Soluções militares na Síria causaram “década de morte, negação e destruição” BR
Soluções militares na Síria causaram “década de morte, negação e destruição”
Novo relatório da Comissão de Inquérito da Síria da ONU diz que vários atos podem ser considerados crimes contra a humanidade e de guerra, incluindo genocídio; conflito no país começou em março de 2011.
A Comissão Internacional de Inquérito sobre a Síria está exigindo um revigoramento dos esforços internacionais para acabar com o conflito e colocar o país no caminho da paz e da justiça.
O apelo dos especialistas faz parte de um novo relatório publicado nas vésperas do 10o. aniversário do conflito na Síria, marcado em março.
Interesses
A comissão critica a disponibilidade das partes em conflito para sacrificar direitos fundamentais por ganhos políticos de curta duração ou a pretexto de combater o terrorismo.
Em um relatório de 20 páginas, os autores relembram “as mais hediondas das violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos” cometidas contra a população civil desde março de 2011.
Segundo eles, “tais atos são susceptíveis de constituir crimes contra a humanidade, crimes de guerra e outros crimes internacionais, incluindo genocídio.”
Em comunicado, o presidente da comissão, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, diz que “as partes neste conflito têm beneficiado da intervenção seletiva e da lamentável negligência da comunidade internacional.”
Segundo ele, “as crianças, mulheres e homens da Síria pagaram o preço quando um governo autoritário e brutal desencadeou uma violência avassaladora para reprimir a dissidência.”
Pinheiro destaca ainda “financiamentos oportunistas estrangeiros, armas e outros apoios às partes beligerantes que jogaram lenha neste fogo que o mundo se contentou em ver queimar.”
Agora, o presidente da comissão diz que é preciso “realizar todos os esforços para apoiar uma resolução pacífica e negociada para o conflito e para ajudar a colocar a Síria no caminho de um futuro estável, próspero e justo para todo o seu povo.”
Abusos
O grupo de especialistas examina como as partes em conflito, primeiro as forças do governo e depois todas as outras, usaram armamentos que minimizaram os riscos para seus combatentes, mas não os civis.
Dez anos depois, mais da metade da população está deslocada dentro ou fora do país, as cidades foram reduzidas a escombros e um grande grupo de atores armados continua a atacar a população.
Sírios vivendo em cidades sofreram “enormes bombardeios aéreos e de artilharia”. Também suportaram ataques de “armas químicas, cercos que causaram fome e restrições à ajuda humanitária, tanto na linha da frente como na fronteira”. Tais atos ocorreram mesmo após a aprovação do auxílio pelo Conselho de Segurança.
Justiça
Outro membro da comissão, a especialista Karen Koning AbuZayd, lembrou que a Síria foi um importante país de acolhimento de refugiados no passado.
Segundo ela, “é injusto que, por dez anos, a ajuda humanitária tenha sido consistentemente adiada, negada e instrumentalizada, apesar das necessidades claras de tantos sírios, bem como palestinos e outros refugiados."
AbuZay disse que existem direitos humanos básicos e necessidades humanitárias, como comida, água, saúde e educação, que devem ser atendidos independentemente de qual grupo controla um determinado território.
Ela disse ainda que, com um setor de saúde amplamente destruído por ataques, danos acidentais e a fuga de trabalhadores, a pandemia de Covid-19 está sobrecarregando os profissionais de saúde e outros trabalhadores da linha de frente.
Segundo ela, “o acesso humanitário baseado em direitos e princípios deve ser restaurado sem demora”, concluiu ela.
O relatório afirma que todas as partes continuam relutantes em investigar de forma transparente alegações de má conduta e processar os perpetradores.
Ainda assim, a comissão destaca eventos positivos no setor judicial em outros Estados-membros e informa que contribuiu para mais de 60 dessas investigações, com base em suas quase 8 mil entrevistas e informações sobre cerca de 3,2 mil alegados autores.
O relatório conclui pedindo soluções inovadoras para conseguir justiça. A comissária Hanny Megally afirma que “a falta de ação do Conselho de Segurança não precisa impedir a ação em outras frentes.”
Apelo
Segundo ela, as demandas das vítimas por justiça e responsabilidade são parte central de qualquer paz durável.
Megally destaca medidas sobre desaparecidos e detidos, ações de apoio às famílias, desmobilização de crianças combatentes, apoio psicossocial e restauração de documentação civil, entre outras, dizendo que não podem ser deixadas para depois do fim do conflito.
O relatório conclui pedindo um cessar-fogo permanente, endossado pelo Conselho de Segurança e aplicado pelos principais Estados-membros que apoiam o governo e aos grupos armados na Síria.
O documento deve ser apresentado em 11 de março, durante a 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra.