes e outras infraestruturas ao mencionar a terrível situação em que a ONU e os parceiros humanitários fazem frente continuando presentes. Eles avaliam as necessidades quando possível, prestando ajuda em caso de acesso "no que se está tornando cada vez mais difícil". 

Sala do Conselho de Segurança da ONU
ONU/Manuel Elias
Sala do Conselho de Segurança da ONU

 

A representante mencionou relatos de afegãos mostrando “que o debate não é sobre como preservar o progresso e os direitos, mas quase a sobrevivência”.  

Esta semana, o diretor do centro de mídia e informação do Afeganistão foi assassinado por milícias Talebã na capital, Cabul.  

Agências de notícias informaram esta sexta-feira que a cidade de Zaranj, na província de Nimroz  no sudoeste, se tornou a primeira capital provincial do país a cair nas mãos do Talebã nos últimos anos. 

“Guerra urbana” 

Sobre os efeitos da escalada da violência sobre civis, Lyons ressaltou como a “guerra urbana” ameaça grandes áreas no que “parece ser uma decisão estratégica do Talebã”. 

Ameaças colocadas à paz, segurança e estabilidade, não são apenas ao Afeganistão, mas também para a região e além dela

A enviada advertiu ainda que “a provável carnificina resultará na insegurança nacional do Afeganistão”. Apesar de forças de segurança do país estarem defendendo essas cidades, ela considera que “sem dúvidas haverá vítimas civis”.  

A representante disse ainda esperar um aumento dos danos diários com a destruição da infraestrutura básica, como redes de eletricidade e água. 

Para a também chefe da Missão da ONU no Afeganistão, Unama, essas táticas podem representar uma violação grave do direito internacional humanitário, além de ser consideradas crimes de guerra e contra a humanidade. 

Crise humanitária 

Lyons disse que o sofrimento causado pela ofensiva se soma a uma já crescente crise humanitária agravada pela severa seca. A situação afeta 18,5 milhões de pessoas, ou quase metade da população do país que precisa de ajuda. 

Trabalhadores humanitários sofreram mais de 25 ataques. Pelo menos oito funcionários do setor foram mortos e outros 60 ficaram feridos, apenas nos primeiros seis meses deste ano. 

A expetativa da enviada é que os números sobre migração dupliquem este ano. Quase um terço dos afegãos já enfrentam níveis emergenciais de insegurança alimentar, quando a seca piora e os deslocamentos internos aumentam. 

Número de vítimas civis em 2021 foi o mais alto registrado no período desde que começou a documentação sistemática
Ocha Afeganistão/Fariba Housaini
Número de vítimas civis em 2021 foi o mais alto registrado no período desde que começou a documentação sistemática

 

Lyons realçou ainda a importância das negociações de paz, ao solicitar união do Conselho para incentivar ambas as partes a se engajarem no processo em Doha. 

Terroristas  

De acordo com a Unama, o total de civis mortos e feridos no Afeganistão entre 1º de janeiro e 30 de junho aumentou 47%, em comparação com o primeiro semestre de 2020. 

Existe preocupação com o aumento de afetados desde o anúncio da retirada das tropas internacionais em abril. Entre maio e junho, o número de vítimas civis foi o mais alto registrado no período desde que começou a documentação sistemática. 

O novo embaixador do Afeganistão na ONU, Ghulam  Isaczai, disse que cidades e infraestrutura pública reconstruída com apoio internacional nas últimas duas décadas estão agora expostas a um nível inimaginável de destruição pelo Talebã.

A provável carnificina resultará na insegurança nacional do Afeganistão 

Sobre a ofensiva, que o diplomata chama de “ato deliberado de barbárie”, ele ressaltou que o grupo “não está sozinho e é auxiliado por combatentes estrangeiros de redes terroristas transnacionais”.  

Complexo em Herat 

Segundo ele, as "ameaças colocadas à paz, segurança e estabilidade, não são apenas ao Afeganistão, mas também para a região e além dela”, sendo responsabilidade coletiva conter a situação. 

Desde meados de abril, o Talbã e grupos terroristas estrangeiros afiliados lançaram mais de 5.500 ataques em 31 das 34 províncias afegãs. De acordo com o representante do governo, os ataques foram lançados com apoio direto de milhares de combatentes estrangeiros de 20 grupos, incluindo a Al-Qaeda e o Isil. 

A reunião de emergência foi solicitada pela Estônia e pela Noruega para discutir acontecimentos como a escalada da ofensiva do Talebã e um ataque de 30 de julho a um complexo da missão de paz da ONU em Herat.  

Violência 

Nesse ato, um policial afegão morreu e várias pessoas ficaram feridas. Segundo a Unama, a ação foi levada a cabo por “elementos antigovernamentais”.  

Na terça-feira, o Conselho de Segurança emitiu uma declaração que expressou “profunda preocupação com os altos níveis de violência no Afeganistão, após a ofensiva militar do Talebã”. O órgão pediu uma “redução imediata da violência”. 

Representante especial do secretário-geral no Afeganistão, Deborah Lyons
ONU/Loey Felipe
Representante especial do secretário-geral no Afeganistão, Deborah Lyons