Comissão da ONU adverte para escalada de violência localizada no Sudão do Sul
Grupo de especialistas ressalta um país “cada vez mais polarizado”; milhares de combatentes participaram na violência em estados como Equatória Central, Warrap, Jonglei e Grande Pibor; segunda-feira marca primeiro ano do governo de transição criado após novo acordo de paz.
A violência continua assolando vastas áreas do Sudão do Sul, um ano depois da assinatura do Acordo de Paz Revitalizado para acabar com a guerra civil iniciada em 2013.
Antes do aniversário do novo governo de transição, que é celebrado na segunda-feira, a Comissão de Direitos Humanos sobre o país alertou para “uma escalada maciça da violência perpetrada em um nível local.”
Justiça de transição
A publicação, apresentada esta sexta-feira em Joanesburgo, é a quinta desde que o grupo de especialistas foi criado pelo Conselho dos Direitos Humanos para investigar e relatar a situação sul-sudanesa. Os integrantes coletam e conservam provas para serem usadas por um mecanismo de justiça de transição.
A comissão destaca que ataques de grupos armados a civis provocaram centenas de mortes e centenas de milhares deslocados em 2020. As ações ocorreram nos estados de Equatória Central, Warrap, Jonglei e Grande Pibor.
O Sudão do Sul declarou independência do Sudão em 2011, após décadas de guerra civil. O conflito teve início em finais de 2013 depois de divergências entre o presidente Salva Kiir e o vice-presidente Riek Machar.
O relatório realça que as vítimas dos atos recentes são visadas de acordo com a origem étnica. As incursões teriam o apoio tanto do governo como das forças de oposição.
Dimensão
Para a presidente da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre o Sudão do Sul, Yasmin Sooka, a dimensão da violência ultrapassa a que foi registrada entre 2013 e 2019 no mais novo país do mundo.
A representante destacou que mulheres e meninas foram “raptadas, estupradas por gangues e escravizadas sexualmente e, em alguns casos, são casadas à força”.
O membro da comissão, Andrew Clapham, disse que a escala da violência e o uso de armas mais recentes por grupos locais sugere o envolvimento de forças de segurança nacional, NSS, ou de atores externos.
Entre junho de agosto de 2020, o estado de Jonglei registrou os “atos mais brutais” de violência, incluindo assassinatos e mutilações de civis, incêndios sistemáticos e deliberados de casas ou roubos de até 175 mil cabeças de gado.
Abusos
Complexos de ONGs foram pilhados nessas incursões. Uma mulher da região contou à comissão que foi abusada por 10 dias consecutivos. Ela e seu grupo não cozinharam nem lavaram, mas foram “usadas como esposas para fazer sexo.”
A comissão considera chocante o número de combatentes envolvidos nesses conflitos localizados. Somente no estado de Jonglei, cerca de 50 mil participaram num ataque à área de Padoy. Outros pelo menos 15 mil atuaram numa incursão a uma aldeia de Likuangole.
Relatos de civis destacam ainda o uso de armas “mais recentes”, nunca vistas em ataques anteriores. Um deles disse que na cidade de Pibor viu armamento “usado pelo NSS, sendo vendido por poucas centenas de dólares” e que “todas as crianças têm armas”.
Identidade
No documento, os especialistas descrevem um Sudão do Sul “cada vez mais polarizado, onde se dá grande valor à identidade étnica acima da noção do que significa ser um sul-sudanês”.
A recomendação feita às partes do conflito é que se envolvam de forma coletiva em ações para construir confiança, restaurar a dignidade, consolidar a unidade nacional e reconstruir a confiança na liderança nacional e nas instituições.