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Funcionária da OIM apoia população deslocada no bairro de Alto Gingone, em Pemba, na província de Cabo Delgado

Moçambique entre países que requerem urgência para enfrentar bolsões de fome  BR

Helvisney Cardoso, ONU Moçambique
Funcionária da OIM apoia população deslocada no bairro de Alto Gingone, em Pemba, na província de Cabo Delgado

Moçambique entre países que requerem urgência para enfrentar bolsões de fome 

Ajuda humanitária

ONU aponta 20 situações de piora de insegurança alimentar em 2020; FAO e PMA querem medidas imediatas para os próximos meses; situação se deve a fatores como conflitos, crises na economia, clima extremo e impacto da Covid-19

Um novo relatório apresenta 20 países e contextos com maior risco de piora da insegurança alimentar aguda. A situação que empurra as pessoas para a fase de emergência se deve à combinação de conflitos, do declínio econômico, de eventos climáticos extremos e dos impactos da pandemia. 

O estudo das Nações Unidas identifica quatro países com áreas que estão na iminência de fome e as condições agravarão em meses: o Burquina Fasso, na região africana do Sahel, o nordeste da Nigéria, o Sudão do Sul e  o Iêmen. 

Níveis crescentes

Nova onda de deslocamento interno por causa da violência causou uma crise humanitária em Moçambique.
ONU Moçambique/Philip Hatcher-Moore
Nova onda de deslocamento interno por causa da violência causou uma crise humanitária em Moçambique.

 

A Análise de Alerta Precoce de Pontos de Insegurança Alimentar Aguda foi publicada esta sexta-feira pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, FAO, e pelo Programa Mundial de Alimentos, PMA. 

Moçambique está entre 16 países correndo “alto risco de apresentar níveis crescentes de fome aguda”, diante de um cenário global apontando novos recordes nos níveis de insegurança alimentar aguda.  

A situação é impulsionada por uma combinação de fatores incluindo recentes episódios de expansão e intensificação da violência, deslocamento de civis e interrupção de sistemas e mercados alimentares. 

O relatório destaca ainda que ações urgentes devem ser tomadas para evitar uma grande emergência,  ou uma série delas, nos próximos três a seis meses.   

Covid-19  

Um evoluir da situação em países de maior risco dependerá “da dinâmica dos conflitos, dos preços dos alimentos e da miríade de impactos da pandemia Covid-19 em seus sistemas alimentares, chuvas e resultados de colheita”.  

A fome está agravar-se no país com 20 milhões de iemenitas, dois terços da população enfrenta insegurança alimentar.
PMA/Marco Frattini
A fome está agravar-se no país com 20 milhões de iemenitas, dois terços da população enfrenta insegurança alimentar.

 

O acesso humanitário e a prontidão dos doadores para continuar a financiar operações humanitárias deverá evitar que mais pessoas enfrentem insegurança alimentar aguda em partes de Afeganistão, Burquina Fasso, Camarões, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Níger, norte da Nigéria e Sudão do Sul. Em outubro, mais de 1 milhão de pessoas ficaram em situação de insegurança alimentar aguda de emergência. 

Moçambique  

Sobre o contexto moçambicano, o relatório destaca que o plano de resposta à pandemia  levou a um apelo de emergência de US$ 68,1 milhões. Até agora, a iniciativa teve um financiamento de US$ 19,4 milhões, o equivalente a 28,5%. 

A resposta à situação de violência na província de Cabo Delgado requer US$ 35,5 e teve 78,6% dos fundos.  

O número de pessoas que enfrentam uma crise ou emergência alimentar pode ter chegado a 1,7 milhão entre outubro 2019 e fevereiro de 2020. A última análise em sete distritos das províncias de Tete e Cabo Delgado estimam que durante a estação seca, entre outubro e novembro, o número de pessoas enfrentando crise alimentar ou emergência aumentará para 285 mil. 

A insurgência provoca insegurança alimentar no norte da província de Cabo Delgado, que tem a segunda maior taxa de doenças crônicas e desnutrição. O número de deslocados deve ter triplicado, quando comparado ao início deste ano, tendo ultrapassado 300 mil. 

Restrições de acesso 

A situação pode piorar nos próximos meses com o possível alastramento da Covid-19, maiores deslocamentos e restrições de acesso. A insegurança alimentar aguda elevada também é uma preocupação em outras partes do país, incluindo o sul e o centro, onde o acesso aos alimentos baixou com a fraca produção. 

O conflito na Síria arrasta-se há oito anos, levando milhões de sírios à fome e à pobreza. A situação obrigou a milhões de pessoas a abandonar as suas casas dentro e fora da Síria.
Acnur/ Benoit Almeras
O conflito na Síria arrasta-se há oito anos, levando milhões de sírios à fome e à pobreza. A situação obrigou a milhões de pessoas a abandonar as suas casas dentro e fora da Síria.

 

O impacto da crise se deve salientar no início da estação magra, em outubro. Até maio, a temporada de ciclones, cujo pico será no início de 2021, pode aumentar ainda mais o número de necessitados. 

Com a dependência de Moçambique das importações de alimentos e produtos básicos e exportações de matérias-primas os preços da comida subiram com as restrições relacionadas à pandemia. 

Além disso, “os níveis persistentes de alto endividamento podem limitar a capacidade fiscal do país de reagir a problemas internos e crises externas”.  

Ajuda 

Para que o grupo de países possa enfrentar esta situação, o estudo sugere que seja garantido o acesso, a proteção da infraestrutura civil essencial para a sobrevivência das populações e expansão da ajuda humanitária em situações de conflito. 

Além de Moçambique estão Afeganistão, Burquina Fasso, Camarões, República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Etiópia, Líbano, Mali, Níger, Nigéria, Somália, Sudão do Sul, Síria e Iêmen. 

O PMA está fornecendo assistência alimentar para aqueles que precisam urgentemente de apoio no Iêmen que emergiu como uma das piores crises de fome do mundo.
O PMA está fornecendo assistência alimentar para aqueles que precisam urgentemente de apoio no Iêmen que emergiu como uma das piores crises de fome do mundo., by PMA/Annabel Symington

 

 

 

Para os atores humanitários o pedido é que seja reforçada a proteção e dado espaço para negociar com todos os atores, de acordo com leis e princípios humanitários. A medida poderá garantir que sejam alcançadas as populações e seja realizada a distribuição alimentar. 

O estudo realça que o diálogo com grupos armados e forças de segurança deve ser fortalecido para salvaguardar a resposta humanitária e facilitar o acesso a alimentos, cuidados médicos e outros meios essenciais de sobrevivência para os civis. 

Pontos mais críticos 

Sobre a situação da insegurança alimentar nos pontos mais críticos, o relatório destaca ainda o cenário na República Democrática do Congo onde cerca de 22 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar aguda. O número é o mais alto já registrado para um único país.  

Burquina Fasso teve o mais alto aumento de pessoas passando fome. O número quase triplicou em comparação com 2019 devido ao aumento de conflitos, deslocamento e impactos da pandemia sobre o emprego e o acesso aos alimentos. 

O Iêmen também tem um cenário crítico com a insegurança alimentar em curso combinada com o conflito e a piora da crise econômica que “pode levar a uma maior deterioração de uma situação de segurança alimentar”. 

A fome está agravar-se no país com 20 milhões de iemenitas, dois terços da população enfrenta insegurança alimentar.
PMA/Marco Frattini
A fome está agravar-se no país com 20 milhões de iemenitas, dois terços da população enfrenta insegurança alimentar.