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Metade das mulheres sem autonomia sobre próprio corpo, diz estudo feito em 57 países  BR

De acordo com um relatório do Unfpa, quase metade de todas as mulheres não têm autonomia física
Unicef/Richard Humphries
De acordo com um relatório do Unfpa, quase metade de todas as mulheres não têm autonomia física

Metade das mulheres sem autonomia sobre próprio corpo, diz estudo feito em 57 países 

Mulheres

Levantamento do Unfpa cita violações como incluem estupro, esterilização forçada, teste de virgindade e mutilação genital feminina; apenas 71% dos países garantem acesso a cuidados de maternidade e somente 75% oferecem atendimento completo com contraceptivos. 

Quase metade das mulheres em 57 países em desenvolvimento não tem autonomia para decidir sobre seus direitos sexuais e reprodutivos. 

É isto que diz o relatório anual do Fundo de População das Nações Unidas, Unfpa, divulgado nesta quarta-feira. 

Atendimento 

O documento Estado da População Mundial de 2021, com o título “O meu corpo me pertence”, mostra que muitas mulheres não têm poder sobre o uso de métodos anticoncepcionais, atendimento médico e até mesmo sobre suas relações sexuais. 

A diretora do Escritório do Unfpa em Genebra, Mónica Ferro, falou à ONU News sobre o tema. 

“É o primeiro relatório das Nações Unidas dedicado ao poder e capacidade das mulheres de tomarem suas próprias decisões sobre sexo e reprodução. A autonomia corporal significa ter o poder e capacidade de fazer escolhas sobre os nossos corpos e futuros sem violência e coerção. Significa ter o poder de dizer sim e o direito de dizer não.” 

Mónica Ferro, Diretora do Escritório de Genebra do Fundo das Nações Unidas para a População
ONU News/Daniela Gross
Mónica Ferro, Diretora do Escritório de Genebra do Fundo das Nações Unidas para a População

Mónica Ferro contou que o relatório foi construído com base nos dois indicadores da ONU sobre autonomia corporal que acompanham o cumprimento da meta 5.6 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável, ODS, de assegurar o acesso à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos reprodutivos.  

“O relatório mostra que apenas 55% das mulheres usufruem desses direitos. Das várias razões identificadas, a desigualdade de gênero é a mais persistente. O relatório é um apelo ao mundo. As nossas comunidades e países apenas poderão florescer quando cada pessoa tiver o poder de decidir sobre os seus corpos e os seus futuros, quando poder dizer ‘o meu corpo pertence-me’. Educação, transformação das normas sociais e trabalho legislativo para remover barreiras e acelerar progressos, complementados com dados robustos e desagregados, são alguns dos investimentos fundamentais. Um mundo com mais escolhas é um mundo com mais justiça e bem-estar. Um mundo com mais dignidade para todas as pessoas.” 

Conclusões 

Segundo a pesquisa, apenas 55% das mulheres estão totalmente habilitadas para fazer escolhas sobre cuidados de saúde, contracepção e a capacidade de dizer sim ou não ao sexo. 

Apenas 71% dos países garantem o acesso aos cuidados gerais de maternidade e somente 75% das nações asseguram legalmente acesso igualitário e completo à contracepção. 

Apenas 80% dos países têm leis que apoiam a saúde sexual e o bem-estar e cerca de 56% têm leis e políticas que apoiam a educação sexual abrangente. 

Países lusófonos 

Dados recolhidos entre 2007 e 2018, também mostram diferenças na proporção de mulheres que pode tomar decisões sobre sua saúde sexual e reprodutiva nos países de língua portuguesa. 

Em Angola, 62% das mulheres tinham esses direitos, em Moçambique cerca de 49%, em São Tome e Príncipe 46% e em Timor-Leste cerca de 40%.  

Em todo o mundo, uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual.
Unicef/UNI91025/Noorani
Em todo o mundo, uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual.

Em comunicado, a diretora-executiva do Unfpa, Natalia Kanem, afirma que “o fato de quase metade das mulheres ainda não conseguir tomar suas próprias decisões sobre ter ou não sexo, usar métodos anticoncepcionais ou procurar atendimento médico deveria indignar a todos.” 

Segundo ela, “em essência, centenas de milhões de mulheres e meninas não possuem seus próprios corpos, suas vidas são governadas por outros.” 

O relatório também documenta muitas outras formas de violação da autonomia corporal de mulheres, homens, meninas e meninos.  

Leis sobre estupro 

Vinte países ou territórios têm leis em que um homem pode escapar de um processo criminal se se casar com a mulher ou menina que estuprou. 

Além disso, 43 países não possuem legislação abordando a questão do estupro conjugal e mais de 30 nações restringem o direito das mulheres de se movimentar fora de casa. 

Meninas e meninos com deficiência têm quase três vezes mais probabilidade de serem submetidos à violência sexual, com as meninas correndo o maior risco. 

O relatório mostra como os esforços para lidar com os abusos podem levar a novas violações da autonomia corporal. 

Necessidades 

Por exemplo, para processar um caso de estupro, um sistema de justiça criminal pode exigir que um sobrevivente seja submetido a um chamado teste invasivo de virgindade. 

O relatório mostra como os esforços para lidar com os abusos podem levar a novas violações da autonomia corporal
Unicef Mozambique/2018/Mário Le
O relatório mostra como os esforços para lidar com os abusos podem levar a novas violações da autonomia corporal

Segundo o Unfpa, as soluções devem levar em consideração as necessidades e experiências das pessoas afetadas. 

Na Mongólia, por exemplo, pessoas com deficiência se organizaram para dar contribuições diretas ao governo sobre suas necessidades de saúde sexual e reprodutiva.  

A agência da ONU também destaca o exemplo de Angola, dizendo que “os jovens informados sobre o seu corpo, saúde e direitos podem procurar cuidados de saúde, utilizar o planeamento familiar, recusar o sexo e pedir justiça após a violência sexual.” 

Saúde e educação 

Para a chefe do Unfpa, “a negação da autonomia corporal é uma violação dos direitos humanos fundamentais das mulheres e meninas que reforça as desigualdades e perpetua a violência decorrente da discriminação de gênero.” Kanem diz que isso “é nada menos do que uma aniquilação do espírito, e deve parar." 

Ela conta que “uma mulher que tem controle sobre seu corpo tem mais probabilidade de ser fortalecida em outras esferas de sua vida”, ganhando autonomia, mas também em avanços em saúde e educação, renda e segurança para ela e sua família.